tag:blogger.com,1999:blog-39776248826093060132024-02-18T17:33:46.891-08:00Domínio PublicanoMalena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.comBlogger25125tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-82047110807841566542013-05-19T12:47:00.000-07:002013-05-19T13:19:15.353-07:00O DILACERADOR DOS VÉUS<span style="font-size: large;">Ramsey Campbell </span><br />
Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.<br />
<div align="LEFT" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
À meia noite, o último ônibus para Brichester já havia partido, e
estava chovendo pesadamente. Kevin Gillson considerou amargamente
ficar sob a marquise do cinema próximo até o raiar da manhã, mas o
vento forte impelia a chuva de tal forma que a marquise não fornecia
abrigo algum. Ele virou a gola de seu casaco para cima, tão logo a
água começou a descer por seu pescoço, e lentamente subiu pela
colina, distanciando-se do ponto de ônibus.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
As ruas estavam virtualmente desertas; uns poucos carros que passavam
não reagiam aos sinais que ele fazia. Muito poucas das casas pelas
quais ele passava sequer chegavam a ter luzes acesas; causava-lhe
depressão andar pelo asfalto úmido e negro, que refletia imagens
trêmulas das luzes dos postes. Encontrou apenas uma pessoa na rua –
uma figura silenciosa, curvada à sombra de umbrais. Apenas o brilho
avermelhado de um cigarro convencera Gillson de que havia de fato
alguém ali.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Na esquina das ruas Gaunt e Ferrey, notou um veículo aproximando-se.
Um tanto atordoado pelos reflexos dos faróis, percebeu que era um
táxi, passando pelas ruas em busca do último passageiro da noite.
Kevin acenou com o esfrangalhado <i>Camside Observer </i>que
estava carregando, e o táxi estacionou ao seu lado.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Ainda está pegando passageiros?” gritou pela divisória.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Eu estava indo pra casa,” respondeu o motorista. "Mas –
se você ainda vai andar muito – eu não o deixaria andando pelas
ruas numa noite como esta. Para onde vai?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Gillson pediu que fossem para Brichester, e fez menção de entrar.
Porém, naquele momento, ouviu uma voz próxima chamando; e ao
voltar-se viu uma figura correndo pela chuva, em direção ao táxi.
Pelo cigarro entre seus dedos e pela direção de onde havia vindo,
Gillson imaginou que tratava-se do homem que havia notado nos
umbrais.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=3977624882609306013" name="__DdeLink__8_1349841358"></a>
"Espere – por favor, espere!" gritava o homem. Batia os
pés no chão até chegar no táxi, molhando Gillson no processo. "Se
importaria se compartilhássemos seu táxi? Se estiver com pressa,
deixa pra lá – mas se eu for desviá-lo do caminho, pago a
diferença. Não sei como é que eu poderia ir pra casa se não
pegando táxi, embora eu não more muito longe daqui."</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"E onde você mora, mesmo?" perguntou Gillson, cauteloso.
"Não estou com pressa, mas..."</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Na Rota Tudor," respondeu rapidamente o homem.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Ah, esse lugar é a caminho de Brichester, não?" disse
Gillson, aliviado. "Claro, pode entrar – vamos acabar pegando
pneumonia se ficarmos em pé aqui por mais tempo."</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Uma vez no táxi, Gillson deu
orientações ao motorista e sentou-se na parte de trás. Não sentia
vontade de conversar, tendo decidido ler um livro, esperando que o
outro não puxasse conversa. Pegou a cópia do <i>Bruxaria nos
Dias de Hoje </i>que havia comprado
numa banca, e ficou folheando as páginas.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Estava começando um capítulo quando uma voz o interrompeu. "Você
acredita nessas coisas?"</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Nisto aqui?" Gillson inquiriu de maneira resignada,
batendo na capa do livro. "De certa forma, sim – suponho que
essas pessoas acreditavam que dançar nus e cuspir em crucifixos os
faria bem. Um tanto infantil, porém – eram todos psicopatas,
claro."</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Digno de um livro sensacionalista como esse, eu diria,"
concordou o outro.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Houve um silêncio de uns poucos minutos, e Gillson considerou voltar
ao livro. Abriu-o novamente e leu a extravagante sinopse de orelha, e
então o pôs de lado de jeito irritado, quando um fio de água
desceu de sua manga para a página aberta. Limpou a mancha, e então
sentiu-se irritado demais para ler o livro.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Mas você sabe o que estava
por trás desses cultos de bruxas?"</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"O que quer dizer?" perguntou Gillson, deixando o livro de
lado.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Você conhece os <i>verdadeiros
</i>cultos?" continuou a voz.
"Não os servos medievais de Satã – mas aqueles que veneram
deuses existentes?"</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Depende do que você quer dizer com 'deuses existentes',"
respondeu Gillson.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
O homem pareceu não ter notado esse comentário. "Eles formavam
esses cultos porque estavam buscando alguma coisa. Talvez você tenha
lido alguns de seus livros – você não os encontrará nas bancas,
como aconteceu com esse aí, mas estão preservados em certos
museus."</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Bem, uma vez estive em Londres, e dei uma olhada no que eles
tinham no Museu Britânico."</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"O <i>Necronomicon</i>,
suponho." O homem parecia quase divertido. "E o que achou
dele?"</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Achei um tanto perturbador,"
confessou Gillson, "mas não tão horripilante quando haviam me
levado a esperar. Porém, não pude compreender tudo que havia ali."</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Pessoalmente, eu penso que ele
é ridículo," disse o outro, "tão vago... Mas, é claro,
se o livro tivesse descrito aquilo do qual dá pistas, nenhum museu
teria contato com ele. Suponho que seja melhor que apenas uns poucos
saibam da verdade... Desculpe-me, você deve estar me achando
esquisito. E olha só, você nem me conhece. Sou Henry Fisher, e
suponho que possa descrever-me como um ocultista."</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Não, por favor, continue,"
disse Gillson, "O que você está contando me interessa."</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=3977624882609306013" name="__DdeLink__10_1349841358"></a>
"Bem, interessado em pessoas
buscando coisas? Por que razão, estaria você procurando alguma
coisa?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Não exatamente, embora eu
tenha um tipo de convicção persistente, desde que era criança.
Nada incômodo, na verdade – só uma espécie de ideia de que nada
é realmente como enxergamos: se houvesse outra forma de enxergar as
coisas sem usar seus olhos, tudo pareceria bem diferente. Esquisito,
não é?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Quando não veio resposta, ele se
virou. Havia uma expressão estranha nos olhos de Henry Fisher; um
olhar de triunfo surpreso. Notando o desconcertamento de Gillson,
pareceu controlar-se e comentou:</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=3977624882609306013" name="__DdeLink__12_1349841358"></a>
"É fantástico que você tenha
dito isto. Já tive essa ideia por muito tempo, e muitas vezes estive
a ponto de encontrar uma maneira de prová-la. Sabe, há uma maneira
de enxergar o mundo sem utilizar os olhos, mesmo que você esteja na
verdade com eles abertos – mas não só isto pode ser perigoso,
como requer duas pessoas. Poderia ser interessante nós dois
tentarmos... ah, mas é aqui que eu desço.”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Haviam estacionado diante de um
flat. Por trás das árvores que gotejavam, um caminho de concreto
corria até onde janelas pintadas de amarelo e preto amontoavam-se
umas sobre as outras. "O meu é no térreo,” comentou Fisher
ao sair e pagar o motorista.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Gillson abaixou a janela. "Espere
só um minuto,” disse. "Você estava falando sério – o que
foi que disse sobre ver as coisas como elas realmente são?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Está interessado?” Fisher
abaixou-se e olhou para dentro do táxi. "Lembre-se que eu falei
que poderia ser perigoso.”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Não me importo,” respondeu
Gillson, abrindo a porta e saindo. Fez sinal para que o motorista
fosse embora, e somente quando estavam já observando as luzes
traseiras diminuirem com a distância é que ele lembrou que havia
deixado seu livro no assento.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Embora as árvores ainda estivessem
gotejando, a chuva havia parado. Os dois homens andaram pelo caminho
de concreto, e o vento turbilhionou por volta deles, parecendo soprar
das estrelas geladas. Kevin Gillson sentiu alívio quando fecharam as
portas de vidro por trás dele e entraram em um hall decorado com
papel de parede florido. As escadas levavam para outros flats, mas
Fisher virou-se para uma porta à esquerda, de azulejos de vidro.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Gillson na verdade não esperava
nada específico, mas o que viu além daquela porta de azulejos de
vidro o fascinou. Era uma sala de estar normal, com mobília
contemporânea, papel de parede moderno, uma lareira elétrica; mas
alguns dos objetos não eram de forma alguma normais. Reproduções
de pinturas de Bosch, Clark Ashton Smith e Dali estabeleciam a
atmosfera anormal, que era aumentada pelos livros esotéricos
ocupando uma estante em um canto. Mas estes, pelo menos, poderiam ser
encontrados em outros lugares; algumas das coisas ali, ele jamais
havia visto antes. Não conseguia definir o objeto em formato de ovo
que estava na mesa no centro do aposento, emitindo um estranho e
intermitente assobio. Nem reconheceu os contornos de algo que estava
num pedestal num canto, coberto por uma lona.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Talvez eu devesse tê-lo
avisado,” interrompeu Fisher. "Acho que não é exatamente o
que você esperaria a partir da fachada do prédio. De qualquer
forma, sente aí, e vou pegar um pouco de café enquanto explico
alguns detalhes. E vamos ligar o gravador – quero que ele esteja
funcionando mais tarde, de modo que eu possa registrar nosso
experimento.”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Foi até a cozinha, e Gillson ouviu
o bater de panelas. Por sobre o barulho, Fisher falava:</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Eu fui um garoto bem peculiar,
sabe – bastante sensível, mas dotado de um estranho sangue frio.
Depois de ter visto um gárgula uma vez na igreja, tive sonhos nos
quais ele me perseguia, mas uma vez quando um cachorro foi atropelado
diante de nossa casa, os vizinhos todos comentaram o quão avidamente
eu observava a cena. Meus pais uma vez chamaram um médico, e ele
disse que eu era 'muito mórbido, e que deveria ser mantido longe de
qualquer coisa que pudesse me afetar.” Como se eles pudessem!</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Bem, foi na escola de
gramática que eu tive essa ideia – na verdade foi na aula de
física. Estávamos estudando a estrutura do olho, certo dia, e eu
comecei a pensar no caso. Quanto mais olhava para o diagrama das
retinas e humores e lentes, mais ficava convencido de que o que
enxergamos através desse sistema complicado deve estar distorcido,
de alguma forma. É muito simplista dizer que o que se forma na
retina é apenas uma imagem, não mais distorcida do que as que
enxergamos num telescópio. Eu quase me levantei e disse ao professor
o que pensava, mas sabia que se o fizesse, eles ririam de mim.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Não pensei mais no caso até
chegar na Universidade. Então comecei a conversar com um dos alunos,
um dia – seu nome era Taylor – e antes que eu percebesse, havia
me unido a um culto de bruxos. Não aqueles decadentes pelados do seu
livro, mas aqueles que realmente sabem como canalisar o poder de
elementais. Eu poderia dizer bastante sobre o que realizamos juntos,
mas algumas das coisas levariam tempo demais para serem explicadas.
Hoje eu quero tentar o experimento, mas talvez depois eu conte a você
sobre as coisas que eu sei. Coisas como a parte do cérebro que não
é utilizada e como ela pode de fato ser posta em uso, e sobre o que
está enterrado num cemitério não muito longe daqui...</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"De qualquer forma, depois de
algum tempo após minha iniciação, o culto foi exposto, e todos
foram expulsos. Tive sorte, já que não estava na reunião que foi
delatada, então permaneci na Universidade. Melhor ainda, alguns
deles haviam decidido abandonar totalmente a feitiçaria; e eu
persuadi um deles a me doar todos os seus livros. Entre eles estava o
<i>Revelações de Glaaki</i>,
e foi nele que li sobre o processo que quero tentar esta noite. Li
sobre isto.”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Fischer entrou na sala de estar,
carregando uma bandeja onde estavam duas canecas e um bule de café.
Cruzou então a sala até onde estava o objeto velado num pedastal, e
enquanto Gillson se aproximava, puxou a lona.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Kevin Gillson pôde apenas olhar
fixamente. O objeto não era amorfo, mas era tão complexo, que os
olhos não conseguiam reconhecer forma alguma descritível. Haviam
hemisférios e metal reluzente, acoplados por longos bastões de
plástico. Os bastões eram de uma cor cinzenta e plana, de modo que
ele não conseguia perceber quais deles estavam mamis próximos que
os outros; mesclavam-se numa massa plana, a partir da qual saiam como
protusões os cilindros individuais. Ao observar a coisa, teve uma
curiosa sensação de que olhos brilhavam por entre os bastões; mas
de onde quer que fitasse o construto, enxergava apenas os espaços
entre eles. A parte mais estranha era que ele sentia como se aquela
fosse a imagem de algo <i>vivo –</i>
algo de uma dimensão onde tal exemplo de geometria anormal poderia
viver. Ao virar-se para falar com Fisher, enxergou, pelo canto do
olho, que a coisa havia se expandido e ocupado quase toda aquela
metade da sala – mas quando girou de volta, a imagem, é claro,
estava do mesmo tamanho que antes. Pelo menos ele pensava que sim –
mas Gillson não tinha nem mesmo certeza de quão alta ela estava
antes.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Está tendo ilusões de
tamanho, então?” Fisher notou seu embaraço. "Isto porque é
apenas uma extensão tridimensional da coisa real – é claro que,
em sua própria dimensão, não se parece dessa forma.”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Mas o que é isso?”
perguntou Gillson com impaciência.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Isso,” disse Fisher, "é
uma imagem de Daoloth – o Dilacerador dos Véus.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Ele foi até a mesa onde havia
colocado a bandeja. Servindo o café, passou a caneca para Gillson,
que então comentou:</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Você terá de me explicar
sobre isso já já, mas antes, pensei em algo enquanto você estava
na cozinha. Eu o teria mencionado antes, mas é que não gosto de
conversar através de aposentos diferentes. É bastante conveniente
dizermos que o que enxergamos está distorcido – digamos que esta
mesa não é retangular, nem plana. Mas quando eu a toco, sinto uma
superfície retangular e plana – como você explica isto?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Uma simples alucinação
tátil,” explicou Fisher. "E é por isto que eu disse que
poderia ser perigoso. Sabe, você não está sentindo de fato nenhuma
superfície plana e retangular – mas já que a enxerga dessa forma,
sua mente o ilude de modo a pensar que está sentindo a contraparte
de sua visão. Apenas de vez em quando, eu penso – por que a mente
iria estabelecer esse sistema de ilusão? Será que se nos
enxergarmos como nós <i>realmente </i>somos,
seria demais para nós?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Olha só, você quer enxergar
as coisas sem distorção,” disse Gillson, "e eu também. Não
tente me fazer voltar atrás agora, pelo amor de Deus, logo agora que
você conseguiu me deixar interessado. Você chamou <i>isso </i>de
Daoloth – o que significa?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Bem, vou ter que sair pelo que
pode parecer tangencial”, Fisher pediu desculpas. "Você
estava observando aquela coisa em formato de ovo ali, repetidas
vezes, desde que entrou – é que leu sobre elas no <i>Necronomicon</i>.
Lembra-se daquelas referências aos cristalizadores de Sonho? Este é
um deles – o aparelho que nos projeta enquanto estamos adormecidos,
para outras dimensões. Leva um certo tempo pra nos acostumarmos a
ele, mas com o passar de alguns anos, tenho conseguido entrar em
quase todas as dimensões, e a um nível tão alto quanto a
vigésima-quinta dimensão. Se pelo menos eu pudesse transmitir em
palavras as sensações desse último plano, onde é o espaço que
existe, e a matéria não pode ter existência! Não me pergunte onde
achei o cristalizador, por falar nisso – até que eu tenha certeza
de que seu guardião não me seguirá, jamais devo falar disso. Mas
deixemos isso de lado.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Depois de ter lido nas
<i>Revelações de Glaaki </i>sobre
como posso provar esta minha ideia, determinei ver por mim mesmo o
que eu deveria invocar. Aconteceu por tentativa e erro; mas
finalmente, certa noite, encontrei-me materializado num lugar que
nunca estive antes. Haviam paredes e colunas tão altas que eu não
conseguia enxergar onde elas terminavam, e no meio do chão havia uma
grande fissura que corria de parede a parede, irregular, como se
resultado de um terremoto. Conforme eu a observava, os contornos da
rachadura pareciam dissolver-se e ficar imprecisos, e algo dela saiu.
Eu disse a você que a imagem parece bastante diferente em sua
própria dimensão – bem, eu vi sua contraparte viva, e você vai
entender se eu não tiver de descrevê-la. Ficou ali vibrando por um
momento, e então começou a expandir. Teria me engolido em poucos
minutos, mas eu não esperei por isso. Corri por entre as colunas.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Não fui muito longe, até que
um grupo de homens ficou diante de mim. Estavam vestidos em robes e
capuzes metálicos, e carregavam pequenas imagens daquilo que eu
havia visto, de modo que percebi que eram seus sacerdotes. O primeiro
perguntou-me a razão pela qual eu havia entrado em seu mundo, e eu
expliquei que esperava poder convocar o auxílio de Daoloth para
enxergar além dos véus. Eles olharam um para o outro, e então um
deles me passou a imagem que estava carregando. "Você irá
precisar disso,” ele me falou. "Vai servir como uma ligação,
e você não vai conseguir encontrar nenhum igual em seu mundo.” E
então a cena inteira desapareceu, e achei-me deitado na cama – mas
estava segurando essa imagem que você vê aí.”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Mas você não chegou a me
dizer – ” implorou Gillson.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Já vou chegar nesse ponto.
Você sabe agora como eu consegui essa imagem. Porém, está
imaginando o que isso tem a ver com o experimento de hoje, e o que
diabos seria Daoloth?</span><br />
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRmAw48c8C4bzVpFoxR4OGCgL8DvCuV8E84Ce8LjOvcfnSvqHT-nnwiBw9UQEJr-G2s9C1cYFJZzHQd63klW8xuIz02sVqMVl6ujVVvsocbmjkXXQ7P0chzTXEl6rYbMdwT1Dxu7i4Y-o/s1600/daoloth+priests.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRmAw48c8C4bzVpFoxR4OGCgL8DvCuV8E84Ce8LjOvcfnSvqHT-nnwiBw9UQEJr-G2s9C1cYFJZzHQd63klW8xuIz02sVqMVl6ujVVvsocbmjkXXQ7P0chzTXEl6rYbMdwT1Dxu7i4Y-o/s640/daoloth+priests.png" width="540" /></a></div>
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Daoloth é uma divindade –
uma divindade alienígena. Foi venerado na Atlântida, onde era o
deus dos astrólogos. Presumo que foi lá que seu modo de veneração
foi estabelecido: ele jamais deve ser visto, pois o olho tenta seguir
as convoluções de sua forma, e isto provoca insanidade. É por isto
que não deve haver luz quando ele é invocado – quando o
chamarmos, mais tarde, teremos de apagar todas as luzes. Mesmo aquilo
ali é uma réplica deliberadamente imprecisa da entidade; tem de ser
assim.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Quanto a razão pela qual
invocaremos Daoloth, em Yuggoth e Tond, ele é conhecido como o
Dilacerador dos Véus, e este título tem bastante significado. Lá,
seus sacerdotes podem enxergar não só o passado e o futuro – eles
podem enxergar como os objetos prolongam-se até a última dimensão.
É por isto que se o invocarmos e o contermos no Pentáculo dos
Planos, poderemos ter o auxílio dele para eliminar a distorção. E
isto é tudo que posso explicar agora. Já são quase 2:30 e devemos
estar prontos às 2:45, que é quando as aberturas entrarão em
alinhamento... É claro, se você acha que não está pronto, por
favor me diga agora. Mas não quero ter que arrumar tudo pra nada.”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Eu vou ficar,” disse-lhe
Gillson, mas ao olhar de relance para a imagem de Daoloth, sentiu-se
um tanto hesitante.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Tudo bem. Me ajude aqui, sim?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Fisher abriu um armário próximo à
estante. Gillson enxergou várias caixas grandes, colocadas em ordem
definida e marcadas com símbolos pintados. Ele ergueu uma enquanto
Fisher puxava a que estava logo abaixo. Ao fechar a porta, Gillson
ouviu o outro levantando a tampa; e quando virou-se Fisher já estava
colocando o conteúdo da caixa pelo chão. Um conjunto de superfícies
de plástico veio à luz, sendo organizadas como um pentagrama
semissólido; e foram seguidas por duas velas negras de formatos
vagamente obscenos, um bastão de metal com um ícone na ponta, e uma
caveira. Essa caveira perturbou Gillson; haviam buracos no crânio
para segurar as velas, mas mesmo assim ele podia perceber, a partir
de seu formato e falta de boca, que aquilo não havia sido humano.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Fisher começou então a arranjar os
objetos. Primeiro empurrou as cadeiras e mesas para junto das
paredes, e então jogou o pentagrama no centro do chão. Conforme
colocava a caveira, agora segurando as velas, dentro do pentagrama, e
as acendia, Gillson perguntou por trás dele:</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Pensei que você disse que não
poderíamos ter luzes – e quanto a essas aí?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Não se preocupe – elas não
irão iluminar nada,” explicou Fisher. "Quando Daoloth vier,
ele sugará a luz delas – isto torna o alinhamento das aberturas
mais fácil.”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Ao se levantar para desligar a luz
no interruptor, fez um comentário por sobre o ombro de Gillson: "Ele
vai aparecer no pentáculo, e sua materialização sólida e
tridimensional permanecerá lá o tempo todo. Porém, ele vai varrer
a sala com prolongamentos bidimensionais, e você poderá senti-las –
mas não fique com medo. Veja só, ele vai tirar um pouco de sangue
de nós dois.” Sua mão ficou mais próxima do interruptor.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"O quê? Você nunca disse nada
sobre – ”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Está tudo bem,” assegurou
Fisher. "Ele tira sangue de qualquer um que o chamar; parece que
é sua forma de testar intenções. Mas não será muito. Ele tirará
mais de mim, porque sou o sacerdote – você só está aqui para que
eu possa utilizar sua vitalidade para abrir o caminho para ele.
Certamente, não irá doer.” E sem esperar mais protestos, desligou
as luzes.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Havia um pouco de luz do símbolo em
neon na garagem fora da janela, mas muito pouco passava pelas
cortinas. As velas negras eram também muito fracas, e Gillson não
conseguia enxergar nada além do pentagrama, a partir de onde estava
perto da estante. Ficou estarrecido quando seu anfitrião bateu o
bastão com o ícone na ponta e começou a gritar histericamente.
"Uthgos plam'f Daoloth asgu'i – venha, Tu que varres os véus
da visão para longe, e exibe as realidades além.” Houve muito
mais que isso, mas Gillson não conseguiu prestar atenção a nada
específico. Estava observando a névoa luminosa que apareceu,
arqueando-se sobre ele e Fisher, para entrar no crânio deformado da
caveira no pentáculo. No fim do encantamento, havia uma aura
definida entre os dois homens e a caveira. Ele observava tudo com
fascínio; foi então que Fisher parou de falar.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Por um minuto, nada aconteceu. Então
os arcos de névoa sumiram, e havia então apenas as luzes das velas;
mas estas brilhavam mais forte agora, e uma aura nebulosa as cercava.
Conforme Gillson as observava, as chamas gêmeas começaram a
diminuir, e de súbito desapareceram. Por um segundo, uma chama <i>negra
</i>pareceu substituí-las – uma
espécie de fogo negativo – mas tão rapidamente quanto apareceu,
foi embora. No mesmo instante, Gillson percebeu que ele e Fisher não
estavam mais sozinhos naquela sala.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Ouviu um farfalhar vindo do
pentáculo, e sentiu que uma forma movimentava-se ali. Rapidamente,
sentiu-se cercado. Coisas secas, impossivelmente leves, tocavam seu
rosto, e algo escorregou por entre seus lábios. Nenhum ponto em seu
corpo foi tocado por tempo suficiente para que pudesse agarrar aquilo
que nele sentia; passaram tão céleres que ele lembrava-se, em vez
de sentir, aquelas antenas que o tocavam. Mas quando o farfalhar
retornou para o centro do do aposento, havia um gosto salgado em sua
boca – e ele sabia que a antena que havia entrado em sua boca havia
drenado seu sangue.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Por sobre o farfalhar, declamou
Fisher: "Agora que Tu já provaste nosso sangue, Tu sabes nossas
intenções. O Pentagrama dos Planos Te conterá até que Tu realizes
nosso desejo – dilacera o véu da crença e mostra as realidades da
existência desvelada. Tu nos mostrará, assim libertado-Te?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
O farfalhar aumentou. Gillson
desejou que o ritual terminasse; seus olhos estavam começando a
acostumar-se com o brilho do símbolo da garagem, e naquele momento
começava quase a ver algo tênue se contorcendo na escuridão dentro
da figura.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Subitamente, soou uma irrupção
discordante de metal raspando contra metal, e o edifício inteiro
tremeu. O som passou a zumbido, e depois ao silêncio, e Gillson
sabia que o ocupante do pentáculo havia ido embora. O aposento ainda
estava escuro; as luzes das velas não haviam retornado, e sua visão
ainda não conseguia penetrar as trevas.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Fisher disse de onde estava, perto
da porta: "Bem, ele se foi – e aquela figura está construída
de forma que ele não poderia voltar sem fazer o que lhe foi pedido.
De modo que quando eu ligar a luz, você enxergará tudo como
<i>realmente </i>é. Mas se
mudou de ideia, encontrará uma máscara para os olhos em cima da
estante. Coloque-as e não conseguirá enxergar nada – isto é, se
você não quiser continuar com o experimento. Então eu vou ligar a
luz e poderei enxergar tudo que eu quiser, e então usarei o ícone
para anular o efeito. Você prefere fazer as coisas desta forma?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Eu vim até este ponto com
você,” lembrou Gillson, "e não foi pra ficar apavorado no
último momento.”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Quer enxergar agora? Você
sabe que, uma vez que tenha visto, as ilusões táteis não vão mais
funcionar direito – tem certeza de que vai querer viver com isso?”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Pelo amor de Deus, sim!” a
resposta de Gillson era quase inaudível.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Tudo bem. Vou ligar a luz –
<i>agora</i>!”</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /><br />
</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Quando a polícia chegou nos flats
da Rua Tudor, para onde haviam sido chamadas por um morador
histérico, encontraram uma cena que horrorizou até o menos
suscetível deles. O morador, tendo voltado de uma festa tardia,
havia enxergado apenas o cadáver de Kevin Gillson jogado no tapete,
esfaqueado até a morte. Os policiais não ficaram nauseados com
isto, porém, mas pelo que encontraram no jardim, sob a janela da
frente, que estava quebrada: Henry Fisher havia morrido ali, com sua
garganta dilacerada pelos estilhaços de vidro da janela.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Parecia tudo muito extraordinário,
e o gravador não ajudava muito. Tudo que foi dito de fato era que
algum tipo de ritual de magia negra fora praticado naquela noite, e
eles deduziram que Gillson havia sido morto com a ponta afiada do
ícone do bastão. O resto da fita estava cheia de referências
esotéricas, e no final, a coisa ficava totalmente incoerente. A
parte após o clique do interruptor da luz na gravação era o que
deixava os ouvintes mais estupefatos; até então ninguém encontrou
qualquer razão para que Fisher tenha assassinado seu hóspede.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
Quando detetives curiosos rodam a
fita, a voz de Fisher sempre soa assim: "Aqui – mas que
diabos, não posso enxergar direito depois de tanta escuridão. E
agora, o que...</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
"Meu Deus, onde é que eu
estou? E onde é que está você? Gillson, onde está você – onde
está você? Não, sai daqui – Gillson, pelo amor de Deus, mexa seu
braço. Eu posso enxergar algo se movendo em tudo isso – mas Deus,
esse não pode ser você – por que é que eu não consigo escutá-lo
– mas isso é suficiente pra deixar qualquer um surdo... Agora
chegue perto – meu Deus, essa coisa é você – está se
expandindo – contraindo – a geleia primal, formando, mudando –
e a cor... Sai daqui! Não chegue mais perto – você tá maluco? Se
ousar me tocar, vai provar a ponta deste ícone – pode parecer
molhado e esponjoso e olhe – que horrível – mas eu farei por
você! Não me toque – eu não posso suportar sentir isso – "</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
E então vem um grito e o barulho de
uma queda. Um surto de gritos insanos é cortado pelo som de vidros
quebrando, e um terrível ruído de alguém sufocando logo é
reduzido ao nada.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0.2cm; margin-left: 0.49cm; margin-right: 0.53cm; text-indent: 1.02cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
É incrível pensar que dois homens
foram aparentemente iludidos a pensar que haviam mudado fisicamente;
mas este é o caso, pois os dois cadáveres estavam intactos, exceto
pelas mutilações. Nada neste caso pode ser explicado quanto à
insanidade dos dois homens. Pelo menos, há uma anomalia; mas o chefe
da polícia de Camside está certo de que é apenas uma falha na fita
que faz com que o gravador emita, em certos pontos, um som alto e
seco, um farfalhar.</span></div>
Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-63139992519583695392012-09-23T14:51:00.001-07:002012-09-23T14:52:37.033-07:00VISÕES DO ALÉM<br />
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<br />
<b style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 16pt;">HP
Lovecraft</b></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><b>Traduzido por Arthur
Ferreira Jr.'.</b></span></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Horrenda além de todo
entendimento, a mudança que ocorrera em meu melhor amigo, Crawford
Tillinghast. Eu não o via desde aquele dia, há dois meses e meio,
quando ele contou-me o rumo que estavam levando suas pesquisas
físicas e metafísicas; quando ele reagiu às minhas objeções
fascinadas e quase assustadas expulsando-me de seu laboratório e
casa, num surto de fúria fanática. Eu soube que ele havia
permanecido a maior parte do tempo trancado em seu laboratório, no
sótão, com aquela amaldiçoada máquina elétrica, comendo pouco, e
evitando até mesmo os criados, mas não pensei que um breve período
de dez semanas pudesse alterar e desfigurar tanto uma criatura
humana. Não é agradável ver um homem robusto de repente emagrecer,
e é ainda pior quando a pele flácida ficou amarelada, ou
acinzentada, os olhos afundados, marcados de olheiras e por um brilho
esquisito, a testa cheia de veias e rugas, e as mãos trêmulas e
agitadas. E para piorar o caso, via-se uma falta de higiene
repelente, uma desordem louca no vestuário, os cabelos escuros
desgrenhados e brancos em suas raízes, e uma barba branca malcuidada
onde antes não haviam sinais do barbear, tudo causando um efeito
cumulativo bastante chocante. Mas era esse o aspecto de Crawford
Tillinghast na noite em que sua mensagem quase incoerente levou-me a
bater em sua porta, após minhas semanas de exílio; era esse o
espectro que tremia ao receber-me, segurando uma vela, espiando
furtivamente por sobre o ombro, como se temeroso de coisas ocultas em
sua antiga e solitária casa no topo da Rua Benevolent.</span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> Era um equívoco,
Crawford Tillinghast jamais deveria ter estudado ciência e
filosofia. Estas coisas devem ser deixadas para o investigador frio e
impessoal, pois oferecem duas alternativas trágicas ao homem de
sentimentos e ação; o desespero, se falhar em suas buscas, e
terrores incomunicáveis e inimagináveis, caso tenha sucesso.
Tillinghast havia antes sido presa do fracasso, solitário e
melancólico; mas agora eu percebia, sentindo por dentro um medo
nauseante, que ele era presa do sucesso. De fato, eu o havia
advertido dez semana s antes, quando ele havia chegado, afobado com o
relato do que achava estar próximo de descobrir. Estava então
corado e empolgado, falando num tom alto e incomum, embora como
sempre pedante.</span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"> “O
que é que sabemos,” disse ele então, “do mundo e do universo ao
nosso redor? Nossos meios de receber impressões são absurdamente
escassos, e nossas noções dos objetos que nos cercam são
infinitamente estreitas. Enxergamos as coisas apenas de acordo a como
somos construídos para enxergá-las, e não conseguimos ideia alguma
de sua natureza absoluta. Com cinco débeis sentidos, pretendemos
compreender o cosmos, que é infinitamente complexo, porém outros
seres, dotados de sentidos mais amplos, mais fortes, ou de uma gama
diferente de sentidos, podem não apenas perceber as coisas de
maneira bastante diferente da que percebemos, como podem perceber e
estudar mundos inteiros de matéria, energia e vida que estão a
nosso alcance mas que nunca podem ser detectados com os sentidos que
temos. Sempre acreditei que esses mundos estranhos e inacessíveis
estejam diante dos nossos narizes, </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>e
agora acredito ter encontrado uma maneira de romper as barreiras</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">.
Não estou brincando. Dentro de vinte e quatro horas, aquela máquina
próxima à mesa vai gerar ondas, agindo sobre órgãos sensoriais
não reconhecidos, que existem dentro de nós atrofiados, ou como
vestígios rudimentares. Essas ondas abrirão a nós muitos
vislumbres desconhecidos ao homem, e alguns desconhecidos de qualquer
coisa que consideramos como vida orgânica. Enxergaremos aquilo que
faz os cães uivarem na noite, e aquilo que faz os gatos levantarem
as orelhas após a meia-noite. Enxergaremos essas coisas, e mais
outras coisas que nenhuma criatura que respira jamais conseguiu ver.
Saltaremos sobre o tempo, espaço, e outras dimensões, e sem que
seja preciso o movimento físico, espiaremos os alicerces da
criação.”</span></span></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> Quando Tillinghast disse
essas coisas, fiz objeções, pois eu o conhecia bem demais, de modo
que senti mais medo do que achei graça; mas ele estava fanático e
expulsou-me da casa. Agora ele não era menos fanático, mas seu
desejo de falar conquistara seu ressentimento, e fez exigências numa
caligrafia que eu mal conseguia reconhecer. Ao entrar no lar de meu
amigo, tão subitamente metamorfoseado numa gárgula trêmula, fui
infectado pelo terror que parecia espreitar de todas as sombras. As
palavras e crenças expressas dez semanas atrás pareciam vazar da
escuridão além do pequeno círculo de luz de vela, e fiquei
incomodado com a voz exausta e alterada de meu anfitrião. Pensava
ver os criados ali, e não gostei quando ele me disse que haviam
todos saído três dias antes. Parecia estranho, pelo menos, que o
velho Gregory abandonaria seu mestre, sem pelo menos avisar um amigo
próximo como eu. Fora ele mesmo que informara-me de tudo que eu
sabia de Tillinghast, depois de eu ter sido expulso com tanta fúria.</span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> Mesmo assim, logo pus de
lado todos os meus medos em prol de minha crescente curiosidade e
fascinação. Eu podia apenas cogitar exatamente o quê Crawford
Tillinghast desejava, mas ele tinha algum segredo ou descoberta
espantosa para compartilhar, sem dúvida. Antes, eu havia protestado
contra suas observações antinaturais de coisas impensáveis; agora
que ele havia, evidentemente, tido algum grau de êxito, eu quase
compartilhava de seu entusiasmo, por mais terrível que parecesse o
custo da vitória. Subindo pela desolação sombria da casa, segui a
vela vacilante na mão daquela paródia trêmula de homem. A
eletricidade parecia ter sido desligada, e quando perguntei a meu
guia sobre isso, ele disse que havia uma razão definida para tanto.</span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> “Seria demais... eu
não ousaria,” ele continuou a resmungar. Notei especialmente o
novo hábito de resmungos, pois não era coisa de Tillinghast falar
sozinho. Entramos no laboratório do sótão, e percebi a detestável
máquina elétrica, brilhando com uma luminosidade violeta doentia e
sinistra. Estava conectada a uma bateria química poderosa, mas
parecia não estar recebendo corrente; pois lembrei que em seu
estágio experimental, ela crepitava e bramia quando ligada.
Respondendo a minha pergunta, Tillinghast resmungou que aquele brilho
permanente não era elétrico, não de alguma forma que eu pudesse
compreender.</span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> Ele fez-me sentar do
lado da máquina, de modo que esta ficasse à minha direita, e ligou
um interruptor em algum lugar logo abaixo do aglomerado superior de
bulbos de vidro. Começou o crepitar de costume, que passou a ser
apenas um chiado, e terminou como um zumbido tão leve que sugeria o
retorno ao silêncio. Enquanto isso, a luminosidade aumentou, mais
uma vez diminuiu, e então assumiu uma coloração pálida e
esquisita, que eu não conseguiria classificar nem descrever.
Tillinghast me observava, e notou minha expressão confusa.</span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"> “Sabe
o que é isto?” sussurrou, “</span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>Isto
é ultravioleta.</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">”
Ele reagiu à minha surpresa com um estranho risinho. “Você
pensava que ultravioleta era invisível, e de fato é – mas você
pode enxergá-lo, e outras coisas invisíveis, </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>agora</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">.”</span></span></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"> “Preste
atenção! As ondas dessa coisa estão despertando em nós milhares
de sentidos adormecidos; sentidos que herdamos durante eras de
evolução, do estado de életrons livres para o estado de humanidade
orgânica. Eu enxerguei a </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>verdade</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">,
e tenciono mostrá-la para você. Você consegue imaginar como é
essa verdade? Vou explicar.” Aqui Tillinghast sentou-se diretamente
oposto a mim, soprou a chama da vela e fitou meus olhos de maneira
horrível. “Seus órgãos sensorais existentes – primeiro os
ouvidos, creio eu – receberão muitas das impressões, pois estão
intimamente conectados com os órgãos dormentes. E então virão os
outros. Já ouviu falar da glândula pineal? Rio-me dos rasos
endocrinologistas, tão iludidos e superestimados quanto os
psicanalistas freudianos. Essa glândula é o principal órgão
sensorial – </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>assim
descobri</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">.
No fim das contas, é similar à visão, e transmite imagens visuais
ao cérebro. Se você é normal, é esta a forma com que apreenderá
a maior parte... quero dizer, a maior parte das evidências </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>do
além</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">.”</span></span></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"> Meus
olhos correram pelo imenso aposento do sótão, com sua parede sul
inclinada, tenuamente iluminado por raios que o olho cotidiano não
consegue enxergar. Os cantos mais distantes estavam cheios de
sombras, e o lugar inteiro assumiu uma vaga irrealidade, que
obscureceu sua natureza, e convidava a imaginação ao simbolismo e à
fantasia. Durante o intervalo em que Tillinghast permaneceu calado,
imaginei-me estar em algum vasto e incrível templo de deuses há
muito mortos; algum vago edifício de inúmeras colunas de pedra
negra, saindo do chão de lajes úmidas para juntar-se a um topo
nebuloso, além do alcance de minha visão. A imagem por um tempo
ficou bastante vívida, porém pouco a pouco, deu lugar a uma
concepção mais horrenda; a concepção da solidão total e absoluta
no espaço cego, mudo e infinito. Parecia haver um vácuo e nada mais
que isso, e senti um medo infantil, que levou-me a buscar no bolso o
revólver que eu carregava nas horas noturnas, desde que havia sido
assaltado no leste de Providence. E então, das mais longínquas
regiões remotas, o </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>som
</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">suavemente
boiou e fez-se existente. Era infinitamente tênue, sutilmente
vibrante, e sem sombra de dúvida musical, mas tinha um aspecto de
instabilidade exagerada que fazia com seu impacto sentisse como uma
delicada tortura em todo o meu corpo. Senti sensações como aquelas
que se sente quando se pisa em vidro no chão, por acidente.
Simultaneamente, surgiu algo como uma corrente de ar frio, que
parecia passar por mim, vinda da direção do som distante. Esperando
sem fôlego, percebi que tanto o som quanto o vento aumentavam; e o
efeito dava-me a bizarra impressão de estar preso aos trilhos no
caminho de uma gigantesca locomotiva, que chegava cada vez mais
perto. Comecei a falar com Tillinghast, e ao fazê-lo, todas as
impressões incomuns desapareceram abruptamente. Eu enxergava apenas
o homem, a máquina brilhante, e o apartamento em sombras.
Tillinghast sorria repelente, notando o revólver que eu havia quase
inconscientemente sacado, mas por sua expressão, eu tinha certeza de
que ele havia visto e ouvido tanto quanto eu, se não muito mais.
Sussurrei o que eu havia experienciado, e ele ordenou-me que
permanecesse tão quieto e receptivo quanto possível.</span></span></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"> “Não
se mexa,” avisou, “pois sob estes raios, </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>podemos
tanto ser vistos quanto ver</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">.
Eu te disse que os criados foram embora, mas não disse </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>como</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">.
Foi culpa daquela governanta de cabeça dura – ela ligou as luzes
lá embaixo, depois de eu ter alertado que não o fizesse, e os fios
pegaram vibrações simpáticas. Deve ter sido aterrador – pude
ouvir os gritos aqui em cima, apesar de tudo que estava vendo e
ouvindo de outra direção, e mais tarde, foi bastante desagradável
encontrar aquelas pilhas de roupas vazias, largadas pela casa. As
roupas da sra. Updike estavam próximas do interruptor do salão
principal – é por isso que sei o que ela fez. A coisa pegou todos
eles. Mas conquanto permaneçamos imóveis, estaremos perfeitamente
seguros. Lembre-se, estamos lidando com um mundo horroroso, no qual
estamos praticamente indefesos... </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>fique
quieto!</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">”</span></span></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"> A
combinação do choque da revelação com o comando abrupto causou-me
uma espécie de paralisia, e aterrorizada, minha mente mais uma vez
abriu-se às impressões vindas do que Tillinghast chamava “</span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>além</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">.”
Estava agora num vórtice de som e movimento, de imagens confusas
diante de meus olhos. Enxergava os contornos borrados do aposento,
mas em algum ponto do espaço, parecia brotar uma coluna efervescente
de formas ou nuvens irreconhecíveis, penetrando o telhado sólido em
algum ponto adiante, à minha direita. Notei então mais uma vez o
efeito do templo, mas desta vez, os pilares alcançavam um oceano
aéreo de luz, que lançava para baixo um raio cegante sobre o
caminho da coluna nebulosa que eu enxergara antes. Depois disso, a
cena ficou quase totalmente caleidoscópica, e na mistura de visões,
sons, e impressões sensoriais não identificadas, sentia como se
fosse dissolver, ou de alguma forma, perder a forma sólida. Tive uma
visão definida, que lembrarei para sempre. Por um instante, pareci
contemplar um trecho de um estranho céu noturno, cheio de esferas
luminosas e girantes, e enquanto esse trecho afastava-se de mim,
notei que os sóis brilhantes formavam uma constelação, ou galáxia,
de formato definido; e esse formato era o do rosto distorcido de
Crawford Tillinghast. Em outro momento, senti enormes coisas animadas
roçando em mim, e às vezes </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>passando
ou vagando pelo meu corpo supostamente sólido</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">,
e pensei notar Tillinghast fitando-as como se seus sentidos melhor
treinados pudessem percebê-las visualmente. Lembrei o que ele havia
dito sobre a glândula pineal, e imaginei o que ele podia enxergar
com esse olho sobrenatural.</span></span></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"> De
súbito, eu mesmo fui dotado de uma espécie de visão aprimorada.
Acima e além do caos luminoso e sombrio, surgiu uma imagem que,
embora vaga, possuía os elementos da consistência e da permanência.
De fato era algo familiar, pois a parte incomum era sobreposta à
cena terrestre comum, de forma bastante similar à projeção de
cinema, que pode ser lançada sobre a cortina escura. Eu enxergava o
laboratório no sótão, a máquina elétrica, e a forma desagradável
de Tillinghast diante de mim; mas em todo o espaço não ocupado por
objetos familiares, nenhuma partícula estava vazia. Formas
indescritíveis, tanto vivas quanto inanimadas, mesclavam-se numa
desordem nauseante, e próximo a cada coisa conhecida, haviam mundos
inteiros de entidades alienígenas e desconhecidas. Da mesma forma,
parecia que todas as coisas conhecidas entravam na composição de
outras coisas desconhecidas, e vice-versa. Mais notáveis entre os
objetos vivos, percebiam-se monstruosidades, similares a águas-vivas
e feitas de negrume, que agitavam-se flácidas, em harmonia com as
vibrações da máquina. Estavam presentes numa profusão repugnante,
e para meu horror, percebi que elas </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>sobrepunham-se</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">;
que eram semifluidas e capazes de passar umas por dentro das outras,
e pelas coisas que pensamos ser sólidas. Aquelas coisas nunca
paravam, mas pareciam sempre flutuar com algum propósito maligno. Às
vezes, pareciam devorar umas às outras, o atacante lançando-se
contra sua vítima e instantaneamente obliterando-a de vista.
Sentindo calafrios, percebi o que devia haver obliterado os infelizes
criados, e não pude excluir esse pensamento da mente, enquanto
lutava para observar outras propriedades do mundo invisível ao nosso
redor, e que agora estava visível diante de mim. Porém Tillinghast
estava me vigiando, e começou a falar.</span></span></span></div>
<div align="LEFT" lang="pt-BR" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR" style="font-family: Verdana, sans-serif;"> “Consegue
enxergá-las? Consegue enxergá-las? Enxergou as coisas que flutuam e
agitam-se ao seu redor e através de você, em todos os momentos de
sua vida? Consegue enxergar as criaturas que formam o que os homens
chamam de ar puro e de céu azul? Não consegui quebrar as barreiras;
não mostrei a você mundos que nenhum outro homem vivo jamais viu?”
Ouvia seu grito através daquele caos horrível, e vi seu rosto
selvagem aproximar-se ofensivo. Seus olhos eram poços de chamas, e
fitavam-ne com o que eu agora percebia ser um ódio intenso. A
máquina zumbia de maneira detestável.</span></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">“<span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">Você
acha que essas coisas trêmulas eliminaram os criados? Idiota, são
inofensivas! Mas os criados desapareceram, não foi? Você tentou me
impedir; desencorajou-me quando eu precisava de cada gota de
encorajamento que pudesse conseguir; você estava com medo da verdade
cósmica, seu maldito covarde, mas agora eu te peguei! O que
aniquilou os criados? O que os fez gritar tão alto?... Não sabe,
hein! Mas vai saber logo, logo. Olhe para mim – preste atenção ao
que estou dizendo – você realmente supõe que existam coisas como
tempo e magnitude? Imagina existir coisas como forma, ou matéria?
Pois eu lhe digo, eu atingi profundezas que seu cerebrozinho não
conseguiria conceber. Eu enxerguei além dos limites da infinitude e
arrastei demônios das estrelas... eu canalizei as sombras que vagam
de mundo em mundo, semeando morte e loucura... o espaço a mim
pertence, está ouvindo? Coisas estão me caçando agora – as
coisas que devoram e dissolvem – mas eu sei como ludibriá-las. É
você que elas pegarão, como pegaram os criados... Está agitado,
senhor? Eu disse que era perigoso se mexer, eu o salvei até agora,
dizendo que ficasse parado – salvei-o para ver mais coisas, e ouvir
minhas palavras. Se você tivesse se mexido, elas o teriam pego bem
antes. Não se preocupe, elas não vão </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>machucar
</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">você.
Elas não machucaram os criados – foi </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>enxergá-las
</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">que
fez os pobres diabos berrarem tanto. Meus bichinhos não são
bonitos, pois vêm de lugares onde os padrões estéticos são –
</span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>bem
diferentes</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">.
A desintegração é um processo indolor, asseguro a você – </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>mas
eu quero que você as veja</i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">.
Eu quase as vi, mas soube quando parar. Está curioso? Eu sempre
soube que você não era um cientista de verdade. Tremendo, hein.
Tremendo de ansiedade para ver as coisas mais ocultas que eu
descobri. Por que não se move, então? Está cansado? Bem, não se
preocupe, meu amigo, </span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR"><i>pois
elas estão vindo... </i></span></span><span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR">Olhe,
olhe, mas que diabo, olhe... estão logo acima de seu ombro
esquerdo...”</span></span></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<span style="font-size: small;"><span lang="pt-BR" style="font-family: Verdana, sans-serif;">O
resto do que há para ser dito é bastante breve, e você já pode
saber por ter lido nos jornais. A polícia ouviu um tiro na velha
casa Tillinghast, e nos encontrou ali – Tillinghast morto, e eu
inconsciente. Eles prenderam-me, porque o revólver estava em minha
mão, mas libertaram-me três horas depois, pois descobriram que
Tillinghast havia morrido de apoplexia, e perceberam que meu tiro
havia sido contra a nociva máquina, que agora está estilhaçada
para sempre no chão do laboratório. Eu não contei muito do que vi,
pois temi que o legista ficasse cético; mas ouvindo o resumo evasivo
que dei, o médico avaliou que eu havia, sem dúvida, sido
hipnotizado pelo louco vingativo e homicida. Gostaria de acreditar
nesse médico. Ajudaria meus nervos abalados se eu pudesse não
considerar mais o que agora penso do ar e do céu ao meu redor e
sobre mim. Nunca mais senti-me sozinho ou confortável, e uma
horrenda sensação de perseguição às vezes me toma como um
calafrio, quando estou cansado. O que me impede de acreditar no
médico é um fato muito simples – a polícia nunca encontrou os
corpos daqueles criados que dizem que Crawford Tillinghast
assassinou.</span></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm; text-indent: 1.03cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<span style="font-size: medium;"><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span lang="pt-BR">Escrito
em 1920 e originalmente publicado com o título em inglês de </span></span><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span lang="pt-BR"><i>From
Beyond</i></span></span><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span lang="pt-BR">,
em 1934 na </span></span><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span lang="pt-BR"><i>Fantasy
Fan</i></span></span><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span lang="pt-BR">.</span></span></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 0.98cm;">
<span style="font-size: medium;"><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span lang="pt-BR">Traduzido
para o português em setembro de 2012.</span></span></span></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" lang="en-US" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="LEFT" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-81912780297700118322012-08-10T05:25:00.001-07:002012-08-10T05:31:24.129-07:00UBBO-SATHLA<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: large;">Clark Ashton Smith</span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<br />
<blockquote class="tr_bq">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Pois Ubbo-Sathla é a fonte e o produto final. Antes de Zhothaqquah, ou Yok-Zothoth, ou Kthulhut descerem das estrelas, Ubbo-Sathla já habitava os pântanos escaldantes da Terra recém-criada: uma massa sem cabeça ou membros, gerando as salamandras amorfas da época primordial e os pavorosos protótipos da vida terrena... E toda a vida terráquea, assim é dito, deverá retornar por fim, através do grande círculo do tempo, a Ubbo-Sathla.</span></blockquote>
<br />
<blockquote class="tr_bq">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O Livro de Eibon</span></blockquote>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Paul Tregardis encontrou o cristal leitoso numa pilha de restos de muitas terras e eras. Havia entrado na loja do vendedor de curiosidades, seguindo um impulso sem objetivo, sem qualquer objetivo específico em mente que não a distração ociosa de olhar e tocar uma miscelânia de coisas reunidas de muitos locais distantes. Passando os olhos pelo material, sem método algum, seu atenção foi atraída por um brilho embotado em uma das mesas; e extraiu a esquisita pedra em formato de orbe de sua posição sombria e atulhada entre um pequeno e feio ídolo asteca, o ovo fossilizado de uma moa, e um obsceno fetiche nigeriano, feito de madeira negra.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A coisa tinha mais ou menos o tamanho de uma pequena laranja, e era levemente aplanada nas extremidades, como um planeta em seus polos. Aquilo intrigava Tregardis, pois não era um cristal comum, sendo nebuloso e mutável, com um brilho intermitente em seu âmago, como se fosse alternadamente iluminado e escurecido a partir de dentro. Segurando-o à luz da janela cheia de neve, estudou-o um pouco, sem conseguir determinar o segredo daquela singular e regular alternação. Sua confusão logo foi complicada por uma sensação cada vez maior de vaga e irreconhecível familiaridade, como se houvesse visto a coisa antes, em circunstâncias agora totalmente esquecidas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Chamou o vendedor de curiosidades, um hebreu diminuto de ar de antiguidade empoeirada, que dava a impressão de estar perdido em considerações comerciais, em alguma rede de devaneios cabalísticos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Pode dizer-me alguma coisa sobre isto?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O vendedor contraiu de maneira indescritível e simultânea os ombros e as sobrancelhas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“É bastante antigo – paleogênico, poder-se-ia dizer. Não posso dizer muito, pois sabe-se pouco. Um geólogo encontrou-o na Groelândia, sob o gelo glacial, em terreno mioceno. Quem sabe? Pode ter pertencido a algum feiticeiro da Thule primeva. A Groelândia era uma região quente e fértil sob o sol da época miocena. Sem dúvida é um cristal mágico; e pode-se ter estranhas visões em seu âmago, caso seja observado por tempo suficiente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tregardis ficou bastante surpreso; pois a sugestão aparentemente fantástica do vendedor trouxe à mente suas próprias sondagens de um ramo da sabedoria obscura; em particular lembrava-se do Livro de Eibon, aquele volume esquecido e oculto tão estranho e raro, que diz-se ter sido passado adiante através de uma série de múltiplas traduções, a partir de um original pré-histórico escrito no idioma perdido da Hiperbórea. Tregardis, com bastante dificuldade, obtera a versão francesa – cópia que estivera em posse de muitas gerações de feiticeiros e satanistas – mas nunca conseguira encontrar o manuscrito grego a partir do qual aquela versão fora derivada.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O original remoto e fabuloso era tido como a obra do grande mago hiperbóreo que lhe dava o título. Era uma coleção de mitos sombrios e ominosos, de liturgias, rituais e encantamentos tão malignos quanto esotéricos. Não sem sentir calafrios, no decorrer dos estudos que uma pessoa comum acharia mais que singular, Tregardis havia feito comparações do volume francês com o temível Necronomicon, do árabe louco Abdul Alhazred. Encontrara muitas correspondências de significância bastante sombria e aterradora, junto com vários dados proibidos que eram desconhecidos do árabe ou omitidos por ele... ou por seus tradutores.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Seria isso o que estava tentando relembrar, pensou Tregardis? – a referência breve e casual no Livro de Eibon a um cristal nebuloso que fora propriedade do mago Zon Mezzamalech, em Mhu Thulan? É claro, era tudo fantástico demais, hipotético demais, incrível demais – porém Mhu Thulan, a porção norte da antiga Hiperbórea, supostamente correspondia mais ou menos à Groelândia moderna, que antes seria uma península do continente principal. Será que a pedra em suas mãos, por um acaso fabuloso, seria o cristal de Zon Mezzamelech?</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tregardis sorriu consigo mesmo, diante da ironia que era sequer conceber essa noção absurda. Tais coisas não aconteceriam – pelo menos não na Londres contemporânea; e de qualquer forma, muito provavelmente o Livro de Eibon não passava de fantasia supersticiosa. Mesmo assim, havia algo no cristal, que continuava a tentá-lo e persuadi-lo. Terminou por comprar o cristal, por um preço razoavelmente moderado. A soma foi declarada pelo vendedor e paga pelo comprador, sem qualquer barganha.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Com o cristal no bolso, Paul Tregardis apressou-se em voltar a seu alojamento, ao invés de continuar o passeio de lazer. Instalou o globo leitoso em sua mesa de trabalho, onde ficou firme sobre uma de suas extremidades oblatas. E então, ainda sorrindo com o próprio absurdo, pegou o manuscrito em papel de pergaminho amarelado, o Livro de Eibon, de seu lugar numa coleção um tanto abrangente de literatura incomum. Abriu a capa de couro vermiculado, de fechos de aço manchado, e leu para si mesmo, traduzindo a partir do francês arcaico, o parágrafo que referia-se a Zon Mezzamelech:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<br />
<blockquote class="tr_bq">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Este mago, bastante poderoso entre os feiticeiros, encontrara uma pedra nebulosa, semelhante a um orbe, um tanto achatada nas extremidades, na qual podia contemplar muitas visões do passado terreno, e até mesmo dos começos da Terra, quando Ubbo-Sathla, a fonte incriada, repousa vasta e inchada e fermentescente em meio à geleia vaporosa... Mas daquilo que chegou a contemplar, Zon Mezzamalech deixou poucos registros; e as pessoas dizem que ele desapareceu de maneira desconhecida; e depois disso o cristal nebuloso se perdera.”</span></blockquote>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Paul Tregardis colocou o manuscrito de lado. Mais uma vez, havia algo que o tentava e seduzia, como um sonho perdido ou uma memória condenada ao esquecimento. Impelido por uma sensação que não ponderou ou questionou, sentou-se diante da mesa e começou a fitar resoluto as profundezas da orbe gelada e nebulosa. Sentia uma expectativa que, de alguma forma, era tão familiar, uma parte de sua consciência tão permeante, que nem chegou a dar-lhe um nome.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Minuto após minuto, ficou ali sentado, observando o reluzir e apagar alternados da misteriosa luz no âmago do cristal. Quase que imperceptivelmente, foi abatendo-se sobre ele uma sensação de dualidade onírica quanto à sua pessoa e seu ambiente. Ele ainda era Paul Tregardis – mas também era outro alguém: o aposento era o do seu apartamento em Londres – mas também uma câmara em algum lugar estrangeiro, embora bastante conhecido. E em ambos os lugares, ele fitava com resolução o mesmo cristal.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Após um ínterim, sem surpresa da parte de Tregardis, o processo de reidentificação tornou-se completo. Ele sabia que era Zon Mezzamalech, feiticeiro de Mhu Thulan, estudante de toda a sabedoria anterior à sua própria época. Sábio em segredos terríveis não conhecidos por Paul Tregardis, que era um amador em antropologia e ciências ocultas na Londres dos dias recentes, buscou através do cristal leitoso uma maneira de conseguir conhecimentos ainda mais antigos e terríveis.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele havia adqurido a pedra de maneira duvidosa, vinda de fonte mais que sinistra. Era singular e incomparável, em todas as terras ou tempos. Em suas profundezas, todos os anos anteriores, todas as coisas que já haviam acontecido, supostamente eram espelhadas e revelar-se-iam ao visionário paciente. E através do cristal, Zon Mezzamalech sonhava recuperar a sabedoria dos deuses que morreram antes que a Terra houvesse nascido. Haviam passado para além do vácuo sem luz, deixando sua sabedoria inscrita em tabuletas de pedra ultraestelar; tabuletas guardadas no lodaçal primordial pelo demiurgo amorfo e idiota, Ubbo-Sathla. Apenas através do cristal conseguiria encontrar e ler as tabuletas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Pela primeira vez, estava testando as virtudes propaladas do globo. Em volta de si, uma câmara enfeitada de marfim, cheia de livros e parafernálias mágicas, estava lentamente esvaindo de sua consciência. Diante dele, numa mesa de alguma madeira negra hiperbórea, gravada com cifras grotescas, o cristal parecia inchar e aprofundar-se, e em suas profundezas translúcidas contemplou um rápido e desconexo turbilhão de cenas vagas, transitórias como as bolhas na calha de um moinho. Era como se estivesse testemunhando o mundo real, com suas cidades, florestas, montanhas, mares e prados fluindo abaixo dele, iluminando-se e escurecendo-se como se a passagem dos dias e noites fosse bizarramente acelerada no fluxo do tempo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Zon Mezzamalech esquecera Paul Tregardis – perdera a lembrança de sua própria existência e dos arredores em Mhu Thulan. Momento a momento, a visão fluente no cristal ficava mais definida e distinta, e a própria orbe aprofundava-se até causar vertigens, como se estivesse de uma altura insegura, espreitando um abismo jamais antes sondado. Ele sabia que o tempo retrocedia no cristal, desenrolando diante dele o cortejo de todos os dias já passados; mas um estranho alarmismo o arrebatou, e temeu continuar observando. Como alguém que quase caiu de um precipício, forçou-se para fora do transe da orbe, com um arranco violento.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mais uma vez, diante de seu olhar, o enorme mundo rodopiante que havia espreitado não passava de um pequeno e nebuloso cristal, na sua mesa rúnica em Mhu Thulan. E então, pouco a pouco, pareceu que o grande aposento de painéis esculpidos de marfim de mamute estava estreitando-se para formar outro lugar, mais escuro; e Zon Mezzamalech, perdendo sua sabedoria sobrenatural e poder feiticeiro, retornou, em uma estranha regressão, a ser Paul Tregardis.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Porém, aconteceu que não conseguiu retornar completamente. Tregardis, tonto e cogitabundo, encontrava-se diante da mesa de trabalho onde havia posto a esfera oblata. Sentiu a confusão daquele que sonha e ainda assim não despertou totalmente do sonho. O aposento o confundia de maneira vaga, como se algo estivesse errado com seu tamanho e mobília; e sua lembrança da compra do cristal das mãos de um vendedor de curiosidades misturava-se esquisita e discrepantemente com a impressão de que havia adquirido o objeto de maneira bastante diversa.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sentia que algo muito estranho havia acontecido com ele, ao espreitar o cristal; mas exatamente o quê, não conseguia lembrar. A experiência havia deixado aquele tipo de turvação que advém de uma orgia de haxixe. Assegurou-se de que era Paul Tregardis, que vivia em tal e tal rua em Londres, que o ano era 1932; mas tais verdades e lugares-comum tinham de certa forma perdido seu significado e validade; e tudo ao seu redor parecia fantasmagórico e insubstancial. As próprias paredes pareciam evanescer como fumaça; as pessoas nas ruas eram espectros de espectros; e ele mesmo não passava de uma sombra perdida, um eco vagante de algo há muito esquecido.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Resolveu não repetir o experimento de cristalomancia. Os efeitos eram demasiado desagradáveis e duvidosos. Mas no mesmo dia seguinte, seguindo um impulso irracional ao qual sucumbiu quase que mecanicamente e sem relutância, encontrou-se sentado diante do orbe nebuloso. Mais uma vez tornou-se o feiticeiro Zon Mezzamelech, em Mhu Thulan; mais uma vez sonhou para recuperar a sabedoria dos deuses pré-mundanos; mais uma vez fugiu do cristal aprofundante, com o terror daqueles que temem cair; e mais uma vez – embora de forma tênue e duvidosa – ele se tornava Paul Tregardis.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Três vezes Tregardis repetiu a experiência, em dias sucessivos; e a cada vez, sua própria pessoa e o mundo ao seu redor tornavam-se mais tênues e confusos. Suas sensações eram as de um sonhador prestes a despertar; e a própria Londres era tão irreal quanto as terras que somem diante do sonhador, desaparecendo numa bruma viscosa, numa luz nebulosa. Era como se a fantasmagoria do tempo e do espaço dissolvesse ao seu redor, revelando alguma realidade mais crível – ou outro sonho de espaço e tempo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Veio então, por fim, o dia em que ele sentou-se diante do cristal – e não mais retornou como Paul Tregardis. Foi em dia em que Zon Mezzamalech, impetuosamente desconsiderando certos alertas malignos e portentosos, resolveu superar seu curioso medo de cair corporalmente no mundo visionário que contemplava – medo que até então o impedia de seguir muito o fluxo inverso do tempo. Ele deveria, repetia a si mesmo, conquistar esse medo, se quisesse ver e ler as tabuletas perdidas dos deuses. Havia contemplado apenas pouco mais que alguns fragmentos dos anos de Mhu Thulan imediatamente posteriores aos anos contemporâneos de sua própria vida; e haviam ciclos inestimáveis entre esses anos e o Princípio.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mais uma vez, diante de seu olhar, o cristal aprofundou-se imensuravelmente, mostrando cenas e acontecimentos que fluíam de maneira retrógrada. Mais uma vez as cifras mágicas da mesa escura saíram de seu campo de percepção, e as paredes feiticeiramente inscritas de sua câmara desfizeram-se como algo menos que um sonho. Mais uma vez ficou tonto de uma enorme vertigem, ao curvar-se diante do turbilhão e sorvedouro dos terríveis abismos de tempo naquele orbe que parecia um planeta. Sentindo medo, apesar de sua resolução, quase acabou por afastar-se; mas observara e espreitara por tempo demais. Houve uma sensação de queda abissal, uma sucção como se de ventos inelutáveis, de redemoinhos que o esmagou através de visões instáveis e efêmeras de sua própria vida passada, até chegar a anos e dimensões pré-natais. Parecia suportar a agonia da dissolução invertida; e que não era mais Zon Mezzamalech, o sábio e erudito observador do cristal, mas uma parte real do fluxo esquisitamente rápido que corria em reverso para reatingir o Princípio.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Pareceu viver inúmeras vidas, morrer miríades de mortes, esquecendo a cada vez a morte e a vida que aconteciam antes. Lutou como guerreiro em batalhas semilendárias; foi uma criança brincando nas ruínas de alguma antiga cidade de Mhu Thulan; foi um rei que reinava quando a cidade estava em seu ápice, o profeta que prevera sua construção e seu fim. Como uma mulher, chorou pelos mortos há muito falecidos, em necrópoles há muito em ruínas; como um antigo mago, murmurou os feitiços rudimentares das primeiras feitiçarias; como sacerdote de algum deus pré-humano, empunhou a adaga sacrificial em templos-cavernas de pilares de basalto. Vida por vida, era por era, retraçou os longos e trôpegos ciclos através dos quais a Hiperbórea ascendera da selvageria para a alta civilização.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tornou-se um bárbaro de alguma tribo troglodita, fugindo do gelo lento e torreado de uma prévia era glacial, invadindo terras iluminadas pelo fulgor rubicundo dos vulcões perpétuos. E então, após incomputáveis anos, não era mais um homem, mas uma fera similar a homem, vagando em florestas de samambaias e calamitas gigantes, ou construindo um ninho improvisado nos galhos de poderosas cicadáceas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Através de éons de sensação anterior, de luxúria e fome básicas, de terror e loucura aborígenes, havia alguém – ou algo – que retrocedia no tempo. A morte tornou-se nascimento e o n nascimento era a morte. Numa lenta visão de mudança reversa, a terra pareceu derreter, e desfez-se das colinas e montanhas de seus estratos posteriores. O sol ficava sempre maior e mais quente sobre os pântanos fumegantes, que pululavam de vida grosseira, em meio a uma vegetação mais exuberante. E a coisa que havia sido Paul Tregardis, que havia sido Zon Mezzamalech, era parte de toda essa monstruosa involução. Voou com as asas de garras de um pterodáctilo, nadou em mares tépidos com o volume vasto e comprido de um ictiossauro, urrou grosseiro com a garganta armadurada de algum behemote esquecido, urrando para a enorme lua que queimava em meio a névoas primordiais.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Com o passar do tempo, após éons de brutalidade imemorial, tornou-se um dos homens-serpente perdidos, que preparavam suas cidades de gneisse negra e lutavam suas guerras venenosas no primeiro continente do mundo. Caminhou onduladamente em ruas pré-humanas, em estranhas criptas curvas; espreitou as estrelas primevas do topo de torres altas e babélicas; ajoelhou-se nas litanias sibilantes dos grandes ídolos serpentinos. Com o passar de anos e épocas da era ofídica, ele voltou a ser uma coisa que rastejava no limo, uma coisa que não havia ainda aprendido a pensar e sonhar e construir. E veio o tempo em que não havia mais continente, mas apenas um charco vasto e caótico, um mar de limo, sem limites ou horizontes, sem costas ou elevações, fervilhando no contorcer cego dos vapores amorfos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E então, no princípio cinzento da Terra, a massa disforme que era Ubbo-Sathla repousava por entre o limo e os vapores. Sem cabeça, sem órgãos, sem membros, expelia de suas laterais lodosas, numa onda lenta e incessante, as formas ameboides que constituíam os arquétipos da vida terrena. Era algo horrível, se fosse possível apreender o horror; algo repugnante, se houvesse alguém ali capaz de sentir repugnância. Perto dele, largadas ou lançadas na lama, estavam as poderosas tábulas de pedra minerada nas estrelas, onde estava escrita a inconcebível sabedoria dos deuses pré-mundanos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E para ali, para o objetivo de uma busca esquecida, foi atraída a coisa que havia sido – ou que algum dia haveria de tornar-se Paul Tregardis e Zon Mezzamalech. Transformado numa salamandra amorfa do começo dos tempos, a coisa rastejava preguiçosa e indiferente sobre as decaídas tábulas dos deuses, e lutava e devorava cegamente outras crias de Ubbo-Sathla.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">* * *</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Quanto a Zon Mezzamalech e seu desaparecimento, não há menção em parte alguma, exceto naquele breve trecho do Livro de Eibon. Quanto a Paul Tregardis, que também desaparecera, houve uma breve notícia em vários dos jornais londrinos. Ninguém parecia saber nada sobre o caso: ele desaparecera como se jamais houvesse existido; e o cristal, presume-se, também desaparecera. Ou pelo menos, ninguém o encontrou.</span><br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Leia o original aqui:<br />
http://www.eldritchdark.com/writings/short-stories/224/ubbo-sathla<br />
Baixe a tradução em pdf aqui:<br />
<a href="http://pt.scribd.com/doc/102539807/Ubbo-Sathla-Clark-Ashton-Smith-Traducao-Arthur-Ferreira-Jr">http://pt.scribd.com/doc/102539807/Ubbo-Sathla-Clark-Ashton-Smith-Traducao-Arthur-Ferreira-Jr</a>
<br />
<br />Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-77951608989687839422012-08-07T07:33:00.000-07:002012-08-10T05:29:44.737-07:00O HORROR DE SALEM<br />
<span style="font-size: large;">Henry Kuttner</span><br />
Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Quando Carson chegou a notar os sons em seu sótão, culpou os ratos. Mais tarde, começou a ouvir as histórias sussurradas pelos supersticiosos moeiros poloneses da Rua Derby, que falavam da primeira ocupante da casa antiga, Abigail Prinn. Não há ninguém vivo hoje que possa lembrar-se da diabólica velha, mas as mórbidas lendas que pululam no “distrito das bruxas” de Salem, como ervas daninhas ou covas negligenciadas, mencionam particularidades perturbadoras de suas atividades, e eram desagradavelmente explícitas quanto aos detestáveis sacrifícios que sabe-se que ela ofertou a uma imagem de chifres crescentes, degradada pelos vermes e de origem incerta. Os mais velhos ainda sussurram sobre Abbie Prinn e suas monstruosas gabolices de que era alta sacerdotisa de um deus horrivelmente potente, que habitava nas profundezas sob as colinas. De fato, foram as gabolices incansáveis das velha bruxa que a levaram a sua abrupta e misteriosa morte em 1692, por volta da época dos famosos enforcamentos de Gallows Hill. Ninguém gosta de falar sobre o assunto, mas de vez em quando alguma velha desdentada resmunga temerosa, falando sobre as chamas que não queimavam a bruxa, pois todo o seu corpo havia sido tomado pela peculiar anestesia de sua marca diabólica.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Abbie Prinn e sua estátua anômala há muito desapareceram, mas ainda ficou difícil encontrar quem alugasse sua casa decrépita e de frontão triangular, com seu segundo andar quase caído e curiosas janelas de caixilho em formato de diamante. A notoriedade maligna da casa espalhou-se por toda Salem. Nada de fato havia acontecido lá, nos anos recentes, que pudesse dar margem a histórias inexplicáveis, mas aqueles que alugavam a casa tinham o hábito de sair dali com rapidez, geralmente explicando de maneira vaga e insatisfatória sobre a questão dos ratos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">E foi um rato que levou Carson ao Quarto da Bruxa. O padrão abafado e rangente dentro das paredes apodrecidas havia perturbado Carson mais de uma vez, durante as noites de sua primeira semana na casa, que havia alugado para obter a solidão que o permitiria completar um romance pedido pelos seus editores – outro romance leve a ser adicionado à sua longa cadeia de sucessos populares. Mas não foi senão até algo mais tarde, que certa noite começou a conjeturar de maneira fantástica sobre a inteligência daquele rato, que fazia ruídos sob seus pés, no escuro do corredor.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A casa havia recebido fiação elétrica, mas o bulbo no corredor era pequeno e gerava apenas uma luz tênue. O rato era uma sombra deformada e negra que se lançava alguns metros para a frente e então pausava, aparentemente observando Carson.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Em qualquer outro momento, Carson teria enxotado o animal com um gesto ameaçador e voltado a trabalhar. Mas o tráfego na Rua Derby estivera incomumente barulhento, e ele achava difícil concentrar-se no romance. Seus nervos, sem nenhuma razão aparente, estavam tensos; e de alguma forma ele sentia que o rato, observando-o logo além de seu alcance, estava fitando-o de modo divertido e sardônico.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sorrindo com a ideia, aproximou-se alguns passos do rato, e este saiu correndo para a porta do sótão, que para sua surpresa, estava entreaberta. Pensou que deveria ter deixado de fechá-la da última vez que subira até lá, embora geralmente tomasse cuidado em manter as portas fechadas, pois a velha casa era bem fria. O rato esperava na soleira da porta.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Irracionalmente aborrecido com o fato, Carson deu um carreirão no rato, que subiu pela escada. Ligou então a luz do porão e observou o rato, que estava num canto. O animal observava com toda a atenção de seus olhos pequenos e brilhantes.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ao descer as escadas, não conseguiu evitar sentir que estava agindo feito idiota. Mas seu trabalho estava cansativo, e seu subconsciente acolheria qualquer interrupção. Moveu-se pelo porão em direção ao rato, percebendo que, para seu espanto, a criatura permanecia imóvel, fitando-o. Uma estranha sensação de incerteza começou a crescer dentro de Carson. O rato estava agindo anormalmente, era isto que sentia; e o fitar de seus olhinhos frios, que nunca piscavam, era de certa forma perturbador.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas caiu na risada, pois o rato de súbito virou para o lado e desapareceu num pequeno buraco da parede do porão. Com uma certa preguiça, riscou com o dedão do pé uma cruz sobre a poeira diante da toca, decidindo que poria ali uma armadilha quando viesse a manhã.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O focinho e os bigodes irregulares do rato surgiram de maneira cautelosa. Ele movia-se para a frente e então hesitava, voltando. O animal começava então a agir de maneira singular e indescritível – como se estivesse dançando, pensou Carson. Movia-se de maneira tateante para frente, e então retrocedia. Um pequeno salto para a frente, aparecendo rapidamente, e então pulava de volta com rapidez, como se – a comparação passou pela mente de Carson – uma cobra estivesse enrodilhada diante da toca, alerta para impedir a fuga do rato. Mas não havia nada ali, salvo a pequena cruz que Carson havia riscado no pó.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Sem dúvida, era o próprio Carson que bloqueava a fuga do rato, pois estava em pé a menos de um metro da toca. Moveu-se para a frente, e o animal celeremente saía de vista.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Interessado, Carson encontrou um pedaço de pau e com ele cutucou o buraco, explorando-o. Também prestou atenção próximo à parede, detectando algo estranho na laje de pedra logo acima da toca de rato. Uma rápida olhadela confirmou suas suspeitas. A laje aparentemente era móvel.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson a examinou de perto, notando uma depressão em sua borda, onde podia caber uma mão. Seus dedos se encaixavam com facilidade na cavidade, e ele puxou com cuidado. A pedra moveu-se um pouco e parou. Puxou com mais força, e num espirrar de terra seca a laje destacou-se da parede, como se presa a uma dobradiça.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Um retângulo negro, da altura de seu ombro, abria-se na parede. De suas profundezas emanou um fedor úmido e desagradável de ar viciado, fazendo Carson dar um passo para trás, involuntariamente. De repente lembrou-se das monstruosas histórias sobre Abbie Prinn e os horrendo segredos que supostamente ela teria ocultado em sua casa. Teria ele encontrado um refúgio escondido de uma bruxa há muito tempo morta?</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Antes de entrar pela passagem sombria, tomou a precaução de pegar uma lanterna lá em cima. Então baixou a cabeça com cuidado e caminhou por aquela passagem estreita e de odor maligno, sondando com o facho de luz da lanterna.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Estava num túnel estreito, pouco mais alto que sua cabeça, murado com lajes de pedra. Prolongava-se por talvez cinco metros e então abria-se numa grande alcova. Conforme Carson adentrava o aposento subterrâneo – sem dúvida um refúgio oculto de Abbie Prinn, um esconderijo, pensou, que mesmo assim não pôde salvá-la no dia em que a multidão louca de medo entrou em fúria e a arrastou pela Rua Derby – segurou o fôlego, engasgado de assombro. O aposento era fanástico, surpreendente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Era o chão que capturava o olhar de Carson. O cinza morto da parede circular dava lugar aqui a um mosaico de pedras de múltiplas cores, nas quais predominavam azuis, verdes e púrpuras – de fato, não eram vistas nenhuma das cores mais quentes. Deviam haver milhares de fragmentos de pedra compondo aquele padrão, pois nenhum deles era maior que uma noz. E o mosaico parecia seguir algum padrão definido, desconhecido para Carson; haviam curvas de púrpura e violeta mesclados a linhas angulosas de verde e azul, entrelaçadas a arabescos fantásticos. Haviam círculos, triângulos, um pentagrama, e outras figuras menos familiares. A maioria das linhas e figuras irradiavam-se a partir de um ponto definido: o centro da câmara, onde havia um disco circular de pedra negra e morta, talvez de meio metro de diâmetro.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Estava tudo muito silencioso. Os sons dos carros que ocasionalmente passavam lá na Rua Derby não podiam ser ouvidos. Numa pequena alcova da parede Carson vislumbrou marcas nas paredes, e moveu-se lentamente naquela direção, o facho de luz viajando para cima e para baixo, nas paredes do nicho.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Aas marcas, o que quer que fossem, foram emplastadas na pedra há muito tempo, pois o que restava dos símbolos enigmáticos era indecifrável. Carson viu vários hieroglifos parcialmente apagados, que a ele lembraram árabe, mas não tinha muita certeza. No chão da alcova, um disco de metal corroído, de cerca de dois metros e quarenta de diâmetro, e Carson teve a impressão nítida de que era móvel. Mas não parecia haver maneira de levantá-lo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ficou consciente de que estava no centro exato da câmara, no círculo de pedra negra onde centrava-se o estranho padrão. Mais uma vez, notou o silêncio total. Seguindo um impulso, desligou o facho da lanterna. Instantaneamente, estava na escuridão total.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Naquele momento, uma curiosa ideia entrou em sua mente. Viu-se no fundo de um poço, e de cima descia um dilúvio, descendo pela coluna para engoli-lo. A impressão era tão forte que chegou a imaginar que ouvia uma trovoada abafada, o rugido da catarata. Estranhamente abalado, ligou a luz, olhando ao redor com presteza. O ressoar, é claro, era o pulsar de seu próprio sangue, tornado audível no silêncio completo – um fenômeno familiar. Mas, se o lugar era tão quieto – </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O pensamento saltou em sua mente, como se subitamente empurrado em sua consciência. Este seria um lugar ideal para trabalhar. Poderia puxar uma fiação elétrica, descer uma mesa e uma cadeira, usar um ventilador elétrico se necessário – embora o odor úmido que notou a princípio houvesse desaparecido por completo. Moveu-se pela boca do túnel, e ao sair do aposento sentiu uma inexplicável sensação de relaxamento dos músculos, embora não houvesse percebido antes que estavam contraídos. Atribuiu o fato ao seu nervosismo, e subiu as escadas para fazer um pouco de café preto e escrever a seu senhorio em Boston sobre a descoberta.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O visitante fitou curioso o corredor, assim que Carson abriu a porta, balançando a cabeça consigo mesmo, como se satisfeito. Era uma figura alta e magra, com sobrancelhas de cinza férreo sobre olhos igualmente cinzentos, e aguçados. Seu rosto, embora esquálido e cheio de marcas, não mostrava rugas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“É sobre o Quarto da Bruxa, eu presumo?” Carson falou sem muitos modos. Seu senhorio havia sido indiscreto, e durante a última semana ele for forçado a entreter antiquários e ocultistas ansiosos em dar uma olhada na câmara secreta onde Abbie Prinn murmurava seus feitiços. O incômodo de Carson cresceu, e ele considerou mudar-se para um lugar mais quieto; mas sua teimosia inerente o fez permanecer, determinado a terminar seu romance a despeito das interrupções. E agora, observando friamente seu convidado, disse, “Desculpe, mas não está mais em exposição.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O outro pareceu atônito, mas quase imediatamente, um raio de compreensão luziu em seus olhos. Tirou um cartão e ofereceu-o a Carson.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Michael Leigh... ocultista, é?” Repetiu Carson. Suspirou fundo. Os ocultistas, ele havia descoberto, eram os piores, com suas alusões sombrias a coisas inomináveis e seu profundo interesse no padrão do mosaico no chão do Quarto da Bruxa. “Desculpe, sr. Leigh, mas – eu realmente estou bastante ocupado. Há de perdoar.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sem modos, voltou-se para a porta.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Só um momento,” Leigh falou com rapidez.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Antes que Carson pudesse protestar, o homem pegou o escritor pelos ombros e fitou profundamente seus olhos. Atarantado, Carson recuou, mas não antes de perceber uma extraordinária expressão de apreensão e satisfação misturadas no rosto magro de Leigh. Era como se o ocultista houvesse visto algo desagradável, mas não inesperado.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Qual é o caso?” Carson perguntou com rudeza. “Não estou acostumado – ”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Desculpe-me, por favor,” disse Leigh. Sua voz era profunda e agradável. “Devo pedir perdão. Pensei – bem, mais uma vez peço perdão. Estava bastante empolgado, sabe. Vim de San Francisco para ver esse seu Quarto da Bruxa. Será que se importaria de me deixar vê-lo? Eu ficaria feliz em pagar qualquer soma – ”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson fez um gesto depreciador.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não,” ele disse, sentindo uma apreciação perversa pelo homem crescer dentro de si – sua voz bem modulada e agradável, seu rosto poderoso, sua personalidade magnética. “Não, eu só quero um pouco de paz – o senhor não tem ideia do quanto eu fui incomodado,” continuou, vagamente surpreso de achar-se falando em tom de desculpas. “É um aborrecimento assustador. Quisera eu nunca ter encontrado o quarto.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Leigh avançou ansioso. “Será que eu poderia vê-lo? Significa muito para mim – tenho um interesse vital nesse tipo de coisa. Prometo não tomar mais de dez minutos do seu tempo.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson hesitou e então assentiu. Levando seu convidado ao porão, achou-se contando as circunstâncias de sua descoberta do Quarto da Bruxa. Leigh ouviu com atenção, de vez em quando interrompendo com perguntas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“O rato – o senhor sabe o que aconteceu com ele depois?” perguntou.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson olhou o homem com ironia. “Não, não... acho que deve ter se escondido na toca. Por quê?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Nunca se sabe,” disse Leigh enigmático, ao entrarem no Quarto da Bruxa.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Carson ligou a luz. Havia instalado uma extensão elétrica, e havia agora ali umas cadeiras e uma mesa, mas fora isso, o aposento estava intocado. Carson observou o rosto do ocultista, e com surpresa viu que o rosto entristecer e ficar quase raivoso.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Leigh andou até o centro do aposento, fitando a cadeira que ficava no círculo de pedra negro.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“O senhor está trabalhando aqui?” perguntou com vagar.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Sim. É silencioso – descobri que não conseguia trabalhar lá em cima. Barulho demais. Mas aqui é ideal – de alguma forma, eu descobri que é bem fácil escrever aqui. Minha mente sente-se...” hesitou, “livre; isto é, desassociada de outras coisas. É uma sensação bem incomum.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Leigh assentiu, como se as palavras de Carson houvessem confirmado alguma ideia em sua própria mente. Voltou-se para a alcova e seu disco de metal no chão. Carson seguiu o homem. O ocultista moveu-se perto da parede, traçando os símbolos gastos com um indicador longo. Resmungou algo ao respirar – palavras que pareceram sem sentido para Carson.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Nyogtha... k'yarnak...”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Virou-se então, seu rosto amargo e pálido. “Já vi o suficiente,” disse com delicadeza. “Podemos ir, então?” Surpreso, Carson assentiu e o levou de volta ao porão.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Subindo as escadas, Leigh hesitou, como se achasse difícil abordar algum assunto. Finalmente perguntou, “Sr. Carson – importaria-se de me dizer se teve algum sonho peculiar, recentemente?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson fitou-o de volta, a ironia dançando nos olhos. “Sonhos?” repetiu. “Ah – entendo. Bem, sr. Leigh, posso adiantar que o senhor não vai conseguir me assustar. Seus compatriotas – os outros ocultistas com quem lidei – já tentaram isso.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Leigh levantou as sobrancelhas espessas. “Sim? Eles quiseram saber o que o senhor anda sonhando?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Vários perguntaram – então, sim.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“E o senhor contou a eles?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não.” E então, quando Leigh voltou a sentar em sua cadeira, uma expressão confusa no rosto, Carson hesitou, “Embora, na verdade, eu não tenha tanta certeza.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“O que o senhor quer dizer?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Acho – tenho uma vaga impressão – de que andei sonhando ultimamente. Mas não tenho certeza. Não consigo lembrar nada do sonho, sabe. E – oh, com toda certeza seus irmãos ocultistas colocaram a ideia em minha cabeça!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Talvez,” disse Leigh, sem comprometer-se, levantando. Hesitou. “Sr. Carson, farei ao senhor uma pergunta um tanto presunçosa. É necessário mesmo que o senhor more nesta casa?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Carson suspirou resignado. “Quando me perguntaram isso da primeira vez, expliquei que queria um lugar quieto onde escrever um romance, e que qualquer lugar quieto seria suficiente. Mas não é algo fácil de achar. Agora que tenho este Quarto da Bruxa, meu trabalho está saindo tão facilmente, que não vejo razão pela qual sairia daqui, talvez prejudicando meu cronograma. Eu sairei desta casa quando terminar o romance, e então vocês ocultistas podem vir e transformá-la num museu ou algo parecido. Não me importo. Mas até que o romance esteja terminado, tenciono permanecer aqui.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Leigh segurou o próprio queixo. “De fato. Posso compreender seu ponto de vista. Mas – há outro lugar na casa onde o senhor possa trabalhar?” </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Observou o rosto de Carson por um momento, e então rapidamente prosseguiu falando.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não espero que acredite em mim. O senhor é um materialista. A maioria das pessoas é materialista. Mas alguns poucos de nós sabem que acima e além do que os homens chamam de ciência, há uma ciência superna, construída sobre leis e princípios os quais o homem comum acharia quase incompreensíveis. Se o senhor já leu Machen, lembrará que ele fala de um abismo entre o mundo da consciência e o mundo da matéria. É possível sobrepujar esse abismo. O Quarto da Bruxa é uma maneira de fazê-lo, uma ponte! O senhor sabe o que é um Ouvido de Dionísio?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Hum?” disse Carson, fitando o homem. “Mas não há – ”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Uma analogia – apenas uma analogia. Um homem pode sussurrar uma palavra numa galeria – ou caverna – e se o senhor estiver num certo ponto a trinta metros de distância, irá ouvir esse sussurro, embora alguém a três metros não consiga. É um simples truque de acústica – trazer o som a um ponto focal. E este princípio pode ser aplicado a outras coisas além do som. A qualquer impulso emitido através de ondas – e até mesmo ao pensamento!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson tentou interromper, mas Leigh continuou falando.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Aquela pedra negra no centro de seu Quarto da Bruxa é um desses pontos focais. Os padrões no chão – quando o senhor senta no círculo negro, fica anormalmente sensível a certas vibrações – certos comandos mentais – perigosamente sensível! Como acha que sua mente fica tão clara quando está trabalhando aqui? É uma armadilha, uma falsa sensação de lucidez – já que o senhor não passa de um instrumento, um microfone, sintonizado de modo a captar certas vibrações malignas, cuja natureza o senhor não pode compreender!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O rosto de Carson era uma demonstração de surpresa e incredulidade. “Mas – você não acredita mesmo nessas – ”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Leigh recuou, a intensidade de seus olhos morrendo, deixando-os tristonhos e frios. “Muito bem. Mas eu estudei a história da sua Abigail Prinn. Ela também compreendia a superciência da qual estou falando. Ela a utilizava para propósitos malignos – a arte sombria, é como é chamada. O senhor – ” Levantou-se, mordendo a ponta dos lábios. “O senhor pelo menos irá me permitir que eu venha amanhã?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Quase que involuntariamente, Carson assentiu. “Mas temo que o senhor esteja perdendo seu tempo. Não creio – isto é, não tenho como – “ Gaguejou, sem conseguir concatenar as palavras.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Apenas quero assegurar-me que o senhor – oh, outra coisa. Se o senhor sonhar esta noite, por gentileza poderia tentar recordar-se do sonho? Se o senhor tentar lembrar logo que desperte, muitas vezes é possível recordar.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Tudo bem. Se eu sonhar – ”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Naquela noite, Carson sonhou. Despertou logo após o amanhecer, seu coração batendo furioso, sentindo uma inusitada inquietude. Dentro das paredes, e abaixo do chão, podia ouvir os ruídos furtivos dos ratos. Levantou da cama com rapidez, tremendo na luz cinzenta do começo de manhã. Uma lua minguante ainda brilhava tênue no céu pálido.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Lembrou-se então das palavras de Leigh. Havia sonhado – sem dúvida, havia sonhado. Mas o conteúdo do sonho – este estava bloqueado. Absolutamente não conseguia trazer o sonho à mente, por mais que tentasse, embora houvesse uma impressão bastante vaga de corrida frenética na escuridão.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Vestiu-se rapidamente, e já que a quietude da quase madrugada dentro da casa velha dava-lhe nos nervos, saiu para comprar um jornal. Era cedo demais para que houvessem bancas abertas, contudo, e buscando um dos garotos jornaleiros, dirigiu-se para oeste, virando na primeira esquina. Conforme andava, veio uma sensação curiosa e inexplicável tomar conta dele: uma sensação de – familiaridade! Ele havia andado ali antes, e havia uma vaga e perturbadora familiaridade quanto às formas das casas, os contornos dos telhados. Mas – e esta era a parte fantástica da coisa – que ele soubesse, nunca havia estado naquela rua antes. Havia passado pouco tempo andando naquela região de Salem, pois era preguiçoso por natureza; ainda assim havia aquela extraordinária sensação de recordação, que ficava cada vez mais vívida conforme andava.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Chegou a uma esquina, e virou decidido para a esquerda. A estranha sensação aumentou de intensidade. Caminhou lentamente, ponderando.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sem dúvida, havia andado por aquela via antes – e muito provavelmente estava bastante pensativo na ocasião, de modo a não prestar atenção consciente à sua rota. Sem dúvida, esta deveria ser a explicação. Ainda assim, quando Carson virou para a Rua Charter, sentiu uma inquietude inominável tomar conta de si. Salem estava começando a despertar; com a luz do dia, impassivos operários polandeses começavam a marchar em direção às fábricas, passando direto por ele. Um automóvel ou outro passava de vez em quando.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mais à frente uma multidão reunia-se numa calçada. Carson apressou o passo, consciente da sensação de calamidade iminente. Num choque extraordinário, viu que estava passando pelo Cemitério da Rua Charter, o antigo e malignamente famoso “Ponto Tumular.” Com pressa, empurrou as pessoas até chegar à multidão.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Chegavam comentários num tom abafado, e costas troncudas, num uniforme azul, impediram sua passagem. Ele olhou por cima do ombro do policial e engasgou, apavorado.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Um homem curvado sobre o corrimão que cercava o velho cemitério. Vestia um terno barato e espalhafatoso, e segurava as barras enferrujadas com tanta força que fazia seus músculos ficarem visíveis nos sulcos das costas cabeludas de suas mãos. Estava morto, e em seu rosto, fitando o céu num ângulo insano, via-se congelada uma exmpressão do mais abissal e completamente chocante horror. Seus olhos, onde viam-se apenas o branco, estavam arregalados de maneira hedionda; sua boca era um ricto distorcido e amargo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Um homem, do lado de Carson, virou o rsto branco para seu lado. “Dá impressão de que foi assustado até a morte,” disse com a voz um tanto rouca. “Odiaria ter visto o que ele viu. Ugh – olha só esse rosto!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mecanicamente, Carson recuou alguns passos, sentindo um hálito gelado de coisas sem nome tomar conta de si. Esfregou os olhos, mas ainda via aquela face morta e contorcida insistindo em flutuar em seu campo de visão. Começou a refazer seus passos, trêmulo e abalado. Involuntariamente, seu olhar moveu-se para o lado, descansando nas tumbas e monumentos que pontuavam o velho cemitério. Ninguém fora enterrado ali por mais de um século, e as lápides manchadas de líquen, com suas caveiras aladas, querubins rechonchudos e urnas funerárias, pareciam exalar um miasma indefinível de antiguidade. O que havia assustado aquele homem até a morte?</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson respirou fundo. Certo, o cadáver fora um espetáculo aterrador, mas ele não deveria permitir que a visão abalasse seus nervos. Não poderia permitir – seu romance sofreria com isso. Além disso, argumentou amargamente consigo mesmo, a questão era óbvia o suficiente, em sua explicação. O homem morto era aparentemente polonês, pertencente a um grupo de imigrantes que habitam próximo ao Porto de Salem. Passando pelo cemitério à noite, lugar onde lendas do sobrenatural ainda sobrevivem por quase três séculos, seus olhos bêbados devem ter dado realidade a fantasmas vagos de sua mente supersticiosa. Aqueles poloneses eram notoriamente instáveis em seu emocional, suscetíveis a histeria em massa e imaginações loucas. O grande Pânico dos Imigrantes de 1853, no qual três casas de bruxas foram queimadas até o chão, nasceu da declaração confusa e histérica de uma mulher que disse haver visto um misterioso estrangeiro, vestido de branco, “retirar o próprio rosto.” O que mais poderia se esperar de tais pessoas, pensou Carson?</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mesmo assim, permaneceu num estado de nervosismo, e não voltou para casa até a tardinha. Ao chegar, encontrou Leigh, o ocultista, esperando, e ficou grato em ver o homem, convidando-o cordialmente para entrar.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Leigh parecia bastante sério. “Ouviu falar de sua amiga Abigail Prinn?” ele perguntou sem maiores preâmbulos, e Carson o fitou, pausando no ato de pôr água filtrada num copo. Após um longo momento, apertou a alavanca, deixando que o líquido chiasse e espumasse no uísque. Passou a Leigh o drinque e preparou um para si – uísque puro – antes de responder à pergunta.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não sei do que você está falando. Ela – o que ela tem feito ultimamente?” perguntou, num ar de leviandade forçada.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Andei checando os registros,” disse Leigh, “e descobri que Abigain Prinn foi enterrada em 14 de dezembro de 1690, no Cemitério da Rua Charter – com uma estaca trespassando seu coração. E imagine só?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não consigo.” Carson falou sem entonação. “E daí?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Daí que – bem, a sua tumba foi aberta e roubada, só isso. A estaca foi encontrada perto, e haviam muitas pegadas em volta. Pegadas de tênis. Você sonhou na última noite, Carson?” Leigh encaixou a pergunta, com os olhos cinzentos e duros.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não sei,” disse Carson confuso, esfregando a testa. “Não consigo lembrar. Estava no cemitério da Rua Charter esta manhã.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Oh. Então você deve ter ouvido falar sobre o homem que – ”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Eu o vi,” interrompeu Carson, enquanto sentia um calafrio. “Fiquei abalado com aquilo.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Engoliu o uísque num só gole.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Leigh ficou observando. “Bem,” disse então, “ainda está determinado a permanecer nesta casa?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson colocou o copo na mesa e endireitou-se.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Por que não?” descontrolou-se. “Há alguma razão pela qual eu não deva permanecer? Hein?” </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Depois do que aconteceu na noite passada – ”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Depois de ter acontecido o quê? Uma tumba foi roubada. Um polonês supersticioso viu os ladrões e morreu de medo. E daí?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Está tentando convencer a si mesmo,” disse Leigh com calma. “Em seu coração, o senhor sabe – o senhor deve saber da verdade. Tornou-se uma ferramenta nas mãos de forças terríveis, Carson. Por três séculos, Abbie Prinn esteve em sua cova – morta-viva – esperando que alguém caísse em sua armadilha – o Quarto da Bruxa. Talvez ela tenha previsto o futuro quando o construiu, pervisto que alguém algum dia encontraria aquela câmara infernal e seria pego na armadilha do padrão de mosaico. Armadilha que te pegou, Carson – e permitiu que aquele horror morto-vivo sobrepujasse o abismo entre consciência e matéria, entrando em contato com você. Hipnotismo é brincadeira de criança para um ser com os poderes assustadores de Abigail Prinn. Ela poderia muito bem forçar você a ir até aquela cova e retirar a estaca que a mantinha cativa, e então apagar a memória desse ato de sua mente, de modo que você não conseguisse lembrar disso, sequer como um sonho!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson havia levantado, os olhos queimando com uma luz estranha. “Em nome de Deus, homem, você sabe de que diabos está falando?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Leigh riu de maneira rude. “Nome de Deus! O nome do diabo, pode dizer – o diabo que ameaça Salem agora; pois Salem corre perigo, correr um terrível perigo. Os homens e mulheres e crianças da cidade que Abbie Prinn amaldiçoou quando foi presa à estaca – e descobriram que ela não podia ser queimada! Estava checando arquivos secretos esta manhã, e vim pedir a você, pela última vez, que deixe esta casa.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Terminou?” Carson perguntou com frieza. “Muito bem. Vou permanecer aqui. Você está insano, ou bêbado, e não conseguirá me impressionar com essa conversa fiada.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Deixaria a casa se eu oferecesse mil dólares?” perguntou Leigh. “Ou mais que isso, então – dez mil? Tenho bastante dinheiro em minhas reservas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não, que coisa!” Carson descontrolou-se num surto repentino de raiva. “Tudo que eu quero é ser deixado em paz, sozinho, para terminar meu romance. Não consigo trabalhar em nenhum outro lugar – não quero trabalhar em outro lugar e não irei – ”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Já esperava isso,” disse Leigh, a voz subitamente quieta, e numa estranha nota de simpatia. “Cara, você não consegue fugir! Está preso na armadilha, e é tarde demais para que você consiga se safar, enquanto Abbie Prinn controlar seu cérebro através do Quarto da Bruxa. E a pior parte do caso é que ela só pode manifestar-se com sua ajuda – ela drena sua forças vitais, Carson, alimenta-se de você como faria um vampiro.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Você está maluco,” disse Carson de maneira embotada.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Eu estou é com medo. O disco de ferro no Quarto da Bruxa – estou com medo daquilo, e do que está debaixo daquilo. Abbie Prinn servia a estranhos deuses, Carson – e eu li algo naquela parede que me deu uma pista. Já ouviu falar de Nyogtha?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson balançou a cabeça, impaciente. Leigh procurou num dos bolsos, e tirou um pedaço de papel. Copiei isto de um livro na Biblioteca Kester,” disse, “um livro chamado Necronomicon, escrito por um homem que esteve tão imerso nos segredos proibidos que era chamado de louco. Leia isto.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>As sobrancelhas de Carson foram unindo-se conforme ele lia o trecho:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<br />
<blockquote class="tr_bq">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Os homens o conhecem como o Habitante das Trevas, aquele irmão dos Antigos chamado Nyogtha, a Coisa que não deveria existir. Ele pode ser invocado à superfície da terra através de certas cavernas e fissuras secretas, e feiticeiros já o avistaram na Síria e abaixo da torre negra de Leng; do Grotão de Thang, na Tartária, ele veio frenético para trazer o terror e a destruição entre os pavilhões do grande Khan. Apenas através da cruz de voltas, do encantamento Vach-Viraj, e do elixir Tikkoun, Nyoghta pode ser expulso para as cavernas noturnas de asquerosidade oculta onde habita."</span></blockquote>
<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Leigh encontrou com calma o olhar confuso de Carson. “Pode compreender agora?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Encantamentos e elixires!” disse Carson, devolvendo o papel. “Mas que baboseira!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">“Longe disso. Esse encantamento e o elixir foram conhecidos de ocultistas e adeptos por milhares de anos. Tive oportunidade de usá-los no passado, em certas – ocasiões. E se estou certo quanto a essa coisa – ” Virou-se para a porta, os lábios compressos numa linha pálida. “Essas manifestações já foram derrotadas antes, mas a dificuldade está em obter o elixir – é muito difícil de conseguir. Mas eu tenho esperanças de que... Eu retornarei depois. Será que consegue manter-se fora do Quarto da Bruxa até que eu volte?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não vou prometer nada,” disse Carson. Sentiu uma vaga dor de cabeça, que viera lentamente crescendo até que penetrasse totalmente em sua consciência, e ele sentiu-se um tanto nauseado. “Adeus.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Conduziu Leigh até a porta e esperou nos degraus, estranhamente relutante em retornar à casa. Ao observar a figura alta do ocultista apressado pela rua, foi interrompido por uma mulher que saíra da casa ao lado. Ela viu Carson, e seus grandes seios inclinaram-se para a frente. Soltou então um berro raivoso e estridente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson voltou-se para ela, fitando-a com olhos surpresos. Sua cabeça latejava dolorosamente. A mulher aproximou-se, balançando um punho gordo de maneira ameaçadora.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Por que você assustou minha Sarah?” gritou a mulher, seu rosto moreno corado de raiva. “Por que a assustou com seus truques idiotas, hein?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson umedeceu os lábios.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Desculpe,” respondeu com bastante vagar. “Desculpe mesmo. Eu não assustei a sua Sarah. Estive em casa o dia todo. O que a assustou?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“A coisa marrom – ela correu para sua casa, Sarah disse – ”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A mulher pausou então, e seu queixo caiu. Os olhos se arregalaram. Ela fez um sinal peculiar com a mão direita – apontando o indicador e o mindinho para Carson, com o polegar cruzado sobre os outros dedos. “A bruxa velha!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Retirou-se com rapidez, murmurando em polonês, numa voz assustadiça.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson voltou-se e entrou na casa. Jogou algum uísque num copo, considerando o que havia acabado de acontecer, e então colocou o copo de lado, sem beber. Começou a vagar pela casa, de vez em quando esfregando a testa com dedos que pareciam secos e quentes. Pensamentos vagos e confusos passavam por sua mente. A cabeça latejava e parecia febril.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Finalmente, acabou descendo para o Quarto da Bruxa. Ficou ali, embora sem trabalhar; pois a dor de cabeça não era tão opressiva na quietude morta da câmara subterrânea. Depois de um tempo, acabou cochilando.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Quanto tempo passou dormindo, não conseguiu precisar. Sonhou com Salem, e com uma coisa negra e gelatinosa, que mal conseguia visualizar, e que varria as ruas com assustadora velocidade, uma coisa similar a uma ameba gigante e tão negra como o ônix, que perseguia e engolfava homens e mulheres que gritavam e tentavam fugir inutilmente. Sonhou com um rosto cadavérico observando o interior de sua mente, um semblante encanecido e murcho onde apenas os olhos pareciam vivos, brilhando com uma luz infernal e maligna.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Finalmente despertou, levantando-se num átimo. Sentia muito frio.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O silêncio era total. À luz do bulbo elétrico, o mosaico verde e púrpura parecia contorcer-se e contrair em sua direção, ilusão que desaparecia conforme a névoa do sono deixava de afetar sua visão. Deu uma olhadela no relógio de pulso. Duas da manhã. Havia dormido à tarde e acordado de madrugada.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sentia-se estranhamente fraco, numa lassidão que o deixava imóvel na cadeira. Parecia que haviam drenado suas forças. O frio penetrante parecia atingir seu próprio cérebro, mas a dor de cabeça havia ido embora. Sua mente estava bastante clara – e era como se estivesse aguardando algo, na expectativa. Um movimento próximo chamou sua atenção.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Uma laje de pedra na parede estava se movendo. Ouviu um suave ruído de arrastamento, e lentamente, uma cavidade negra passou de estreito retângulo a um quadrado. Havia algo agachado ali, na escuridão. Um horror cego e evidente atingiu Carson, enquanto a coisa movia-se e arrastava-se para fora, na direção da luz.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Parecia uma múmia. Por um segundo que pareceu toda uma era intolerável, o pensamento atingiu, assustador, o cérebro de Carson: parecia uma múmia! Era um cadáver magro como um esqueleto, da cor marrom de pergaminho, parecia mesmo como se um esqueleto estivesse usando a pele de algum enorme lagarto, esticada sobre os ossos. A coisa estremeceu, rastejou para frente, e suas unhas longas roçaram de modo plenamente audível contra a pedra. Rastejou em direção ao Quarto da Bruxa, seu rosto sem emoções impiedosamente revelado na luz branca, seus olhos brilhando com a vida do além-túmulo. O escritor podia enxergar o espinhaço serrilhado que destacava-se das costas amarronzadas e encarquilhadas da coisa...</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Carson ficou ali, imóvel. Um horror abissal havia roubado a capacidade de movimento. Parecia preso nos grilhões de uma paralisia de sono, na qual o cérebro, espectador indolente, não conseguia ou não queria transmitir os impulsos nervosos aos músculos. Tentou dizer a si mesmo, freneticamente, que estava sonhando, que precisava acordar.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O horror encarquilhado ergueu-se. Ficou de pé, magro como um esqueleto, e passou para a alcova onde o disco de ferro estava incrustado no chão. Dando as costas a Carson, a coisa parou, e um sussurro seco e raspado farfalhou por sobre o silêncio morto. Ao ouvir aquele som, Carson teria gritado, mas não conseguia. E assim continuou o macabro sussurro, numa linguagem que Carson sabia não pertencer à Terra, e como se reagindo àquele chamado, um tremor quase imperceptível agitou o disco de ferro.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O disco tremeu e começou a levantar-se, muito lentamente, e como se triunfante, o horror emaciado levantou seus braços, que eram esqueléticos como os tubos de uma gaita de foles. O disco havia se erguido quase trinta centímetros, mas continou a elevar-se acima do nível do chão, fazendo com que um odor insidioso começasse a penetrar o aposento. Era um odor vagamente reptiliano, almiscarado e nauseante. O disco erguia-se inexorável, e um pequeno dedo de negrume rastejou por debaixo dele. Carson lembrou-se abruptamente da criatura negra e gelatinosa, que varria as ruas de Salem. Tentou em vão quebrar os grilhões da paralisia que o mantia imóvel. A câmara estava ficando cada vez mais sombria, e uma vertigem negra ameaçava tomar o escritor. O aposento pareceu balançar. E ainda assim o disco de ferro erguia-se; e ainda assim o horror encarquilhado continuava com seus braços esqueléticos erguidos numa bênção blasfema; ainda assim o negrume vazava, num movimento lento de pseudópode.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E então um som quebrou a continuidade do sussurro raspante da múmia, o rápido tamborilar de passos que corriam. No canto periférico de sua visão, Carson viu um homem correndo em direção ao Quarto da Bruxa. Era Leigh, o ocultista, e seus olhos brilhavam em seu rosto de palidez mortal. Passou direto por Carson, para a alcova onde o horror negro assomava à vista.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A coisa encarquilhada virou-se com uma lentidão ameaçadora. Leigh carregava consigo algum implemento na mão esquerda, percebeu Carter, uma cruz ansata de ouro e marfim. Sua mão direita era apertada contra o torso. Haviam pequenas bolhas de suor em seu rosto branco.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>"Ya na kadishtu nil gh'ri... stell'bsna kn'aa Nyogtha.... k'yarnak phlegethor..."</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>As sílabas fantásticas e alienígenas trovejaram, ecoando nas paredes da cripta. Leigh avançava com lentidão, erguendo alto a cruz ansata. E debaixo do disco de ferro, um horror negro espumou para fora!</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O disco se levantou, foi jogado longe, e uma grande onda de negrume iridescente, nem líquido nem sólido, uma horrenda massa gelatinosa, começou a vazar na direção de Leigh. Sem pausar o avanço, ele fez um gesto rápido com a mão direita, e um pequeno tubo de vidro foi lançado contra a coisa negra, e engolido.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O horror disforme pausou. Hesitava, com um horrível ar de indecisão, e então rapidamente retrocedeu. Um fedor sufocante de corrupção cáustica começou a invadir o ar, e Carson viu que grandes pedaços da coisa negra se destacavam, desfazendo-se como se fossem sendo destruídos por um ácido corrosivo. A coisa fugia num espasmo liquescente, deixando para trás fragmentos de uma carne negra e macabra.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Um pseudópode de negrume alongou-se a partir da massa central e como um grande tentáculo, agarrou o ser cadavérico, arrastando-o para o poço para onde retornava e batendo-o nas bordas. Outro tentáculo agarrou o disco de ferro, puxou-o sem esforços pelo chão, e enquanto o horror desaparecia das vistas, o disco recolocava-se num estrondo trovejante.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O quarto rodava à volta de Carson, e uma náusea aterrorizante tomou conta do escritor. Fez um esforço tremendo para levantar-se, e então a luz se apagou com rapidez. A escuridão o possuiu.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O romance de Carson jamais foi terminado. Ele o queimou, mas continuou a escrever, embora nenhuma de suas obras recentes jamais tenha sido publicada. Os editores balançavam a cabeça e ficavam imaginando como um escritor tão brilhante de ficção popular havia tão subitamente se embrenhado no bizarro e no macabro.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“É bastante poderoso,” um deles disse a Carson, devolvendo seu romance, O Deus Negro da Loucura. “Notável à sua própria maneira, mas é mórbido e horrível. Ninguém o compraria. Carson, por que você não volta a escrever o tipo de romance que costumava, do tipo que o fez famoso?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Foi então que Carson quebrou o voto de nunca mencionar o Quarto da Bruxa, e desabafou a história inteira, esperando compreensão e crença da parte do interlocutor. Mas ao terminar, seu coração afundou quando viu o rosto do outro, simpático mas cético.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Você sonhou com tudo isso, não foi?” o homem perguntou, e Carson riu amargamente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Foi – eu sonhei tudo isso.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Deve ter gerado uma impressão terrivelmente vívida em sua mente. Alguns sonhos são assim. Mas você esquecerá isso quando for a hora,” preveu, ao que Carson assentiu.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Percebendo que isso apenas levantaria dúvidas quanto à sua sanidade, o escritor não mencionou a coisa que queimava, indelével, em seu cérebro, o horror que presenciara no Quarto da Bruxa ao despertar de seu desmaio. Antes que ele e Leigh saíssem com pressa da câmara, rostos pálidos e trêmulos, Carson deu uma olhada rápida para trás. Os fragmentos corroídos e encarquilhados que havia visto destacando-se daquele ser de blasfêmia insana haviam de fato desaparecido, embora tenham deixado manchas negras nas pedras. Abbie Prinn talvez houvesse retornado ao inferno que servia, e seu deus inumano retornara a abismos ocultos além da compreensão da humanidade, expulso pelas poderosas forças da magia ancestral que o ocultista dominava. Mas a bruxa havia deixado uma lembrança para trás, uma coisa horrenda que Carson, naquela última olhadela, viu saindo das bordas do disco de ferro, como se erguida numa saudação irônica – aquela mão atrofiada, como se fosse uma garra!</span><br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Originalmente publicado em maio de 1937 na revista WEIRD TALES.<br />
Baixe aqui: <a href="http://pt.scribd.com/doc/102255847/O-Horror-de-Salem-Kuttner-Traducao-Arthur-Ferreira-Jr">http://pt.scribd.com/doc/102255847/O-Horror-de-Salem-Kuttner-Traducao-Arthur-Ferreira-Jr</a><br />
<div>
<br /></div>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-12715992662067463862012-07-01T05:41:00.000-07:002012-07-01T06:16:29.524-07:00IMPRESSÃO FRIA<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;">RAMSEY CAMPBELL</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<blockquote class="tr_bq">
<blockquote class="tr_bq">
<blockquote class="tr_bq">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">…mesmo os servos de Cthulhu não ousam mencionar Y'golonac, pois virá o tempo em que Y'golonac libertar-se-á da solidão das eras para mais uma vez caminhar entre a humanidade...</span></span> </blockquote>
</blockquote>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<blockquote class="tr_bq">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">—REVELAÇÕES DE GLAAKI, VOLUME 12</span></span></blockquote>
</blockquote>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/dsci1683.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/dsci1683.jpg" width="251" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Sam Strutt lambeu seus dedos e os limpou no seu lenço; as pontas de seus dedos estavam cinzentas e sujas de neve da barra da plataforma de ônibus. Então puxou seu livro da sacola de politeno ao seu lado, retirou o tíquete de ônibus do meio das páginas, uniu-o à capa para proteger esta de seus dedos, e começou a ler. Como muitas vezes acontecia, o condutor assumia que o tíquete autorizava a jornada atual de Strutt; e este não o corrigia. Lá fora, a neve rodopiava, descendo pelas ruas laterais e escorrendo por entre as rodas dos carros estacionados.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O barro enlameou suas botas quando saiu da Brichester Central e, escondendo a sacola sob seu casaco para melhor protegê-la, arrastou-se até a banca de livros, quase escorregando nos flocos de neve que se assentavam sobre a rua. As vidraças da banca não estavam bem fechados; a neve havia se infiltrado e caído sobre as brochuras lustrosas. “Olha só isso!” reclamou Strutt com um jovem que estava perto dele e ansiosamente esquadrinhava a multidão, colocando seu pescoço por dentro da gola, como se fosse uma tartaruga. “Não é nojento? Essas pessoas não se importam mesmo!” O jovem, ainda observando os rostos úmidos, concordou de maneira abstraída. Strutt foi ao outro lado da banca, onde o assistente distribuía jornais. “Ei!” chamou Strutt. O assistente, separando troco para um cliente, fez gesto de pedir que esperasse. Sobre as brochuras, pelo vidro esfumaçado, Strutt percebeu o jovem correr e abraçar uma garota, e então gentilmente enxugar o rosto dela com um lenço. Strutt notou o jornal segurado pelo homem que aguardava o troco. Lia-se ASSASSINATO BRUTAL EM IGREJA EM RUÍNAS; na noite anterior um corpo fora encontrado dentro das paredes sem teto de uma igreja de Lower Brichester, quando a neve foi retirada de uma imagem de mármore, revelou macabras mutilações sobre o cadáver, mutilações ovais que pareciam – O homem tomou do jornal e seu troco e saiu para a estação. O assistente voltou-se para Strutt, sorridente: “Desculpe fazê-lo esperar.” “Sim,” disse Strutt. “Você percebe que esses livros estão pegando neve? As pessoas podem querer comprá-los, sabe.” “<i>Você</i> quer comprar um?” respondeu o assistente. Strutt apertou os lábios e voltou-se para o vento que trazia a neve. Por trás dele ouviu o retinir de vidraça contra vidraça.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A banca BONS LIVROS PRA LER NA ESTRADA servia de abrigo a quem passasse; ele fechou a vidraça que batia e começou a checar os livros. Nas prateleiras, os títulos atuais mostravam a capa frontal enquanto outros, a contracapa. Garotas riam próximo a cartões de natal engraçados; um homem de barba por fazer foi pego por uma rajada de vento, cheia de flocos de neve incômodos, e parou, olhando ao redor, incerto. Strutt apertou a língua com os dentes; não deveriam permitir que vagabundos ficassem nas livrarias, sujando os livros. Atento com a visão periférica, para ver se o homem dobraria as capas dos livros, ou quebraria as encadernações, Strutt moveu-se entre as prateleiras, mas não conseguiu achar o que procurava. Porém, conversando com o caixa, estava um assistente que havia conversado com ele, elogiando <i>Noites Violentas no Brooklin</i> quando Strutt comprara esse volume, semana passada, e pacientemente ouvira uma lista das leituras recentes do</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">professor, embora houvesse parecido que ele não reconhecera os títulos. Strutt aproximou-se e inquiriu:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Olá – tem outros livros empolgantes para esta semana?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O homem o fitou, confuso. “Outros...?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Você sabe, livros como este?” Strutt levantou a sacola de politeno para mostrar a capa cinzenta de <i>O Mestre do Chicote</i>, de Hector Q., da editora Ultimate Press.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Ah, não. Acho que não temos.” Tamborilou os lábios. “Exceto – Jean Genet?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Quem? Ah, você quer dizer, Jennet. Não, não, obrigado, ele é chato feito água parada.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Bem, desculpe, senhor, mas acho que não posso ajudá-lo, então.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Oh.” Strutt sentiu-se rejeitado. O homem parecia não tê-lo reconhecido, ou talvez estivesse fingindo. Strutt havia conhecido esse tipo de gente antes, sempre reprovando intimamente seu gênero de leitura. Ele buscou pelas prateleiras novamente, mas nenhuma capa chamou sua atenção. Na porta, desabotoou furtivamente a camisa, para proteger seu livro mais ainda, quando sentiu uma mão descer sobre seu braço. Cheia de gordura, a mão deslizou até tocar sua sacola. Strutt a expulsou com raiva e confrontou o vagabundo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Espera um pouco!” sibilou o homem. “Você está procurando mais livros como esse? Eu sei onde pode encontrar alguns.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Esta abordagem ofendeu o senso orgulhoso de leitura de Strutt, que não tinha razão para ser suprimido. Ele puxou a sacola dos dedos que dela se aproximavam. “Então, gosta desse tipo de literatura também, não é?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Ah, sim, tenho vários.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Strutt fisgou a isca para ver se valia a pena. “Tipo quais?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Oh, <i>Adão e Evandro, Me Leve Onde Quiser</i>, todas as aventuras do Harrison, você sabe, são várias.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Strutt admitiu, resmungando por dentro, que a oferta do sujeito parecia genuína. O assistente os observava; Strutt devolveu o olhar. “Muito bem,” disse. “Onde é esse lugar de que você está falando?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O outro tomou de seu braço e puxou-o com disposição para a neve que soprava. Erguendo sobre os rostos suas golas, os pedestres deslizavam por entre os carros, enquanto esperavam pela remoção de um ônibus que havia derrapado; os flocos de neve esmagavam-se nos cantos dos para-brisas e sobre os limpadores. O homem arrastou Strutt por entre as buzinas que soavam e gritavam, e então por entre duas vitrines de lojas, onde moças fitavam presunçosas enquanto vestiam manequins sem cabeça, e então por um beco. Strutt reconheceu a área como um lugar onde havia procurado em vão por livrarias escondidas; desapontantes alcovas de revistas masculinas, o ocasional hálito quente e pungente de cozinhas, carros cheios de coberturas de neve, bares ruidosos oferecendo calor contra o clima frio. O guia de Strutt esgueirou-se pela porta de um bar público, para espanar o casaco; a camada branca rachou e caiu. Strutt juntou-se ao homem e ajustou o livro em sua sacola, aninhada sob sua camisa. Bateu as botas no chão, para tirar a crosta de neve, parando enquanto o outro seguia; não queria ficar conectado àquele homem, mesmo numa ação tão trivial. Observou com desagrado o companheiro, seu nariz inchado que agora fungava, a barba rala que se mexia nas bochechas que inflavam quando o homem soprava as próprias mãos trêmulas. Strutt tinha horror de tocar qualquer pessoa que não fosse meticulosamente limpa. Além da porta, os flocos de neve já começavam a cobrir suas pegadas, e o homem disse: “Sempre sinto tanta sede, ao caminhar rápido assim.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">“Era esse seu jogo, não era?” Mas a livraria o esperava. Strutt andou pelo bar e pediu duas doses a uma enorme garçonete, de busto arrepiado de frio, que ia e voltava com os copos e girava as torneiras com gosto. Velhos fumavam cachimbo em vagas alcovas, um rádio blaterava marchinhas, os homens segurando canecos alvejavam com jovial imprecisão tanto um jogo de dardos quanto as escarradeiras. Strutt dobrou seu casaco e ficou próximo ao homem; o outro permaneceu como estava e ficou olhando para a própria cerveja. Determinado a não falar, Strutt prestou atenção aos espelhos turvos que refletiam grupos gesticulantes ao redor de mesas lotadas, fora de sua linha de visão direta. Mas gradualmente ficou surpreso com a taciturnidade de seu companheiro de mesa; era certo que essas pessoas (assim pensava ele) eram notavelmente loquazes, na verdade, virtualmente impossíveis de calar a boca? Aquilo era intolerável; sentar à toa num boteco de esquina abafado, quando podia estar caminhando, ou lendo – algo devia ser feito. Engoliu a própria cerveja e bateu com o vidro no protetor de mesa. O outro o imitou. E então, visivelmente embaraçado, começou a bebericar, parecendo estranhamente nervoso. Ficou depois óbvio que o sujeito estava brincando com a espuma, e então pôs o copo na mesa e começou a fitá-lo. “Parece que é hora de irmos andando,” disse Strutt.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O homem olhou para cima; o medo arregalou seus olhos. “Jesus Cristo, eu estou todo molhado,” resmungou. “Levo você lá assim que a neve baixar.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Era esse seu jogo, não era mesmo?” Gritou Strutt. Nos espelhos, alguns olhos o fitaram. “Você não vai tirar esse drinque de mim, a troco de nada! Não vim até aqui pra...!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O homem andou para lá e para cá, encurralado.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Tá bom, tá bom, mas pode ser que eu não encontre o lugar nesse tempo feio.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Strutt achou que essa última frase havia sido idiota demais para merecer resposta. Levantou, e abotoando seu casaco, atravessou as arcadas nevadas, olhando para trás para ter certeza de que estava sendo seguido.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>As últimas vitrines de lojas, e por trás delas pirâmides de latas, marcadas com rótulos mal escritos, eram substituídas por linhas de janelas furtivamente acortinadas, postas em panoramas cansativos de tijolo vermelho; por trás das vidraças, decorações de Natal penduradas como coroas de flores fúnebres. Atravessando a rua, enquadrada pela janela de um quarto, uma mulher de meia-idade puxava as cortinas e escondia o rapaz adolescente em seu ombro. Strutt não perguntou exatamente aonde estavam indo; achava que podia controlar a figura à frente sem falar com ele, e de fato não tinha interesse de falar com o homem quando ele parava, trêmulo, sem dúvida devido ao frio, e voltava a andar, apressado, enquanto Strutt, cinco centímetros mais alto que o metro e setenta do outro, e de melhor físico, continuava a segui-lo. Por um instante, quando um pedaço de neve caindo o empurrou para a rua, os flocos superexpondo o ambiente e cortando suas bochechas como navalhas temporárias de gelo, Strutt ansiou por conversar, falar das noites que passara acordado em seu quarto, ouvindo a filha da senhoria ser espancada pelo pai, no quarto um andar acima, tentando pegar os sons abafados que vinham do ranger de camas, talvez do casal abaixo. Mas esse momento passou, levado pela neve; o fim da rua havia se aberto, separado por uma demarcação em duas pistas acarpetadas de neve grossa, uma virando para esconder-se entre as casas, e a outra mais curta, pegada à rotatória. E agora Strutt sabia onde estava. De um ônibus que pegara antes, naquela semana, havia notado aquela placa de MANTENHA À ESQUERDA jogada inútil sobre a demarcação, sua face voltada para baixo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2YxkXfV4rRtOvRx7y17UAStCPtexUz0LJC7dAW1Bz6ZktK7ZZlNnMFJd-bZL3u2RUf8TEzjPr2Jzfa3M1yI48Wvzqlh7yM2BmjnEr1BQpUfbnHtpVYJvpm246rZnqj66Sbt5O_X9wRlQ/s400/Dark_River_1680%252520x%2525201050%252520widescreen.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2YxkXfV4rRtOvRx7y17UAStCPtexUz0LJC7dAW1Bz6ZktK7ZZlNnMFJd-bZL3u2RUf8TEzjPr2Jzfa3M1yI48Wvzqlh7yM2BmjnEr1BQpUfbnHtpVYJvpm246rZnqj66Sbt5O_X9wRlQ/s320/Dark_River_1680%252520x%2525201050%252520widescreen.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Cruzaram a rotatória, embrenharam-se pelos restos decompostos de relheiras, cheios de poças enganosamente cobertas, acumuladas por trás do rastro de escavadeira de uma obra de restauração do bairro, e adiantaram através do remoinho branco até um trecho de terreno baldio, onde uma fogueira solitária esgotava a força da neve. O guia de Strutt esgueirava-se para dentro de um beco e o professor o seguiu, tencionando manter-se próximo do outro conforme este batia a neve granulada das tampas das latas de lixo e esquivava-se de portões de quintais onde cães arranhavam e grunhiam. O homem virou à esquerda, e então à direita, por entre os paredes próximas e labirínticas, entre casas cujos cantos cruéis das vidraças quebradas e portas oscilantes e tortas, nem mesmo a neve, mais gentil para com prédios do que para com seus ocupantes, pode suavizar. Uma última virada e o homem deslizou para uma calçada sob os restos de uma loja, sua fachada quase vazia, salvo por garrafas de vinho sob um pôster com os dizeres, HEIN 57 VARIET. Uma massa de neve caiu dos frangalhos de toldo, apenas para ser engolida pelo bueiro abaixo. O homem ficou ali tremendo, mas quando Strutt o confrontou, apontou temerosamente para a calçada oposta: “Ali está, já chegamos.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Rastros de lama da neve derretida molharam as calças de Strutt ao atravessar a rua, enquanto este checava mentalmente que, enquanto o homem tentara desorientá-lo, ele havia deduzido qual avenida principal estava a cerca de quinhentos metros dali, e então leu a inscrição por sobre a loja: LIVROS AMERICANOS: COMPRA E VENDA. Tocou uma cerca que protegia uma janela opaca abaixo do nível da rua, deixando uma ferrugem úmida irritá-lo sob as unhas, e observou a vitrine na janela diante de si: <i>História do Flagelo</i> – um livro que achara monótono – dividindo espaço com romances de ficção científica de Aldiss, Rubb e Harrison, que escondiam-se envergonhados por entre capas lascivas; <i>Le Sadisme au Cinéma</i>; o <i>Voyeur</i> de Robbe-Grillet, parecendo estar perdido; <i>Almoço Nu</i> – nada que valesse sua jornada até ali, refletiu Strutt. “Tudo bem, é hora de entrar,” impeliu o homem para dentro, e com uma olhadela por cima do tijolo vermelho erodido na janela do primeiro andar, notando as costas do espelho de penteadeira encaixado para substituir uma vidraça, Strutt também entrou. O outro pausou mais uma vez e por um segundo desagradável, os dedos do rapaz roçaram o casaco úmido do sujeito. “Vamos lá, onde estão os livros?” exigiu, abrindo alas para entrar na loja.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A amarelada luz solar fazia-se ainda mais sombria pela influência da vitrine e das revistas de pin-up penduradas pelo lado de dentro da janela almofadada; a poeira flutuava preguiçosamente pelos raios de luz dispersos. Strutt parou para ler as capas das brochuras enfiadas em caixas de papelão em uma mesa, mas as caixas continham apenas faroestes, fantasias e erotismo americano, vendidos por metade do preço. Fazendo careta diante dos livros que tinham as pontas esticadas como pétalas em flor, Strutt passou pelos encadernados e espiou atrás do balcão, levemente preocupado; quando havia fechado a porta ao passar pelo sino sem lingueta, havia imaginado ouvir um grito em algum lugar próximo, rapidamente contido. Sem dúvida, seria o tipo de coisa que se ouve o tempo todo por aqui, pensou, e voltou-se para o outro: “Bem, eu não vi ainda a razão para ter vindo aqui. Ninguém trabalha nesse lugar?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">De olhos arregalados, o homem fitava para além dos ombros de Strutt; este olhou para trás e viu o painel de vidro fosco de uma porta, um canto do vidro completado com papelão, negro contra uma diáfana luz amarelada, que filtrava-se através do painel. Presumiu ser o escritório do livreiro – será que ele havia ouvido o comentário de Strutt? O professor confrontou a porta, pronto para enfrentar alguma impertinência. Então o homem passou por ele, buscando distraidamente algo por trás do balcão, abrindo descuidadamente uma cristaleira cheia de volumes de sobrecapas de papel marrom, e finalmente extraindo um pacote de papel cinzento de seu esconderijo em um canto da cristaleira. Jogou o pacote para Strutt, resmungando, a pele sob seus olhos pinicando em tiques: “Olha um aí, olha um aí,” e observou Strutt rasgar o pacote.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span><i>A Vida Secreta de Wackford Squeers</i> – “Ah, esse é bom,” aprovou Strutt, distraindo-se momentaneamente e metendo a mão no bolso em busca da carteira; mas dedos gordurentos agarraram seu pulso. “Pague na vez seguinte,” implorou o homem. Strutt hesitou; será que dava pra ficar com o livro sem pagar? Naquele exato momento, uma sombra tremulou por sobre o vidro fosco: um homem sem cabeça, arrastando algo pesado. Decapitado pelo vidro fosco e por sua posição agachada, racionalizou Strutt, percebendo então que o livreiro deveria ter contato com a Ultimate Press; e ele não deveria prejudicar este contato, roubando um livro. Empurrou os dedos frenéticos do sujeito para o lado e contou duas libras; mas o outro recuou, esticando os dedos num visível temor, e escolheu-se contra a porta do escritório, de cujo painel a silhueta de antes havia desaparecido, antes de quase aninhar-se contra o peito de Strutt. O professor o empurrou e deixou as notas no espaço deixado na cristaleira, onde estava antes o <i>Wackford Squeers</i>, e então virou-se para o sujeito: “Não vai embalar o livro? Aliás, não, pensando melhor, eu mesmo faço isso.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O cilindro no balcão soltou de maneira estrondosa uma faixa de papel marrom; Strutt tirou um pedaço descolorido. Ao empacotar o livro, afastando o pé da embalagem anterior, algo caiu no chão. O outro havia recuado até a porta da frente, quando fez um botão solto de seu punho puxou a borda de uma caixa cheia de livros; ficou pasmo diante dos livros espalhados no chão, mãos e boca bem abertas, um pé sobre um romance aberto como se fosse um mariposa pisada, e ao seu redor flutuavam os ciscos de poeira por entre os raios de luz salpicados de neve solta. Em alguma parte, ouviu-se o clique de uma tranca. Strutt respirou fundo, fechou seu pacote com fita adesiva e, rodeando o homem com ar de desagrado, abriu a porta. O frio atacou suas pernas. Começou a subir os degraus e o outro disparou em seguida. O pé do homem estava na soleira da porta, quando passadas fortes aproximaram-se, sentidas no tremer das tábuas. O homem deu meia-volta, e abaixo de Strutt, a porta bateu. Strutt esperou; mas então ocorreu-lhe que poderia se apressar e livrar-se do guia. Alcançou a porta e uma brisa purulenta de neve alfinetou-lhe as bochechas, limpando a poeira velha da loja. Virou o rosto e, chutando a casca de neve que formara-se sobre a manchete de um jornal molhado, dirigiu-se para avenida principal, que ele sabia ser próxima.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/goatswood.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/goatswood.jpg" width="251" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Strutt acordou tremendo. O sinal em neon do lado de fora da janela de seu apartamento, algo clichê, mas teimoso como uma dor de dente, definia-se extravagante contra a noite a cada cinco segundos, e baseado nisso e nas rajadas de vento frio, Strutt soube que era manhãzinha. Fechou novamente os olhos, mas embora suas pálpebras estivessem quentes e pesadas, sua mente não se anuviou. Além dos limites de sua memória, espreitava o sonho que o havia acordado; ele movimentava-se temeroso. Por alguma razão, havia pensado numa passagem de sua leitura noturna anterior: “Quando Adão chegou à porta, sentiu a mão de Evandro agarrar a sua, torcendo seu braço para trás, forçando-o a ajoelhar-se no chão...” Seus olhos abriram-se e buscaram a estante, em busca de alívio; sim, o livro existia, seguro dentro de sua capa, cuidadosamente alinhado a seus companheiros. Lembrou-se de retornar para casa uma noite, para encontrar </span><i style="font-family: Verdana, sans-serif;">Senhorita Whippe, Governanta à Moda Antiga</i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">, enfiado dentro de </span><i style="font-family: Verdana, sans-serif;">Prefeitos e Bichas</i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">, escangalhado dentro de </span><i style="font-family: Verdana, sans-serif;">Prefeitos e Bichas</i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">; a senhoria explicou que ela deve ter substituído erroneamente após a limpeza, mas Strutt sabia que ela os havia danificado de propósito. Comprou uma estante com tranca, e quando a senhoria pediu a chave, ele respondeu: “Obrigado, acho que posso lidar com os livros eu mesmo.” Você não consegue fazer amizades hoje em dia. Ele fechou os olhos novamente; o quarto e a estante, criados em cinco segundos pelo neon e destruídos em igual regularidade, encheram-no de seu vazio, lembrando-o que ainda restavam semanas até o começo do novo período letivo, quando enfrentaria a primeira aula da manhã e adicionaria o “Vocês já me conhecem” à usual apresentação no estilo “Vocês jogam limpo comigo e eu jogo limpo com vocês,” aviso que algum garoto certamente testaria, e Strutt teria de lidar com ele; ele viu a extensão de cadeiras de ginásio espalhadas, lá onde ele bateria um tênis de ginástica com força revigorante – Strutt relaxou; embalado pelo eco totalizante de pés como pilões sobre o chão de madeira do ginásio, o balançar febril das barras de parede quando os rapazes subiam como enxame na direção do teto, e olhando fixamente para cima, acabou adormecendo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ofegando, obrigou-se a fazer os exercícios matutinos, e então bebeu rapidamente o suco de frutas que era sempre sua primeira escolha na bandeja trazido pela filha da senhoria. Maldosamente bateu com o copo ao devolvê-lo à bandeja; o vidro trincou (ele iria dizer que era uma acidente; ele pagava aluguel suficiente para cobrir esse prejuízo, e podia muito bem ter um pouco de satisfação com esse dinheiro). “Imagino que você teve um Natal estupendo,” falou a garota, inspecionando o quarto. Ele pensou em agarrá-la pela cintura e satisfazer aquela feminilidade arrogante – mas ela já havia ido embora, as pregas de sua saia dançando, deixando o estômago de Strutt embrulhado e quente de antecipação.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Depois, arrastou-se até o supermercado. De vários jardins vinha o arranhar de pás limpando a neve, ruído de fazer rangir os dentes; esses sons diminuíam e eram respondidos pelo chiados da neve engolindo as botas que andavam. Quando emergiu do supermercado, abraçado a um monte de latas, uma bola de neve roçou seu rosto para esmagar-se contra a janela, formando uma barba translúcida, que descia pela vidraça como o muco dos narizes daqueles rapazes que mais sentiam a cólera de Strutt, pois ele tinha o propósito de extrair aquela feiura, aquela hediondez, na base dos castigos físicos. Strutt olhou ao redor, buscando quem havia arremessado a bola de neve – um menino de sete anos, que subia em seu triciclo para fugir com rapidez; Strutt moveu-se involuntariamente, como se fosse puxar o garoto para dar-lhe uma surra. Mas a rua não estava deserta; logo a mãe da criança, de bobes saindo por debaixo de um lenço, batia na mão do filho: “Eu te avisei, não faça isso – Desculpe,” dirigiu-se ela a Strutt. “Está bem,” resmungou, e marchou de volta a seu apartamento. Seu coração batia incontrolavelmente. Desejava de maneira febril que pudesse conversar com alguém, como havia conversado com o livreiro dos limites de Goatswood, que compartilhava de seus instintos; quando o homem morrera, no começo daquele ano, Strutt sentira-se abandonado num mundo hostil e de conspiração tácita. Talvez o dono da nova loja pudesse provar-se similarmente simpático? Strutt teve esperanças de que o homem que o havia conduzido até ali não fosse um atendente, mas se ele era, certamente poderia ser alguém de quem se podia livrar – um livreiro com contatos com a Ultimate Press certamente deveria ser alguém similar ao próprio Strutt, que se oporia tanto quanto ele à presença daquele sujeito, enquanto estivessem conversando com franqueza. Além desses devaneios, Strutt precisava de livros para ler naqueles feriados natalinos, e o <i>Squeers</i> não duraria o suficiente; a loja com certeza estaria fechada na Véspera de Natal. Tendo definido seus propósitos, largou as latas na mesa da cozinha e desceu correndo pelas escadas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Strutt saltou do ônibus em silêncio; a barulhada do motor rapidamente foi sumindo e abafou-se por entre as casas cobertas de neve. A neve empilhada aguardava a vinda de algum som. Ele chapinhou por entre os rastros de carros até a calçada, a camada de neve sobre esta marcada por incontáveis pegadas sobrepostas. A rua serpenteava; tão logo a avenida principal estivesse fora de vista, a rua lateral revelava seu verdadeiro caráter. A neve acumulada sobre as entradas das casas tornava-se gasta; protusões enferrujadas surgiam em meio à brancura. Uma ou duas janelas mostravam árvores de Natal, suas carumas envelhecidas caindo, seus galhos encurvados com as luzes voluptuosamente faiscantes. Contudo Strutt não tinha olhos para esses detalhes, mas mantinha seus olhos na calçada, buscando evitar as manchas circuladas por pegadas de cães. Seu olhar acabou encontrando o de uma velha senhora que fitava um ponto abaixo de sua janela, que talvez fosse o limite de seu mundo exterior. Sentindo um calafrio momentâneo, apressou o passo, seguido por uma mulher que, dado o conteúdo de seu carrinho de bebê, havia parido uma pilha de jornais, e parou diante da loja.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Embora o céu alaranjado mal podia iluminar o interior da loja, nenhum brilho elétrico era visível por entre as revistas, e a placa quebrada pendurada por trás do entulho poderia talvez ter escrito a palavra FECHADO. Lentamente, Strutt desceu pelos degraus. O carrinho de bebê rangeu próximo, os últimos flocos de neve espalhando-se por sobre os jornais em seu interior. Strutt fitou sua curiosa proprietária, voltou-se e quase caiu numa súbita escuridão. A porta havia se abrido e uma figura bloqueava o umbral.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não estão fechados, imagino?” falou Strutt com a língua enrolada.</span><br />
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Talvez não. Em que posso ajudá-lo?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-p-dUw-rKJ78SVBnQPZQd3rSjdk9kpeJVkGnmLqCyEZTeYgRV9kTpwUbKifDOw-ne2Gy5FO1FSco5SUQOiJl9oWoc-Z__1nRU8z7bt9vAxymNNdiqyfFCCALDzOspSSNcKP73TKoEhAo/s400/Map.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="214" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-p-dUw-rKJ78SVBnQPZQd3rSjdk9kpeJVkGnmLqCyEZTeYgRV9kTpwUbKifDOw-ne2Gy5FO1FSco5SUQOiJl9oWoc-Z__1nRU8z7bt9vAxymNNdiqyfFCCALDzOspSSNcKP73TKoEhAo/s320/Map.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">“Estive aqui ontem. Livro da Ultimate Press,” respondeu Strutt ao rosto na mesma altura do seu, desconfortavelmente próximo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Claro que esteve, sim, eu lembro.” O outro oscilava sem cessar, como se fosse um atleta fazendo aquecimento, e sua voz variava constantemente de baixo para falsete, o que perturbava Strutt. “Bem, entre antes que a neve te pegue,” disse o outro, e bateu a porta por trás deles, evocando uma nota do fantasma de lingueta do sino.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O livreiro – este deveria ser ele, presumiu Strutt – assomou por detrás dele, uma cabeça mais alto; descendo por entre a meia-luz, entre os vagos e vindicativos cantos das mesas, Strutt sentiu uma obscura compulsão de assegurar-se de alguma forma, e comentou: “Espero que tenha encontrado o dinheiro do livro. Seu homem parecia não querer que eu pagasse. Algumas pessoas teriam levado isso ao pé da letra.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Ele não está hoje conosco.” O livreiro ligou a luz dentro de seu escritório. Quando seu rosto de dobras e linhas gordas recebeu luz, pareceu crescer; os olhos afundaram-se em estrelas flácidas de rugas; as bochechas e a testa rebentaram com tantas linhas de expressão; a cabeça flutuava como um balão inflado pela metade, por sobre o paletó de lã. Por baixo do bulbo luminoso descoberto, as paredes se apertavam, cercando uma mesa bastante desgastada, da qual fluíam cópias cheias de impressões digitais da revista <i>O Livreiro</i>, jogadas de lado por uma máquina datilográfica negra, cheia de poeira, do lado da qual descansavam um toco de cera de lacre e uma caixa de fósforos aberta. Duas cadeiras opostas em cada lado da mesa, e por trás desta uma porta fechada. Strutt sentou-se diante da mesa, espalhando pó pelo chão. O livreiro caminhou de um lado para o outro ao redor de Strutt e subitamente, como se atingido pela própria pergunta, disparou: “Diga-me, por que você lê esses livros?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Aquela era uma pergunta muitas vezes dirigida a Strutt por aquele professor de inglês na sala de docentes, até que parasse de ler seus romances durante os intervalos. O súbito retorno da pergunta o pegou desprevenido, e conseguiu apenas soltar seu velho contra-argumento: “Como assim, por quê? E por que não?</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Eu não estava te criticando,” apressou-se o outro, movendo-se inquieto atrás da mesa. “Estou genuinamente interessado. Eu iria perguntar se você não deseja que o que lê aconteça, de certa forma?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Bem, talvez.” Strutt ficou desconfiado com o rumo que a conversa estava tomando, e desejou poder impor seus próprios termos; mas suas palavras pareciam cair naquele silêncio coberto de neve que escondia-se por dentro das paredes empoeiradas, para desaparecerem de imediato, sem deixar rastros. </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Quero dizer: quando você lê um livro, não o faz acontecer diante de si, dentro de sua mente? Em particular se tentar conscientemente visualizar, mas isto não é o essencial. Você pode afastar-se do livro, é claro. Conheci um livreiro que trabalhava com esta teoria; você não tem muito tempo para ser você mesmo nesse tipo de área, mas quando ele podia, trabalhava na questão, embora nunca a tenha formulado apropriadamente – Espere só um segundo, vou mostrar te uma coisa.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Pulou da mesa para dentro da loja. Strutt imaginou o que estava além da porta por trás da mesa. Semiergueu-se, espreitando para trás, mas viu o livreiro já retornando pelas sombras esvoaçantes, segurando um volume extraído em meio a Lovecrafts e Derleths.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Este aqui tem a ver com seus livros da Ultimate Press, sério,” disse o outro, batendo a porta do escritório ao entrar. “Estarão publicando um livro de Johannes Henricus Pott no ano que vem, assim ouvi falar, e que também trata de sabedorias proibidas, como este aqui; você sem dúvida se encantaria em saber que eles acham que podem deixar algo do Pott no latim original. Este aqui deve interessá-lo, contudo; é a única cópia. Provavelmente, você não conhece as <i>Revelações de Glaaki</i>; é uma espécie de Bíblia escrita sob orientação sobrenatural. Existiram apenas onze volumes – mas este é o duodécimo, escrito por um homem no alto de Mercy Hill, guiado por sonhos.” Sua voz ficou menos firme, conforme continuava a falar. “Não sei como foi que foi que ganhou as ruas; suponho que a família do homem possa tê-lo encontrado em algum sótão, após sua morte, e com ele ganho um punhado de cobres, quem sabe? Meu livreiro – bem, ele conhecia as <i>Revelações</i>, e percebeu que este exemplar era sem preço; mas não queria que o fornecedor percebesse que tinha uma descoberta em mãos e talvez a levasse à biblioteca ou à Universidade, de modo que o tomou como parte de um lote maior e disse que iria usá-lo para rascunho. Quando leu – Bem, havia uma passagem aqui, que parecia ter sido feita especialmente para testar sua teoria. Olhe só.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O livreiro mais uma vez deu a volta por Strutt e colocou o livro em seu colo, seus braços descansando nos ombros do professor. Strutt comprimiu os lábios e deu uma olhadela no rosto do outro; mas alguma força diminuiu, recusando-se a apoiar sua desaprovação, e ele abriu o livro. Era um velho livro-razão, de encadernação craqueante, suas páginas amareladas cobertas por linhas irregulares de finas linhas manuscritas. Por todo o monólogo introdutório, Strutt ficara atônito; agora que o livro estava diante de si, lembrou vagamente daqueles pacotes de folhas datilografadas duplicadas, que eram passadas adiante nos banheiros de sua adolescência, pois “Revelações” sugeria algo proibido. Assim intrigado, leu de maneira aleatória. Ali em Baixo Brichester, o bulbo exposto definia cada pedaço de tinta descascada da porta à sua frente, e mãos moviam-se em seus ombros, mas em alguma parte lá no fundo, sentia-se perseguido através da escuridão, por pegadas vastas e sutis; e quando virou-se para olhar o que era aquilo, uma figura inchada e brilhante já estava sobre ele – Mas o que era tudo aquilo? Uma mão apertava seu ombro esquerdo e a mão direita virava as páginas; e finalmente um dedo sublinhou a seguinte sentença:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<blockquote class="tr_bq">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">Além dum abismo na noite subterrânea, uma passagem leva a uma muralha de tijolos massivos, e além da muralha está Y'golonac, esperando para ser servido pelas esfarrapadas figuras sem olhos da escuridão. Há muito ele tem dormido além da muralha, e aqueles que rastejam por sobre os tijolos passam por sobre seu corpo, sem saber que ali está Y'golonac; mas quando seu nome é pronunciado ou lido, ele atende para ser venerado ou para alimentar-se e assumir a forma e alma daqueles de que se alimenta. Pois aqueles que leem sobre o mal e buscam a forma desse mal dentro de suas mentes convocam o mal, e assim poderá Y'golonac retornar para caminhar entre a humanidade e esperar aquele tempo quando a terra será limpa e Cthulhu ascenderá de sua tumba entre as algas, Glaaki arrebentará o alçapão de cristal, a prole de Eihort nascerá para a luz do dia, Shub-Niggurath forçará e esmagará a lente lunar, Byatis destruirá sua prisão, Daoloth rasgará a ilusão para expor a realidade que está oculta por trás dos véus.</span></blockquote>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>As mãos em seus ombros mudavam constantemente a pressão, afrouxando e apertando. A voz flutuava: “O que achou disso?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Strutt pensou que era um lixo, mas de alguma forma, sua coragem escorregou e se desfez; replicou de maneira bem mais suave: “Bem, não é – não é o tipo de coisa que se vê à venda.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/thumb/6/64/Ygolonac1.jpg/220px-Ygolonac1.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/thumb/6/64/Ygolonac1.jpg/220px-Ygolonac1.jpg" /></a></div>
<span class="Apple-tab-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">“Achou o trecho interessante?” A voz se aprofundava; agora era um baixo arrebatador. O outro rodou para trás da mesa; parecia maior – sua cabeça batia no bulbo, lançando sombras que espreitavam pelos cantos, e recuavam, e mais uma vez espreitavam. “Está interessado?” Sua expressão era intensa, se é que aquilo podia-se chamar de expressão; pois a luz movia as trevas nos buracos de seu rosto, como se a estrutura óssea estivesse visivelmente derretendo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Lá no fundo da mente ofuscada de Strutt, surgiu uma suspeita; ele não ouvira falar de seu querido amigo morto, o livreiro de Goatswood, que um culto de magia negra existia em Brichester, um círculo de jovens dominado por um certo Franklin, ou Franklyn? Será que estava sendo entrevistado para admissão no culto? “Eu não diria isso,” argumentou.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Ouça. Houve um livreiro que leu este trecho, e eu contei a ele que você podia ser o alto sacerdote de Y'golonac. Você convocará os vultos da noite para venerá-lo, em certas épocas do ano; prostrar-se-á diante dele e em troca, sobreviverá quando a terra for limpa para os Grandes Antigos; irá além dos limiar para aquilo que se separa da luz...”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Antes que pudesse terminar, Strutt interrompeu sem pensar: “Vocês estavam falando de mim?” Acabara de perceber que estava sozinho com um louco, num recinto fechado.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não, não, quis dizer o livreiro. Mas a oferta agora é para você.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Bem, desculpe, mas tenho outras coisas para fazer.” Strutt preparou-se para levantar.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Ele também recusou.” O timbre da voz feria os ouvidos de Strutt. “Eu tive de matá-lo.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Strutt congelou. Como lidar com alguém insano? Pacificando-o. “Espere aí, espere aí, espere só um segundo...”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">“Que benefício lhe traria a dúvida? Tenho mais provas à sua disposição do que você seria capaz de suportar. Você será meu alto sacerdote, ou jamais deixará esta sala.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Pela primeira vez em sua vida, enquanto as sombras entre as paredes opressivas moviam-se mais lentas, como se antecipantes, Strutt batalhava para conter uma emoção; submergiu sua mescla de medo e cólera com calma. “Se não se importar, tenho de encontrar uma pessoa.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não quando seu destino está aqui entre essas paredes.” A voz engrossara. “Você sabe que eu matei o livreiro – estava em seus jornais. Ele fugiu para a igreja em ruínas, mas eu o segurei com minhas mãos... E então deixei que o livro na loja para ser lido, mas o único que o pegou, por engano, foi aquele homem que o trouxe aqui... Um tolo! Enlouqueceu e entrou em posição fetal no canto da sala, quando viu as bocas! Eu o mantive porque pensei que ele poderia trazer alguns de seus amigos que chafurdam nos tabus físicos e perdem as verdadeiras experiências, aqueles lugares proibidos ao espírito. Mas ele acabou por contatá-lo e trazê-lo logo quando eu estava me alimentando. Aparece comida aqui, de vez em quando; jovens rapazes que vêm buscando livros, em segredo; eles têm de ter certeza de que ninguém saiba o que estão lendo! – e podem ser persuadidos a ler as <i>Revelações</i>. Imbecil! Ele não pode mais trair-me com seu desleixo – mas eu sabia que você iria retornar. E agora será meu.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Os dentes de Strutt rangiam silenciosamente, até que ele pensou que suas mandíbulas iriam estourar; levantou-se, assentindo a cabeça, e passou o volume das Revelações para a figura; estava pronto para, assim que a mão se fechasse sobre o encadernado, sair correndo pela porta do escritório.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Você não pode sair, sabe disso; está trancado.” O livreiro balançou os pés, mas não fez movimento na direção de Strutt; as sombras agora estavam impiedosamente claras, e a poeira estava suspensa no silêncio. “Você não está sentindo medo – parece ser calculista demais. É possível que ainda não acredite? Tudo bem...” colocou suas mãos na maçaneta da porta por trás da mesa: “...você quer ver o que restou de minha comida?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Uma porta abriu-se na mente de Strutt, e ele recuou horrorizado do que poderia estar além dela. “Não! Não!” gritou. A fúria seguiu-se a sua involuntária demonstração de medo; desejou ter uma bengala, com que subjugar a figura que o intimidava. Julgando por seu rosto, pensou, as massas proeminentes no paletó de lã devem ser de gordura; se eles brigassem, Strutt venceria. “Vamos deixar isto claro,” gritou, “já brincamos demais aqui! Ou você me deixa sair ou eu...” mas encontrou-se procurando uma arma qualquer. Subitamente, pensou no livro que estava ainda em sua mão. Roubou a caixa de fósforos da mesa, por trás da qual a figura observava, ominosamente impassiva. Strutt riscou um fósforo, e então segurou as capas por entre o dedo indicador e o polegar, balançando as páginas. “Eu vou queimar o livro!” ameaçou.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://static.diary.ru/userdir/5/0/7/9/5079/49309187.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://static.diary.ru/userdir/5/0/7/9/5079/49309187.jpg" width="300" /></a></div>
<span class="Apple-tab-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A figura ficou tensa, e Strutt ficou frio de medo de seu movimento seguinte. Ele tocou a chama no papel, e as páginas viraram-se, consumindo-se tão rapidamente que Strutt teve a impressão de fogo brilhante e sombras crescendo instavelmente massivas nas paredes, antes do livro tornar-se cinzas no chão. Por um momento, encararam um ao outro, imóveis. Depois das chamas, uma escuridão correu até os olhos de Strutt. Através dela, ele enxergou o paletó rasgar-se com estrépito, diante da expansão da figura.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Strutt jogou-se contra a porta do escritório, que resistiu. Girou seu punho, e observou num estranho deslocamento atemporal o punho estilhaçar o vidro fosco; o ato pareceu isolá-lo, como se suspendendo toda ação além de si mesmo. Através das facas de vidro, na qual brilhavam gotas de sangue, viu os flocos de neve dançarem na luz âmbar, infinitamente distante; distante demais para que pudesse chamar por ajuda. Assaltou-o um horror de ser seguro por trás. Do fundo do escritório, veio um som; Strutt virou-se, mas ao fazê-lo fechou os olhos, aterrorizado demais para encarar a fonte daquele som – mas quando os abriu, viu a razão pela qual a sombra no vidro fosco, ontem, parecia sem cabeça, e então gritou. Quando a mesa foi jogada para o lado, pela gigantesca figura nua, e cuja pele ainda prendiam-se trapos do paletó de lã, o último pensamento de Strutt fora uma inacreditável convicção de aquilo só estava acontecendo porque ele lera as <i>Revelações</i>; em algum lugar, alguém havia <i>desejado</i> que aquilo acontecesse com ele. Não era justo, ele não fizera nada para merecer aquilo – mas antes que pudesse gritar em protesto, seu fôlego foi cortado, quando as mãos desceram sobre seu rosto e nas palmas, abriram-se bocas úmidas e vermelhas.</span><br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<a href="http://weirdfictionreview.com/wp-content/uploads/2011/12/campbell.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="http://weirdfictionreview.com/wp-content/uploads/2011/12/campbell.jpg" /></a><i>Cold Print </i>originalmente publicado em <b>Tales of the Cthulhu Mythos</b>, 1969.<br />
Também disponível na coletânea de contos do mesmo nome e do mesmo autor.<br />
Esta tradução em PDF:<br />
<a href="http://www.4shared.com/office/FkM5bEuj/Impresso_Fria_-_Ramsay_Campbel.html?">http://www.4shared.com/office/FkM5bEuj/Impresso_Fria_-_Ramsay_Campbel.html?</a>
<br />
<br />
<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Ramsey_Campbell">http://en.wikipedia.org/wiki/Ramsey_Campbell</a>
<br />
<a href="http://www.ramseycampbell.com/">http://www.ramseycampbell.com/</a>
<br />
<br />
RAMSEY CAMPBELL é um autor britânico de ficção de horror, tido por alguns como o sucessor de Lovecraft e o equivalente britânico de Stephen King. Entre suas primeiras criações no campo do horror estão as histórias do Mythos de Cthulhu que, por conselho de August Derleth, passam num cenário britânico fictício chamado Severn Valley, com localidades como Brichester, Goatswood e outras, assim como HP Lovecraft havia desenvolvido o Vale do Miskatonic com Arkham, Dunwich, Innsmouth e Kingsport.Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-85794683513226463892012-06-26T04:17:00.002-07:002012-06-26T04:34:10.715-07:00O ERRANTE DAS ESTRELAS<b style="font-size: x-large;">ROBERT BLOCH</b><br />
<b>(Dedicado a H. P. Lovecraft)</b><br />
<b>Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.</b><br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.dailygalaxy.com/.a/6a00d8341bf7f753ef015393b4edce970b-800wi" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="247" src="http://www.dailygalaxy.com/.a/6a00d8341bf7f753ef015393b4edce970b-800wi" width="320" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;">I</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Eu sou o que professo ser – um escritor de ficção bizarra. Desde a mais tenra infância, fui escravizado pela enigmática fascinação do desconhecido e do indecifrável. Os medos sem nome, os sonhos grotescos, os caprichos mórbidos e quase intuitivos que assombram nossas mentes, sempre causaram em mim um prazer potente e inexplicável.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Na literatura, tenho caminhado pelas trilhas da meia-noite com Poe, ou furtivamente andado pelas sombras com Machen; esquadrinhado os reinos das estrelas horrendas com Baudelaire, ou imerso na loucura interna da terra, entre as histórias da sabedoria antiga. Um talento medíocre em esboços e trabalho com crayon levou-me a tentar rudes pinturas envolvendo os habitantes alienígenas de meus pensamentos noturnos. O mesmo tipo soturno de intelecto que atraiu-me na arte interessava-me nos obscuros reinos da composição musical; as melodias sinfônicas da Suíte dos Planetas e coisas do gênero eram as minhas favoritas. Minha vida interna logo tornou-se um banquete macabro de horrores sobrenaturais e irresistíveis.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Minha existência mundana era comparativamente morna. Conforme passava o tempo, encontrei-me caindo cada vez mais na vida de um recluso pobretão; uma existência tranquila e filosófica entre um mundo de livros e sonhos. </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas um homem tem de viver. Por natureza constitucional e espiritualmente averso ao trabalho manual, a princípio fiquei confuso diante da escolha de uma vocação adequada. A depressão complicou as coisas a um grau quase intolerável, e por um certo tempo, estive perto do total desastre econômico. Foi então que decidi escrever.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Procurei uma máquina de escrever gasta, uma resma de papel barato, e alguns papéis carbono. Que melhor campo, se não os reinos infinitos da imaginação colorida? Poderia escrever sobre horror, medo, e sobre o enigma que é a Morte. Pelo menos, na insensibilidade de minha falta de sofisticação, era isto que eu tencionava.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Minhas primeiras tentativas logo convenceram-me de quão completamente eu havia falhado. Triste e miseravelmente, não havia atingido minha meta aspirada. Meus vívidos sonhos, no papel, tornavam-se amontoados sem sentido de adjetivos ponderosos, e não encontrei palavras comuns para expressar o terror maravilhado do desconhecido. Meus primeiros manuscritos eram documentos miseráveis e fúteis; as poucas revistas que utilizaram tais materiais foram unânimes em sua rejeição.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas eu tinha de viver. De forma lenta, mas constante, comecei a ajustar meu estilo às minhas ideias. Laboriosamente, experimentei com palavras, frases, estruturas de sentenças. Era um trabalho, e um trabalho duro. Logo aprendi a me esforçar. Todavia finalmente uma de minhas histórias foi bem recebida; e então uma segunda, uma terceira e uma quarta. Logo, tive de começar a dominar os truques mais óbvios da área, e o futuro enfim parecia mais brilhante. Foi com a mente menos carregada que voltei à minha vida de sonhos e a meus amados livros. Minhas histórias rendiam-me um viver um tanto apertado, e o por um tempo isto foi suficiente. Mas não por muito tempo. A ambição, essa ilusão eterna, foi a causa de minha ruína.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Almejava escrever uma história real; não do tipo estereotipado e efêmero que aparecia nas revistas, mas uma obra de arte real. A criação de uma obra-prima assim tornou-se meu ideal. Eu não era um bom escritor, mas isto não se devia totalmente a meus erros no estilo mecânico. Na verdade, a falha estava no meu assunto abordado. Vampiros, lobisomens, carniçais, monstros mitológicos – estas coisas constituíam material de parco mérito. Imagética de lugar-comum, tratamento adjetival corriqueiro, e um ponto de vista prosaicamente antropocêntrico eram os principais detrimentos na produção de uma boa história bizarra.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Devo buscar novos assuntos, material de tramas verdadeiramente incomum. Se pelo menos pudesse conceber algo que fosse teratologicamente inacreditável!</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ansiava aprender as canções que os demônios cantam quando rodopiam entre as estrelas, ou ouvir as vozes dos deuses mais antigos quando sussurram seus segredos ao vazio ecoante. Almejava conhecer os terrores do túmulo; o beijo das larvas em minha língua, a fria carícia de uma mortalha apodrecida sobre meu corpo. Tinha sede do conhecimento encontrado nos poços de olhos mumificados, e queimava pela sabedoria conhecida apenas pelo verme. E então poderia de fato escrever, e ter minhas esperanças genuinamente realizadas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Busquei uma forma. Quietamente, comecei a trocar correspondências com pensadores e sonhadores isolados, de todo o país. Havia um eremita nas colinas a oeste, um sábio nas florestas ao norte, um sonhador místico na Nova Inglaterra. Foi deste último que aprendi sobre os antigos livros que detém estranha sabedoria. Ele citava reservadamente o lendário Necronomicon, e falava timidamente de um certo Livro de Eibon, que tinha a reputação de superar o primeiro no caráter totalmente selvagem de suas blasfêmias. O místico em si havia sido estudante desses volumes de temor primordial, mas não gostava da ideia de me ver pesquisando longe demais. Ele ouvira muitas coisas estranhas quando garoto na cidade de Arkham, assombrada pelas bruxas, onde as antigas sombras ainda espreitam e caminham furtivas, e desde então havia sabiamente evitado o conhecimento mais sombrio e proibido.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Após muita pressão de minha parte, ele relutantemente consentiu em prover-me os nomes de certas pessoas que considerava aptas a ajudar em minha busca. Ele era escritor de notável brilhantismo e ampla reputação entre os poucos relevantes, e eu sabia que ele estava avidamente interessado no resultado da demanda em si.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tão logo sua preciosa lista chegou em minhas mãos, comecei uma ampla campanha postal para obter acesso aos volumes desejados. Minhas cartas atingiram universidades, bibliotecas privadas, videntes famosos e os líderes de cultos cuidadosamente ocultos e obscuramente designados. Mas estava fadado ao desapontamento.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>As réplicas que recebia eram definitivamente inamistosas, quase hostis. Ficava evidente que os falados possuidores de tais conhecimentos ficaram irritados com a ideia de seus segredos assim revelados por um espião estranho. Fui subsequentemente alvo de várias ameaças por carta, e pelo menos uma chamada telefônica alarmante. Isto não me incomodou mais que a percepção desapontadora de que minhas empreitadas haviam falhado. Negativas, evasões, recusas, ameaças – estas coisas não me ajudariam. Deveria buscar em outra parte.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Livrarias! Talvez em alguma prateleira embolorada e esquecida pudesse descobrir o que buscava.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Comecei então uma interminável cruzada. Aprendi a suportar meus numerosos desapontamentos com uma calma inabalável. Ninguém no tipo comum de livraria parecia jamais ter ouvido falar do temível Necronomicon, no maligno Livro de Eibon, ou no inquietante Cultes des Goules.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A persistência traz resultados. Numa pequena e velha livraria da South Dearborn Street, entre prateleiras empoeiradas aparentemente esquecidas pelo tempo, cheguei ao fim de minha busca. Ali, seguramente encaixado entre duas edições de Shakespeare datadas de dois séculos, estava um grande volume negro, com adornos protetores de ferro. Sobre ele, em letra manuscrita, estava a inscrição De Vermis Mysteriis, ou, “Os Mistérios do Verme.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O proprietário não sabia dizer como foi que aquele livro havia chegado a sua posse. Anos antes, talvez, tenha sido incluído em algum lote variado, de segunda mão. Obviamente não estava ciente de sua natureza, já que eu o comprei por apenas um dólar. Ele embalou para mim a ponderosa coisa, bastante satisfeito com a venda inesperada, e me deu um satisfeito bom-dia.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://fc09.deviantart.net/fs48/i/2009/211/4/1/Star_Vampire_by_ZS3.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="232" src="http://fc09.deviantart.net/fs48/i/2009/211/4/1/Star_Vampire_by_ZS3.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Saí apressadamente, meu preciso prêmio sob o braço. Que descoberta! Havia ouvido falar antes deste livro. Ludvig Prinn era seu autor, que havia perecido na fogueira inquisitorial em Bruxelas, quando os julgamentos das bruxas estavam em seu auge. Um estranho personagem – alquimista, necromante, reputadamente um mago – gabava-se de ter chegado a uma idade miraculosa, quando finalmente sofreu a imolação flamejante nas mãos do braço secular. Dizia ele ser o único sobrevivente da malfadada Nona Cruzada, exibindo como prova certos documentos embolorados que o atestavam. É verdade que um certo Ludvig Prinn estava entre os cavalheiros vassalos de Montserrat, nas mais antigas crônicas, mas os incrédulos rotularam Ludvig como um impostor insano, embora talvez um descendente direto do guerreiro original.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ludvig atribuía seu aprendizado feiticeiro aos anos que passara cativo entre os magos e taumaturgos da Síria, e falava longamente dos encontros com os gênios e efreets da mitologia do Oriente Médio. Sabe-se que ele passou algum tempo no Egito, e existem lendas entre os dervixes líbios falando dos feitos do velho vidente em Alexandria.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>De qualquer forma, seus dias de declínio foram passados no país flamingo das terras baixas, onde havia nascido e onde residia, apropriadamente, nas ruínas de uma tumba pré-romana erguida na floresta próxima a Bruxelas. Ludvig tinha a reputação de habitar ali entre um enxame de familiares e conjurações temerariamente invocadas. Os manuscritos ainda existentes falam dele de maneira reservada, como sendo atendido por “companheiros invisíveis” e “servos vindos das estrelas.” Os camponeses evitavam a floresta à noite, pois não gostavam de certos ruídos que ressoavam sob a lua, e muito certamente não estavam ansiosos de ver o que andava venerando nos velhos altares pagãos que erodiam em certos bosques mais soturnos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Qualquer que seja a verdade, essas criaturas que ele comandava jamais foram vistas após a captura de Prinn pelos lacaios inquisitoriais. Os soldados perseguidores encontraram a tumba totalmente deserta, muito embora tenha sido saqueada nos mínimos detalhes, antes de sua destruição. As entidades sobrenaturais, os instrumentos e componentes incomuns – todos haviam curiosamente desaparecido. Uma busca nas florestas proibidas e um exame temeroso dos estranhos altares não adicionou informação alguma. Haviam manchas frescas de sangue nos altares, e também na roda de tortura, antes do fim das sessões de questionamento de Prinn. Uma série de torturas particularmente atrozes falharam em suscitar quaisquer revelações adicionais do mago silencioso, e depois de muito os exaustos interrogadores cessaram de tentar e lançaram o envelhecido feiticeiro numa masmorra.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Foi na prisão, enquanto aguardava o julgamento, que escreveu as linhas mórbidas e pressagiosas de horror do De Vermis Mysteriis, conhecido hoje como Mistérios do Verme. Como ele fora contrabandeado para além dos guardas atentos foi em si um mistério, mas um ano após sua morte ele foi impresso em Cologne. Foi imediatamente suprimido, mas umas poucas cópias já haviam sido distribuídas em privado. Estas por sua vez foram transcritas e embora houvesse uma impressão posterior, censurada e deletada, apenas o original em latim é aceito como genuíno. No decorrer dos séculos apenas uns poucos eleitos houveram lido e ponderado sobre seus conhecientos. Os segredos do velho arquimago são conhecidos hoje apenas pelos iniciados, e estes descorajam quaisquer tentativas de espalhar sua fama, movidos por certas razões bastante definidas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Era isto, em resumo, o que eu sabia da história do volume, na época em que ele me caiu nas mãos. Como item de colecionador, apenas, o livro era uma descoberta fenomenal, mas quanto a seus conteúdos, não poderia fazer avaliação. Estava em latim. Já que posso falar ou traduzir apenas umas poucas palavras desse idioma erudito, fui confrontado por uma barreira, tão logo abri as páginas emboloradas. Era enlouquecedor ter tal cofre do tesouro de conhecimento obscuro ao meu dispor e ainda assim carecer da chave que o abriria.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Por um momento entrei em desespero, pois estava indisposto a abordar algum erudito clássico ou entendido em latim, portando livro tão horroroso e blasfemo. Veio então a inspiração. Por que não ir a leste buscar a ajuda de meu amigo? Ele era estudante dos clássicos e estaria menos propenso a ficar chocado com os horrores das revelações nocivas de Prinn. Portanto enderecei a ele uma carta ansiosa, e logo após recebi minha resposta. Ele teria prazer em ajudar-me – eu devia apressar-me em ter com ele.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://pics3.city-data.com/businesses/p/8/4/3/9/5868439.JPG" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="240" src="http://pics3.city-data.com/businesses/p/8/4/3/9/5868439.JPG" width="320" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;">II</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Providence é uma cidade adorável. A casa de meu amigo era antiga e esquisitamente georgiana. O primeiro piso era uma joia da atmosfera colonial. O segundo sob antigos telhados de duas águas que sombreavam a imensa janela, serviam como escritório para meu anfitrião.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Foi ali que ponderamos naquela noite lúgubre e fatídica de fim de abril; ali sob a janela aberta que contemplava o mar azul. Era uma noite sem lua; opressiva e melancólica com sua bruma que enchia a escuridão de sombras quirópteras. Em minha mente posso ainda vê-lo – o minúsculo aposento iluminado por lampião, com uma grande mesa e as cadeiras de espaldar alto; prateleiras delimitando as paredes; manuscritos estocados em arquivos especiais.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Eu e meu amigo sentamos na mesa, com o misterioso volume diante de nós. Seu perfil magro jogava uma perturbadora sombra na parede, e seu rosto de cera era furtivo à luz pálida. Havia um inexplicável ar de portentosa revelação, bastante perturbador em sua potência; eu pressentia a presença de segredos querendo ser revelados.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Meu companheiro também o detectara. Longos anos de experiência ocultista haviam aguçado sua intuição a um espantoso grau. Não fora o frio que o fizera tremer ao sentar na cadeira; não foi a febre que fez seus olhos flamejarem como fogos incrustados como joias. Ele sabia, mesmo antes de abrir o amaldiçoado tomo, que este era malévolo. O cheiro embolorado que sabia daquelas páginas antigas carregava consigo os miasmas da tumba. As folhas estavam mordidas de traças nas bordas, e os ratos haviam roído o couro da capa; ratos que talvez tivessem uma comida mais sórdida como sua ração comum.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Havia contado a meu amigo a história do volume naquela tarde, e desembrulhado o tomo em sua presença. Senti então que ele estava ávido e disposto a uma tradução imediata. Mas agora, punha dificuldades e objeções.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Não seria sábio, insistia ele. Aquele era um conhecimento maligno – quem poderia dizer que segredos temidos até pelo demônio continham aquelas páginas, ou que males poderiam cair sobre o ignorante que buscasse brincar com seu conteúdo? Seria bom não aprender tanto, e homens já haviam morrido por exercer a sabedoria pútrida que aquelas folhas continham. Meu amigo implorou-me para abandonar a busca, enquanto o livro ainda permanecia sem ser aberto, pedindo-me que buscasse minha inspiração em coisas menos insalubres.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Fui um tolo. Desfiz suas objeções com palavras rápidas, vãs e vazias. Eu não tinha medo. Que pelo menos contemplássemos os conteúdos de nosso prêmio. Comecei a virar as páginas. O resultado foi desabonador. Era, afinal de contas, um volume de aparência comum – folhas amareladas e apodrecidas cheias de textos em latim, escritos com letras negras. Isto era tudo; sem ilustrações nem desenhos alarmantes.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Meu amigo não conseguiu resistir mais ao fascínio de tal guloseima bibliófila. Num momento estava olhando por cima de meu ombro, com atenção, ocasionalmente murmurando trechos de frases em latim. O entusiasmo o dominou, finalmente. Agarrando o precioso tomo com ambas as mãos, sentou-se próximo à janela e começou a ler alguns parágrafos aleatórios, de vez em quando traduzindo-os para o inglês.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Seus olhos cintilavam com uma luz feral; seu perfil cadavérico ficou mais tenso, conforme esquadrinhava aquelas runas mofadas. As sentenças trovejavam numa temível litania, e então decaíam em tons abaixo de um sussurro, conforme sua voz ficava tão suave quanto o sibilar de uma víbora. Compreendi apenas algumas frases aqui e ali, pois em sua introspecção, ele parecia haver esquecido de mim. Estava lendo algo sobre feitiços e encantamentos. Lembro de alusões a certos deuses da adivinhação como o Pai Yig, o sombrio Han, e Byatis de barba de serpentes. Senti calafrios, pois já conhecia esses nomes antigos, mas sentiria ainda mais calafrios se ao menos soubesse o que estava para acontecer.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A coisa aconteceu rápido. Subitamente ele voltou-se para mim com grande agitação, sua voz empolgada num tom estridente. Perguntou-me se eu lembrava das lendas da feitiçaria de Prinn, e das histórias dos servos invisíveis que ele ordenava que descessem das estrelas. Assenti, pouco compreendendo a causa de seu súbito frenesi.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele contou-me então a razão. Ali, num capítulo sobre familiares, encontrara uma oração ou feitiço, talvez o mesmo usado por Prinn para convocar seus servos invisíveis de além das estrelas! Deixe-me ouvir o que ele lia.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/starvampire.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/starvampire.jpg" width="224" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sentei ali parvamente, feito um tolo ignorante e estúpido. Por que eu não gritava, tentava escapar, ou arrancava aquele monstruoso manuscrito de suas mãos? Em vez disso sentei ali – sentei enquanto meu amigo, numa voz rebentando de empolgação antinatural, lia em latim uma longa e sonorosamente sinistra invocação.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Tibi, Magnum Innominandum, signa stellarum nigrarum et bufoniformis Sadoquae sigillum.…”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O ritual grasnante prosseguiu, e então alçou voo nas asas de um horror medonho e noturno. As palavras pareciam contorcer-se, como chamas no ar, queimando meu cérebro. Os tons trovejantes soavam ecos no infinito, além da mais distante das estrelas. Pareciam passar por entre portais primevos e adimensionais, buscando um ouvinte para convocá-lo à terra. Seria tudo aquilo uma ilusão? Não parei para pensar em nada.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Pois a convocação involuntária foi respondida. Mal a voz de meu companheiro se calara, naquele pequeno aposento, veio o terror. O aposento ficou frio. Um súbito vento gritou pela janela aberta; um vento que não era da terra. Trazia um mal que balia de longe, e com esse som, a face de meu amigo tornou-se uma pálida máscara branca de horror recém-desperto. Então houve um rachar nas paredes, e o peitoril da janela ruiu diante de meus olhos arregalados. Daquele nada além da abertura veio uma súbita explosão de gargalhada lúbrica – uma risadaria histérica, nascida da loucura completa e avassaladora. Subiu até a mais casqueante quintessência de todo horror, horror sem uma boca que o proferisse.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O resto aconteceu com apavorante rapidez. Num átimo, meu amigo começou a gritar, perto da janela; gritar e agitar selvagemente as mãos no ar vazio. À luz do lampião, vi suas feições contorcerem-se num esgar de agonia insana. Um momento depois, seu corpo ergueu-se do chão, sem que nada o estivesse segurando, e começou a torcer-se para trás, num ângulo capaz de quebrar-lhe as costas. Um segundo mais tarde, veio o nauseante som de ossos quebrados. Sua forma agora pairava no próprio ar, olhos vidrados e mãos apertando convulsivamente algo que parecia invisível. Mais uma vez atroou o som de escárnio maníaco, mas daquela vez dentro do quarto!</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>As estrelas moviam-se numa angústia vermelha; o vento frio matraqueava em meus ouvidos. Aninhei-me em minha cadeira, olhos pregados naquela espantosa cena. Meu amigo agora estava guinchando; seus gritos misturavam-se à exultante e atroz gargalhada que vinha do ar vazio. Seu corpo pendurado, pendulando no espaço, mais uma vez contorceu-se e brotou sangue de seu pescoço rasgado, esguichando como se de uma fonte de rubis.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Esse sangue jamais alcançou o chão. Parou em meio ao ar, e a gargalhada cessou, substituída por um nojento ruído de sucção. Imerso num novo e acelerado horror, percebi que o sangue estava sendo drenado para alimentar a invisível entidade do além! Que criatura do espaço havia sido tão súbita e involuntariamente invocada? O que era aquela monstruosidade vampírica que eu não conseguia enxergar?</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Naquele momento uma horrível metamorfose começou a acontecer. O corpo de meu companheiro ficou murcho, emaciado, sem vida. Finalmente foi jogado ao chão e ficou lá, repugnantemente imóvel. Mas no próprio ar, outra mudança, ainda mais macabra, começou a ocorrer.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Um brilho avermelhado encheu o canto da janela – um brilho sangrento. Lenta, mas constantemente, os contornos vagos de uma Presença começaram a se exibir; os contornos sujos de sangue daquele invisível e desengonçado errante das estrelas. Era vermelho e gotejante; uma imensidade de geleia pulsante se movia; uma bolha escarlate e suas miríades de trombas tentaculares, que se mexiam, e se mexiam... Haviam ventosas nas pontas dos apêndices, e estes abriam e fechavam numa volúpia carniceira... A coisa era inchada e obscena; uma massa sem cabeça, nem rosto, nem olhos, de mandíbula voraz e as garras titânicas de um monstro nascido nas estrelas. O sangue humano do qual havia se alimentado revelava os contornos até então invisíveis da coisa que se banqueteava. Não era uma visão própria para olhos de gente sã.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Felizmente para meu estado mental, a criatura não se demorou. Abandonando a coisa morta, cadavérica e mole no chão, com decisão voltou-se para a abertura. Nela desapareceu, e ouvi sua risada zombeteira à distância, flutuando nas asas do vento, enquanto ele reentrava nos abismos de onde havia vindo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/132095428556.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="260" src="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/132095428556.jpg" width="320" /></a></div>
<span class="Apple-tab-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Isto foi tudo. Fui deixado sozinho no aposento, com aquele corpo mole e sem vida a meus pés. O livro havia desaparecido; mas haviam impressões sangrentas na parede, poças de sangue no chão, e o rosto de meu pobre amigo era uma massa sangrenta, que morta fitava as estrelas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Por um longo período de tempo, sentei sozinho, em silêncio, antes que ateasse fogo ao aposento e a tudo que ele continha. Depois disso, saí correndo, rindo, pois eu sabia que as chamas erradicariam todo traço do que permanecia ali. Havia chegado pouco antes, naquela tarde, e ninguém me conhecia, e ninguém havia me visto, e parti antes que as chamas brilhantes me denunciassem. Tropecei por horas por entre as ruas tortuosas, e rebentava numa gargalhada contínua e idiota toda vez que olhava para as estrelas sempre vigilantes, sempre ardentes, que observavam-me furtivamente através dos rolos de névoa assombrada.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Depois de muito tempo acalmei-me e tomei um trem. Permaneci calmo durante toda a longa jornada para casa, e calmo permaneci enquanto escrevi este relato. Até mesmo permaneci calmo quando li sobre a curiosa morte acidental de meu amigo, no fogo que destruíra sua morada. É somente nas noites em que as estrelas brilham, que os sonhos devolvem-me a um gigantesco labirinto de medos frenéticos. E então me afundo nas drogas, numa vã tentativa de banir essas memórias insistentes de meus sonhos. Mas na verdade não me importo, pois sei que não permanecerei aqui por muito tempo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tenho uma curiosa desconfiança de que verei novamente o errante das estrelas. Penso que ele retornará logo, mesmo sem ser convocado de novo, e sei que quando ele vier, me perseguirá e me carregará para a escuridão que abriga meu amigo. Às vezes eu quase anseio pelo advento desse dia, pois nele desvendarei de uma vez por todas os Mistérios do Verme.</span><br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://youjivinmeturkey.files.wordpress.com/2012/01/robert-bloch.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://youjivinmeturkey.files.wordpress.com/2012/01/robert-bloch.jpg" /></a></div>
<b>The Shambler From the Stars</b><br />
Originalmente publicado na revista Weird Tales de setembro de 1935.<br />
<br />
<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Bloch">http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Bloch</a>
<br />
<br />
<b>Robert Bloch </b>escreveu este conto com 18 anos e nem mesmo foi o seu primeiro. Recebeu "autorização por escrito" de HP Lovecraft para assassiná-lo na história. Seu estilo mais tarde se desviou do horror cósmico e sua obra mais popular e famosa é "Psicose", que originou o filme hitchcockiano.Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-38370335640205793892012-06-25T04:22:00.001-07:002012-06-25T04:45:01.066-07:00O RETORNO DE HASTUR - Parte Final<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://davidjrodger.files.wordpress.com/2011/01/hastur-copyright-wizards-of-the-coast.jpg?w=614" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://davidjrodger.files.wordpress.com/2011/01/hastur-copyright-wizards-of-the-coast.jpg?w=614" width="263" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;">V</span><br />
<span style="background-color: white; font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Chego agora àquela porção de minha narrativa que temo iniciar, não apenas devido à credibilidade do que devo escrever, como porque, na melhor das hipóteses, será um registro vago e incerto, repleto de inferências e evidências notáveis, embora desconexas, de um mal ancilário e pleno de horror, vindo de além do tempo, de coisas primais vagando logo após os limites da vida comum que conhecemos, de sobrevivências animadas terríveis nos lugares ocultos da Terra. O quanto disto Tuttle aprendeu daqueles textos infernais que confiou-me para que eu os enviasse às prateleiras proibidas da Biblioteca da Universidade Miskatonic, não sei. Certo é que ele deduziu muitas coisas que não sabia até que fosse muito tarde; de outras teve pistas, embora haja dúvida que ele tenha compreendido totalmente a magnitude da tarefa a qual tão descuidadamente se propusera, quando buscou descobrir a razão por trás da ordem de deliberada destruição dos livros e da casa de Amos Tuttle.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Logo após meu retorno às antigas ruas de Arkham, os eventos sucederam com indesejada rapidez. Depositei o pacote de livros na biblioteca com o dr. Llanfer, e imediatamente parti para a casa do Juiz Wilton, onde fui feliz em encontrá-lo. Ele estava para começar a jantar, e convidou-me para juntar-me a ele, o que aceitei, embora não tivesse apetite algum; de fato toda comida parecia-me repugnante. Naquele momento todos os medos e dúvidas intangíveis que havia guardado conflitavam dentro de mim, e Wilton percebeu logo que eu estava sob grave e incomum estresse nervoso.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Coisa curiosa o incidente da cripta Tuttle, não é mesmo?” comentou com destreza, adivinhando a razão de minha presença em Arkham.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Sim, mas não mais curiosa que as circunstâncias da reposição do corpo de Amos Tuttle aos pés de seu jardim,” respondi.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“De fato,” disse ele sem sinais visíveis de interesse, sua calma servindo para restaurar algum senso de tranquilidade em mim. “Ouso dizer que você veio de lá e sabe exatamente do que está falando.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Neste ponto, relatei o mais brevemente possível a história que havia vindo contar, omitindo apenas uns detalhes mais improváveis, mas não tendo sucesso total em afastar suas dúvidas, embora ele fosse educado demais para permitir que essas dúvidas fossem forçadas sobre mim. Ele sentou um pouco, num silêncio pensativo, depois que terminei, fitando uma ou duas vezes o relógio, que mostrava que a hora já havia passado das sete. Interrompeu então seu devaneio para sugerir que eu telefonasse à Lewiston House e arranjasse para que qualquer chamada para mim fosse transferida para a casa do juiz Wilton. Fiz isto de imediato, um tanto aliviado com o fato dele ter consentido em levar o problema a sério o suficiente para devotar sua noite a ele.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Quanto à mitologia,” disse ele, logo após eu retornar à sala, “pode ser descartada como uma criação de uma mente louca, a do árabe Abdul Alhazred. Eu havia aconselhado sobre isso, mas à luz das coisas que aconteceram em Innsmouth, talvez fosse melhor que não apostar em nada. Contudo, eu não estava presente na sessão. A preocupação imediata é o próprio Paul Tuttle; proponho que examinemos suas instruções de antemão.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mostrei o envelope e o abri. Continha apenas uma folha de papel, com as seguintes linhas enigmáticas e agourentas:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Minei a casa e o terreno. Vá imediatamente, sem demora, ao portão do pasto, a oeste da casa, onde, no arbusto do lado direito da pista próxima a Arkham, escondi o detonador. Meu Tio Amos estava certo – isto deveria ter sido feito desde o começo. Se você me falhar, Haddon, então, diante de Deus, terá solto na terra um tal flagelo como o homem jamais conheceu e jamais verá novamente – se de fato o homem sobreviver a ele!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Uma amostra daquela verdade cataclísmica deve ter, naquele momento, começado a penetrar minha mente, pois quando o juiz Wilton acabou de ler o trecho, fitou-me embaraçado e perguntou, “O que irá fazer?” Respondi sem hesitar: “Vou seguir estas instruções ao pé da letra!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele observou-me por um momento, sem comentar; e então aceitou o inevitável e afastou-se. “Devemos então esperar as dez da noite, juntos,” disse gravemente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O ato final do incrível horror que teve seu ponto focal da casa Tuttle ocorreu pouco antes das dez, caindo sobre nós, em seu início, de maneira tão desconcertantemente prosaica, que o horror total, quando veio, foi sem dúvida chocante e profundo. Pois às cinco para as dez, o telefone tocou. O juiz Wilton pegou do aparelho e mesmo de onde eu estava sentado consegui ouvir a voz em agonia de Paul Tuttle, chamando meu nome.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tomei o telefone da mão do juiz Wilton.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://images.epilogue.net/users/ggentry/Priest.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="260" src="http://images.epilogue.net/users/ggentry/Priest.jpg" width="320" /></a></div>
<span class="Apple-tab-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">“É Haddon,” disse numa calma que não sentia. “Que foi, Paul?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Faça-o!” gritou. “Oh, Deus, Haddon – faça-o agora – antes... tarde demais. Oh, Deus – o refúgio! O refúgio!... Você conhece o lugar... portão do pasto. Oh, Deus, seja rápido!...” E então aconteceu aquilo que jamais esquecerei; a súbita e terrível transformação de sua voz, de modo que foi como se ela entrasse em colapso e degenerasse em balbucios abismais; pois os sons que vieram pelo fio eram bestiais e grosseiros, sons brutais e salivantes, dentre os quais alguns se repetiam e se repetiam, e eu ouvia num horror cada vez maior aquele matraquear triunfante, antes que ele se fosse:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Iä! Iä! Hastur! Ugh! Ugh! Iä Hastur cf’ayak ’vulgtmm, vugtlagln vulgtmm! Ai! Shub-Niggurath!... Hastur – Hastur cf’tagn! Iä! Iä! Hastur!...”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E então, abruptamente, todo som se calou, e voltei-me para presenciar as feições aterrorizadas do juiz Wilton. E ainda assim não o havia visto, nem havia visto qualquer coisa que, em minha compreensão, devesse ser feita; pois abruptamente, com efeito cataclísmico, compreendi o que Tuttle havia falhado em descobrir, até que fosse tarde demais. E num ímpeto, desliguei o telefone; saí correndo da casa para a rua, sem chapéu nem casaco, com o som do juiz Wilton chamando a polícia pelo telefone, ainda ecoando na noite atrás de mim. Corri numa velocidade antinatural das ruas sombrias e assombradas da cidade de Arkham, amaldiçoada pelas bruxas, para noite de outubro da Estrada Aylesbury, direto pela pista e pelo portão do pasto, onde por um breve instante, ouvi as sirenes soarem por trás de mim, e vi a casa Tuttle através do jardim, delineada num infernal brilho púrpura, bela, mas ainda assim, alienígena e tangivelmente maligna.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Empurrei então o detonador, e com um tremendo rugido, a velha casa explodiu em pedaços, e as chamas saltaram de onde a casa um dia havia estado. Por uns poucos momentos atônitos fiquei ali, subitamente ciente da chegada da polícia pela estrada ao sul da casa, antes de começar a mover-me na direção deles, e ver assim que a explosão havia conseguido o que Paul Tuttle havia imaginado: o colapso das cavernas subterrâneas sob a casa; pois a própria terra estava se assentando, deslocando-se para baixo, e as chamas que subiam chiavam e ferviam na água que irrompia ali embaixo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.popanime.net/megami/wiki/images/thumb/a/af/Hastur.jpg/180px-Hastur.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="http://www.popanime.net/megami/wiki/images/thumb/a/af/Hastur.jpg/180px-Hastur.jpg" /></a></div>
<span class="Apple-tab-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Foi então que aconteceu outra coisa – o último horror alienígena, que misericordiosamente bloqueou o que eu vi nas ruínas que se juntavam sobre as águas em inundação – a grande massa protoplásmica saída do centro do lago formado onde estava antes a casa Tuttle, e a coisa que veio gritando contra nós pelo jardim, antes que encarasse a outra e começasse uma batalha titânica pelo domínio, interrompida apenas pela brilhante explosão de luz que pareceu emanar do céu a leste, como um feixe de relâmpago incrivelmente poderoso; uma tremenda descarga de energia em forma de luz, de modo que por um horrendo momento tudo se revelou – antes que apêndices relampejantes caíssem como se do coração do próprio pilar de luz, um abarcando a massa nas águas, e jogando-a para longe no mar, o outro agarrando aquela segunda coisa no jardim e lançando-a ao céu, numa mancha negra que diminuía, onde desapareceu entre as estrelas eternas! E então veio aquele silêncio cósmico e absoluto, e onde um momento antes, este milagre de luz acontecera, estava apenas a escuridão e a linha de árvores contra o céu, e baixo no leste, o olho brilhante de Betelgeuse, em Órion ascendia na noite de outono.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Por um instante, não sabia o que era pior – o caos do momento anterior, ou o silêncio completo e sombrio do momento presente; mas os pequenos gritos dos homens horrorizados fizeram-me recuperar a vontade, e notei então que, pelo menos eles não compreenderam o horror secreto, a coisa final que cauteriza e enlouquece, a coisa que ascende nas horas negras para espreitar as profundezas sem fundo da mente. Eles podem ter ouvido, como eu ouvi, aquele som agudo e distante de assobio, aquela ululação enlouquecedora vinda do golfo imensurável e profundo do espaço cósmico, a lamúria que desceu com o vento, e as sílabas que flutuaram pelas correntes de ar: Tekeli-li, tekeli-li, tekeli-li... E certamente viram a coisa que veio gritando conosco, vinda das ruínas que afundavam lá embaixo, a caricatura distorcida de um ser humano, com seus olhos caídos na invisibilidade, em massas grosseiras de carne escamosa, a coisa que balançava seus braços sem ossos contra nós, como os apêndices de um polvo, a coisa que berrava e matraqueava com a voz de Paul Tuttle!</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas eles não podiam saber o segredo que só eu sabia, o segredo que Amos Tuttle deve ter imaginado nas sombras de suas últimas horas, a coisa que Paul Tuttle demorou demais para descobrir: que o refúgio buscado por Hastur, o Inominável, o refúgio prometido Àquele Que Não Deve Ser Nomeado, não era o túnel, nem era a casa, mas o corpo e a alma de Amos Tuttle em pessoa, e caso estes não estivessem dispostos, a carne viva e a alma imortal daquele que vivesse naquela casa amaldiçoada na Estrada Aylesbury!</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://images4.wikia.nocookie.net/__cb20080818102946/uncyclopedia/images/a/af/Hastur.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="520" src="http://images4.wikia.nocookie.net/__cb20080818102946/uncyclopedia/images/a/af/Hastur.jpg" width="640" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O conto completo pode ser encontrado no seguinte link:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><a href="http://www.4shared.com/office/pCxMl1a8/o_retorno_de_hastur_-_derleth_.html?">O RETORNO DE HASTUR - August Derleth - Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.</a></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5DXndeg-7qwGNTLTb1-gIwsPYWmr6spGQxsu9n5B58d0_JYziuL61GHRKb6COYIDfp5ch6luNg3Weh8u8EJdXhq2UTxcZ65Sw8LFK8sNs2sYhTKDMi8c18pRofPLlpsXLiYu2wQHWFYni/s1600/derleth.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5DXndeg-7qwGNTLTb1-gIwsPYWmr6spGQxsu9n5B58d0_JYziuL61GHRKb6COYIDfp5ch6luNg3Weh8u8EJdXhq2UTxcZ65Sw8LFK8sNs2sYhTKDMi8c18pRofPLlpsXLiYu2wQHWFYni/s320/derleth.jpg" width="265" /></a><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>THE RETURN OF HASTUR</b> foi publicado originalmente pela Arkham House no livro "THE MASKS OF CTHULHU", em 1958.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br />
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">AUGUST DERLETH</b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> foi um escritor de muitos gêneros, porém é mais lembrado por suas contribuições ao Mythos de Cthulhu. Além de inserir alguns conceitos de sua criação (o "elementalismo" e o "dualismo dos Deuses Anciões" vistos pela primeira vez no conto acima, Derleth foi responsável por popularizar o Mythos e a obra de HP Lovecraft, com a criação da editora Arkham House e a continuação do estímulo a novos escritores de horror cósmico.</span><br />
<span style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A tradução acima </span><b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">não</b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> é um desafio aos direitos do autor, mas uma amostra de sua obra no idioma português, no qual não é encontrado facilmente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/August_Derleth">http://en.wikipedia.org/wiki/August_Derleth</a>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-3921594487909568592012-06-24T05:43:00.000-07:002012-06-24T05:54:05.190-07:00O RETORNO DE HASTUR - Partes III e IV<b style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-large;">August Derleth</b><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkiS4ViAzsmDcJ80sr4RxDflf8_Ai3Odnd2hxB_mNBMxKUe-2c1egB47wUlrjl79NQXBV2oGTz3OkmFPLNl0lnQ2KzLevyRppUDN9SrULlasYRAKZo2SoF5iEcyu__8iM30jFoYCYPwM4/s1600/Hastur.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkiS4ViAzsmDcJ80sr4RxDflf8_Ai3Odnd2hxB_mNBMxKUe-2c1egB47wUlrjl79NQXBV2oGTz3OkmFPLNl0lnQ2KzLevyRppUDN9SrULlasYRAKZo2SoF5iEcyu__8iM30jFoYCYPwM4/s320/Hastur.jpg" width="220" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;">III</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Com isto, mudou abruptamente de assunto; começou a perguntar-me coisas sobre mim e meu escritório, e quando eu levantei, pediu-me para passar a noite ali. Isto finalmente consenti, e com alguma relutância, após o que ele saiu para preparar um aposento para mim. Tomei a oportunidade que se revelou para examinar sua mesa com mais vagar, buscando o Necronomicon que havia sumido da Universidade Miskatonic. Não estava em sua mesa, mas, passando às prateleiras, encontrei-o. Havia justamente tomado do livro para examiná-lo para ter certeza de sua identidade, quando Tuttle reentrou no aposentou. Seus olhos rápidos voltaram-se para o livro em minhas mãos, e ele fez um sorriso de canto de boca.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Gostaria que você devolvesse isso ao dr. Llanfer, quando sair amanhã de manhã, Haddon,” falou casualmente. “Agora que copiei o texto, não tenho mais uso para ele.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Farei com gosto,” disse, alivado que a questão havia se resolvido com tamanha facilidade.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Logo após, retirei-me para o aposento no segundo andar, que ele havia preparado para mim. Paul acompanhou-me até a porta e então fez uma pausa rápida, incerto com alguma coisa na ponta da língua, que não permitia passar pelos lábios; pois virou-se uma ou duas vezes, deu-me boa-noite antes de falar aquilo que pesava em sua mente: “Por sinal – se ouvir alguma coisa de noite, não fique alarmado, Haddon. O que quer que seja, é inofensivo – ainda.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Não foi senão até ele ter saído e eu ter ficado sozinho em meu quarto, que o significado do que ele falou, e a forma como ele o falara, ficaram claros. Veio-me a ideia de que esta era a confirmação dos rumores terríveis que haviam enchido Arkham, e que Tuttle comentara o assunto com uma ponta de medo. Despi-me vagarosa e pensativamente, sem desviar um só instante da preocupação com a estranha mitologia dos livros antigos de Amos Tuttle, que enchiam minha cabeça. Nunca fui de fazer julgamentos precipitados e certamente não os faria naquele momento; apesar do aparente absurdo da estrutura, era ainda assim suficientemente bem formulada, de modo a merecer mais que um escrutínio casual. E ficara claro para mim que Tuttle estava mais que meio convencido de sua verdade. Isto, por si só, me fez pensar, pois Paul Tuttle havia distinguido-se inúmeras vezes pela cabalidade de suas pesquisas, e seus artigos publicados não foram desafiados nem sequer nos menores detalhes. Como resultado de pesar estes fatos, estava preparado para admitir que pelo menos haveria alguma base para a estrutura mitológica que Tuttle me delineara, mas quanto à sua verdade ou falsidade, estava claro que, naquele momento eu estava em posição de comprometer-me, mesmo que guardasse isso apenas para mim; pois uma vez que um homem aceita ou condena algo em sua mente, é duplamente, não, triplamente difícil livrar-se de sua própria conclusão, por mais infeliz que ela subsequentemente prove ser.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Pensando nisso, fui para a cama, e nela deitei esperando o sono. A noite se aprofundou e escureceu, embora eu pudesse enxergar, através da tênue cortina na janela, que as estrelas estavam visíveis, Andrômeda alta no leste, e as constelações do outono começando a tomar o céu.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Estava no limiar do sono, quando fui desperto violentamente por um som que já estava audível há algum tempo, mas que só então chegara ao ponto de assolar-me com toda sua significância: o passo levemente trêmulo de alguma criatura gigantesca, vibrando por toda a casa, embora o som não viesse de dentro da casa, mas do leste, e por um momento confuso pensei em algo levantando-se do mar, e andando pela praia, sobre a areia molhada.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas esta ilusão passou quando ergui-me pelos cotovelos e ouvi com mais atenção. Por um momento, não ouvi som algum; e então veio novamente, irregular, quebrado – um passo, uma pausa, dois passos em rápida sucessão, um estranho ruído de sucção. Perturbado, levantei de vez e fui à janela aberta. A noite estava quente, e o ar parado, quase opressivo; bem longe, ao nordeste, um raio cortava um arco sobre o céu, e do norte distante vinha o zumbido leve de de um avião noturno. Já passava da meia-noite; baixas no leste, brilhavam a vermelha Aldebarã e as Plêiades, mas naquele momento, ao contrário de depois, não conectei os distúrbios que ouvi com a aparição da Híades sobre o horizonte.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Enquanto isso os estranhos sons continuavam sem cessar, e ocorreu-me que, naquele momento, estavam de fato se aproximando da casa, embora com progresso lento. E vinham da direção do mar, sem dúvida, pois naquele local não haviam configurações de terra que pudessem desviar o foco direcional dos sons. Comecei a pensar novamente naqueles sons parecidos, que ouvi quando o corpo de Amos Tuttle estava na casa, embora não lembrasse então que, muito embora as Híades fossem visíveis agora no leste, naquela época pousavam no oeste. Se havia qualquer diferença na maneira de aproximação, não conseguia discernir, a não ser o fato de que os distúrbios pareciam de certa forma mais próximos, mas era menos uma proximidade física que uma proximidade psíquica. Esta convicção era tão forte, que comecei a sentir um crescente desconforto, sem dúvida misturado ao medo; comecei a experimentar uma inquietude selvagem, um desejo por companhia; e corri rapidamente para a porta de meu quarto, abri-a e passei logo para o corredor, buscando meu anfitrião.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas agora, uma nova descoberta se revelava. Enquanto estava no meu quarto, os sons que ouvira pareciam inquestionavelmente vir do leste, não obstante os leves e quase intangíveis tremores parecerem sacudir por toda a casa velha; mas ali, na escuridão do corredor, onde havia parado sem qualquer tipo de luz, fiquei ciente de que os sons e tremores emanavam de alguma parte abaixo – não de qualquer lugar na casa, mas abaixo dela – ascendendo como que de lugares subterrâneos. Minha tensão nervosa aumentou, e fiquei ali incerto, tentando perceber o que acontecia no escuro, quando percebi, na direção da escada, uma tênue radiância, vinda de baixo. Fui em sua direção, sem fazer ruídos, e ao olhar por sobre o corrimão, vi que a luz vinha de um lampião elétrico na mão de Paul Tuttle. Ele estava em pé, no corredor inferior, vestido de roupão, embora ficasse claro, mesmo de onde eu estava, que ele não havia removido suas roupas anteriores. A luz que caía sobre seu rosto revelava a intensidade de sua atenção; sua cabeça se voltava um pouco para o lado, em atitude de audição, e ele ficou ali imóvel, enquanto eu o observava de cima.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Paul!” Chamei num sussurro rouco.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele olhou para cima e instantaneamente viu meu rosto, sem dúvida pego pela luz de seu lampião. “Consegue ouvir?” ele perguntou.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Sim – o que, em nome de Deus, é isso?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Já ouvi isso antes,” respondeu. “Desça.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Fui até o corredor inferior, onde pro um momento fiquei sob seu olhar penetrante e questionador.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não está com medo, Haddon?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Balancei minha cabeça negativamente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Então venha comigo.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://encrypted-tbn2.google.com/images?q=tbn:ANd9GcRzPl7SI7yRP67le7-rscaMwMwJ9DGPFntMrxG1lL4HS6brXhWZ" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://encrypted-tbn2.google.com/images?q=tbn:ANd9GcRzPl7SI7yRP67le7-rscaMwMwJ9DGPFntMrxG1lL4HS6brXhWZ" /></a></div>
<span class="Apple-tab-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Virou-se e foi pelo caminho que levava aos fundos da casa, onde desceu até os porões. Durante esse tempo, os sons aumentaram de volume; era como se estivessem chegando perto da casa, de fato, quase como se estivessem diretamente abaixo, e agora havia um tremor óbvio e definitivo no prédio, não apenas nas paredes e suportes, mas no tremelique e calafrio da própria terra ao redor; era como se algum distúrbio das profundezas subterrâneas houvesse escolhido aquele ponto na superfície da terra para manifestar-se. Mas Tuttle não parecia abalado com aquilo, pois sem dúvida havia passado pelo fenômeno anteriormente. Passou direto pelo primeiro e segundo porões, chegando a um terceiro, colocado um tanto abaixo dos outros, e aparentemente uma construção recente, mas como os outros dois, construído a partir de blocos de calcário em cimento.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>No centro deste subporão, fez uma pausa e ficou quieto, escutando. Os sons, naquele momento, haviam chegado a uma tal intensidade que parecia que a casa fora pega num vórtice de atividade vulcânica, mas sem sofrer de fato a destruição dos suportes; pois o tremor e os movimentos, o estalido e arrastar das vigas sobre nós deu-nos evidência da tremenda pressão exercida dentro da terra abaixo de nós, e mesmo o chão de pedra do porão parecia vivo sob meus pés descalços. Mas neste momento os sons pareceram voltar a um pano de fundo, embora na verdade não tenham de fato diminuído, e apenas ilusoriamente pareceram assim devido à nossa crescente familiaridade com eles, e porque nossos ouvidos estavam prestando uma atenção a outros sons, ressoando em claves maiores, estes também ascendendo do subterrâneo, como se vindos de grande distância, mas carregando consigo um caráter infernal insidioso nas implicações que cresciam ao nosso redor.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Pois os sons de assobio que ouvíamos não eram claros o suficiente para justificar qualquer inferência de suas origens, e foi somente ao passar algum tempo escutando que ocorreu-me que os sons que passavam por um bizarro assobio ou lamúria derivavam de algo vivo, algum ser consciente, pois podiam ser compreendidos como murmúrios chocantes e grosseiros, indistintos e ininteligíveis, mesmo quando eram claramente audíveis. Nesta vez, Tuttle pôs o lampião no chão e ajoelhou-se, pondo o ouvido próximo da pedra.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Imitando seus movimentos, descobri que os sons vindos de abaixo eram reconhecíveis como sílabas, embora não menos sem sentido. Pois primeiramente não ouvi nada que não ululações incoerentes e aparentemente desconexas, então interpoladas com sons de cantoria, que seriam mais tarde identificadas por mim como o seguinte: Iä! Iä!... Shub-Niggurath... Ugh! Cthulhu fhtagn! Iä! Iä! Cthulhu!</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas logo percebi que havia errado quanto a pelo menos um desses sons. A palavra Cthulhu era bastante audível, apesar da fúria dos sons que nos cercavam; mas a palavra que a seguia era um tanto mais longa que fhtagn; era como se uma sílaba extra fosse adicionada, e ainda assim não podia ter certeza de que não fora cantada sempre assim, pois acabou soando mais clara, e Tuttle tirou de seu bolso um caderno e um lápis e escreveu:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Estão dizendo, Cthulhu naflfhtagn.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A julgar pela expressão de seus olhos, levemente dilatados, isto evidentemente lhe revelava algo, mas para mim, não queria dizer nada, além de minha habilidade de reconhecer uma porção como idêntica às palavras que apareciam no abominado Texto de R'lyeh, e subsequentemente mais uma vez na história da revista, onde sua tradução parecia indicar que as palavras significavam: Cthulhu espera sonhando. Minha óbvia e vazia ignorância de seu significado aparentemente lembrou meu anfitrião de que sua erudição filológica era muito maior que a minha, pois sorriu de modo macabro e sussurrou, “Não passa de uma construção negativa.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mesmo neste ponto não compreendi que ele tentava explicar que as vozes subterrâneas não estavam dizendo o que eu pensava, mas isto: Cthulhu não está mais dormindo! Agora não havia mais como questionar a crença, pois as coisas que estavam ocorrendo não eram de origem humana, e não admitiam outra solução do que alguma que não fosse, mesmo que remotamente, relacionada à incrível mitologia que Tuttle havia há pouco me exposto. E agora, como se esta evidência de sentimento e audição não fosse suficiente, manifestou-se um estranho e fétido odor, misturado a um cheiro nauseabundo e forte de peixe, aparentemente escapando pela porosa pedra calcária.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tuttle percebeu isto quase simultaneamente a mim, e fiquei alarmado ao observar em suas feições traços de apreensão que antes não havia notado. Por um momento ele ficou quieto; depois levantou-se furtivamente, tomou do lampião e saiu do porão, levando-me a segui-lo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Só então, quando estávamos mais uma vez no andar de cima, ele aventurou-se a falar. “Estão mais próximos do que eu pensava,” disse ele, pensativo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Seria Hastur?” Perguntei nervosamente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas ele balançou a cabeça. “Não pode ser, porque a passagem abaixo leva apenas ao mar, e sem dúvida está parcialmente alagada. Portanto pode ser apenas um dos Seres da Água – aquelees que refugiaram-se por aqui quando os torpedos destruíram o Recife do Diabo, além da temida Innsmouth – Cthulhu, ou aqueles que o servem, como os Mi-Go o servem nos espaços gélidos, e o povo Tcho-Tcho o servem nos ocultos platôs da Ásia.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Já que era impossível dormir, sentamos por um tempo na biblioteca, enquanto Tuttle falava quase cantando sobre as estranhas coisas que havia descoberto nos velhos livros que haviam sido de seu tio: esperamos sentados pela aurora enquanto ele falava do temido Platô de Leng, do Bode Negro das Florestas e suas Mil Crias, de Azathoth e Nyarlathotep, Poderoso Mensageiro que andava pelos espaços estelares exibindo o semblante de homem; do horrível e diabólico Símbolo Amarelo, das torres fabulosas e assombradas da misteriosa Carcosa; dos terríveis Lloigor e do odiado Zhar; de Ithaqua, a Coisa da Neve, de Chaugnar Faugn e N'gha-Kthun, da desconhecida Kadath e dos Fungos de Yuggoth – de modo que ele falou por horas, enquanto os sons abaixo continuavam e eu sentado ouvia, imerso num medo beirando o terror. E mesmo assim esse medo era desnecessário, pois na aurora, as estrelas empalideceram e o tumulto abaixo morreu de súbito, afastando-se para o leste e para as profundezas do oceano, fazendo com que eu fosse para meu quarto com ansiedade, para vestir-me em preparo de minha saída.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/gallery_pic_1638_1_19596.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/gallery_pic_1638_1_19596.jpg" width="277" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;">IV</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Em pouco mais de um mês, mais uma vez estava eu na propriedade Tuttle, vindo de Arkham, respondendo a um chamado urgente de Paul, em cujo cartão ele havia rabiscado, com o punho trêmulo, uma única palavra: Venha! Mesmo que não houvesse escrito isto, eu já estava considerando ser meu dever retornar à velha casa da Estrada Aylesbury, apesar de meu desagrado pela pesquisa de Tuttle, que abalava minha alma, e do meu agora ativo medo, que não podia mais evitar. Ainda assim, vinha procrastinando, desde que tomara a decisão de tentar dissuadir Tuttle a afastar-se das pesquisas, até a manhã do dia em que seu cartão chegou. Naquela manhã eu vira no jornal Transcript uma reportagem confusa de Arkham: não haveria notado nada, se não fosse pela pequena manchete, que me capturou o olhar: Ultraje no Cemitério de Arkham, e logo abaixo: Cripta dos Tuttle Violada. A reportagem era breve, e revelava muito pouco além da informação já transmitida pelas manchetes:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Descobriu-se cedo nesta manhã que vândalos invadiram e destruíram parcialmente a cripta dos Tuttle, no cemitério de Arkham. Uma das paredes foi esmagada de maneira quase irreparável, e os caixões foram perturbados. Foi reportado que o caixão do falecido Amos Tuttle está desaparecido, mas havia confirmação do fato quando da impressão deste número.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>De imediato, ao ler o vago boletim, foi assaltado pela mais forte das apreensões, vinda não se sabe de que lugar; ainda assim eu sentia que o ultraje perpetrado contra a cripta não era um crime comum, e não conseguia deixar de conectá-lo, em minha cabeça, com as ocorrências na velha casa dos Tuttle. Resolvi portanto ir até Arkham e assim ver Paul Tuttle, antes da chegada de seu cartão; sua breve mensagem alarmou-me mais ainda, se é que isso é possível, e ao mesmo tempo convenceu-me do que temia – que alguma revoltante conexão existia entre o ultraje no cemitério e as coisas que andavam na terra sob a casa da Estrada Aylesbury. Mas, ao mesmo tempo, sentia uma profunda relutância em deixar Boston, obcecado por um medo intangível do perigo invisível que viria de uma fonte desconhecida. Ainda assim, o dever compelia minhas viagens, e por mais forte que fosse a sensação eu deveria pô-la de lado e ir até Arkham.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Cheguei na cidade no começo da tarde e fui logo ao cemitério, na capacidade de procurador, avaliar a extensão dos danos. Uma guarda policial fora estabelecida, mas recebi permissão de examinar o local, tão logo minha identidade fora averiguada. O registro do jornal, logo descobri, havia sido chocantemente inadequado, pois a ruína da cripta Tuttle fora virtualmente completa, seus caixões expostos ao calor do sol, alguns deles quebrados, revelando ossos há muito mortos. Embora fosse verdade que o caixão de Amos Tuttle havia desaparecido na noite, fora encontrado, ao meio-dia, num campo aberto a cerca de três quilômetros a leste de Arkham, longe demais da estrada para ter sido carregado até ali; e o mistério de estar ali tornou-se então, mais profundo do quando encontraram o caixão; pois uma investigação descobriu certos sulcos profundos na terra, postos a amplos intervalos, alguns deles de mais de um metro de diâmetro! Era como se alguma monstruosa criatura houvesse andado ali, embora eu confesse que este pensamento ocorreu apenas em minha cabeça; as impressões na terra permaneceram um mistério sobre o qual nenhuma luz foi lançada, mesmo pelas suspeitas mais imaginativa quanto à sua fonte. Isto pode ter sido em parte devido ao fato mais aterrador que ficou claro tão logo após a descoberta do caixão: o corpo de Amos Tuttle havia sumido, e uma busca nas cercanias falhou em encontrá-lo. Descobri isso tudo do custódio do cemitério, antes de pôr-me a caminho da Estrada Aylesbury, recusando-me a pensar mais sobre essas incríveis informações, até que houvesse falado com Paul Tuttle.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Desta vez, minha chamada na porta não foi atendida de imediato, e comecei a imaginar, com alguma apreensão, se algo havia acontecido com ele, quando detectei um leve som de arrastar por trás da porta, e quase que imediatamente depois ouvi a voz abafada de Tuttle.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Quem é?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Haddon,” respondi, e ouvi o que parecia ser um engasgo de alívio.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A porta se abriu, e até que ela se fechasse novamente não consegui perceber a escuridão noturna do corredor, vendo depois que a janela no outro extremo estava fortemente fechada, e que nenhuma luz caía sobre o longo corredor, vinda de algum dos aposentos para os quais o corredor dava. Proibi-me de perguntar a questão que estava na ponta da língua e ao invés disso voltei-me para Tuttle. Levou algum tempo para que meus olhos dominassem a escuridão antinatural o suficiente para percebê-lo, e somente então fui abalado por uma sensação distinta de choque: pois Tuttle havia mudado de um homem alto e ereto, na flor de seus anos, para um homem curvado e pesado, de aparência descuidada e levemente repulsiva, traindo uma idade que na verdade ultrapassava a sua. E suas primeiras palavras encheram-me de um grande alarme.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Rápido, rápido, Haddon,” disse ele. “Não há muito tempo.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“O que foi? Alguma coisa errada, Paul?” Perguntei.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sem responder, levou-me até a biblioteca, onde um lampião elétrico queimava tênue. “Fiz um pacote de alguns dos livros mais valiosos de meu tio – o Texto de R'lyeh, o Livro de Eibon, os Manuscritos Pnakóticos – e mais alguns outros. Estes devem ser entregues à biblioteca da Universidade Miskatonic, por suas mãos, hoje, a todo custo. Devem portanto ser considerados propriedade da biblioteca. E aqui está um envelope contendo certas instruções para você, em caso de eu não conseguir entrar em contato, seja pessoalmente ou por telefone – que já instalei aqui desde sua última visita – às dez da noite de hoje. Você vai ficar, eu presumo, na Lewiston House. Agora preste bastante atenção: se eu não ligar para você antes das dez da noite de hoje, deve seguir as instruções contidas aqui, sem hesitação. Aconselho que aja imediatamente e, caso as ache muito incomuns e isso o impeça de agir com presteza, já telefonei ao Juiz Wilton e expliquei que deixei algumas instruções estranhas, porém cruciais, com você, e que as quero cumpridas ao pé da letra.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“O que foi que aconteceu, Paul?” Perguntei.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Por um momento parecia que ele falaria livremente, mas apenas balançou a cabeça e disse, “Por enquanto, não sei de tudo. Mas isto posso adiantar: nós dois, eu e meu tio, cometemos um terrível engano. E temo que seja tarde demais para corrigi-lo. Você soube do desaparecimento do corpo de Tio Amos?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Assenti, confirmando.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://encrypted-tbn1.google.com/images?q=tbn:ANd9GcQmlwHLjjNRJsm9Y7QPfvFWjtOpAAeustGlOQ2EOWkpsTaUgAv0" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://encrypted-tbn1.google.com/images?q=tbn:ANd9GcQmlwHLjjNRJsm9Y7QPfvFWjtOpAAeustGlOQ2EOWkpsTaUgAv0" /></a></div>
<span class="Apple-tab-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">“Pois ele já apareceu.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Fiquei impressionado, pois acabara de vir de Arkham, e nenhuma informação do tipo me havia sido passada. “Impossível!” Exclamei. “Ainda estão procurando por ele.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Ah, não importa,” ele disse de maneira esquisita. “Não está por lá. Está aqui – aos pés do jardim, onde foi abandonado, uma vez que o julgaram inútil.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Neste ponto, de súbito sacudiu a cabeça para cima, e ouvimos arrastares e roncos, vindos de alguma parte da casa. Mas rapidamente pararam, e Paul voltou-se para mim.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“O refúgio,” murmurou, dando então uma risada doentia. “O túnel foi construído pelo Tio Amos, tenho certeza. Mas não era o refúgio que Hastur desejasse – embora sirva aos lacaios de seu meio-irmão, o Grande Cthulhu.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Era quase impossível perceber que o sol brilhava lá fora, pois a escuridão no aposento e a atmosfera de terror iminente posta sobre mim combinaram-se para dar à cena uma irrealidade bastante distante do mundo de onde eu acabara de vir, apesar do horror daquela cripta violada. Percebi também em Tuttle um ar de expectativa quase febril, unido a uma pressa nervosa; seus olhos brilhavam de maneira esquisita e pareciam mais proeminentes que antes, seus lábios pareciam ter ficado ásperos e grosseiros, e sua barba estava emaranhada a um ponto que eu não julgaria antes possível. Ele ouviu por apenas um momento antes de voltar-se novamente para mim.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Eu preciso ficar aqui; não terminei de minar o lugar, e isto deve ser feito,” voltou a falar de modo errático, continuando antes que a pergunta que me incomodava pudesse ser pronunciada. “Descobri que a casa jaz sobre algum alicerce artificial natural, e creio que estas cavernas em parte estão inundadas – e talvez sejam habitadas,” adicionou como um posfácio sinistro. “Mas isto, claro, agora é de pouca importância. Não tenho medo imediato do que se encontra abaixo, mas daquilo que está por vir.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mais uma vez ele pausou para ouvir, e mais uma vez sons vagos e distantes chegaram a meus ouvidos. Ouvi com atenção, percebendo apalpadelas ominosas, como se alguma criatura estivesse testando uma porta, e tentei descobrir ou adivinhar de onde vinha o som. Pensei a princípio que o som emanava de algum lugar da casa, e quase que instintivamente me veio a ideia do sótão; pois parecia vir de cima, mas num momento fiquei certo de que o som não derivava de lugar algum dentro da casa, nem de qualquer porção da casa do lado de fora, mas crescia de um lugar além, de um ponto no espaço além das paredes da casa – um ruído de apalpadelas e puxões que não conseguia se associar, em minha consciência, a qualquer som material reconhecível, mas a uma invasão extraterrena. Observei Tuttle, e vi que sua atenção também estava voltada para o exterior, pois sua cabeça estava de certa forma levantada e seus olhos buscavam além das paredes circundantes, exibindo uma expressão curiosamente extasiada, embora não despida de medo, e não despida de um estranho ar de espera fatalista.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“É o símbolo de Hastur,” disse numa voz sussurrante. “Quando ascenderem as Híades e Aldebarã espreitar o céu noturno, Ele virá. O Outro também estará aqui, com Seu povo aquático, das raças escamosas primevas.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E então começou subitamente a rir, sem fazer sons, apenas balançando, e num olhar arisco e meio insano, adicionou, “E Cthulhu e Hastur lutarão aqui pelo refúgio, enquanto o Grande Órion passa pelo horizonte, lá onde está Betelgeuse dos Deuses Anciões, somente eles podem impedir os planos malignos dessas crias do inferno!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Meu espanto diante de suas palavras sem dúvida ficou patente em meu rosto, e por sua vez fê-lo compreender o tamanho da hesitação chocada e da dúvida que eu sentia, pois alterou sua expressão de maneira abrupta, suavizando os olhos, torcendo e destorcendo as mãos, e tornando a voz um tanto mais natural.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Mas talvez isto o canse, Haddon,” disse. “Não falarei mais, pois o tempo é curto, o crepúsculo se aproxima, e pouco depois a noite. Imploro que não discuta quanto a seguir as instruções que delineei para você nesta breve nota. Minhas ordens devem ser seguidas cegamente. Se for como eu temo, pode ser que nem mesmo elas sirvam para alguma coisa; e se for o caso eu o contatarei a tempo.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://davidjrodger.files.wordpress.com/2011/01/king_in_yellow_by_jezebel.jpg?w=614" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://davidjrodger.files.wordpress.com/2011/01/king_in_yellow_by_jezebel.jpg?w=614" width="256" /></a></div>
<span class="Apple-tab-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Com isto pegou o pacote de livros, colocou-o em minhas mãos, e levou-me até a porta, para onde segui sem protestos, pois estava atônito e certamente desarmado pela estranheza das ações de Paul, pela atmosfera sinistra de horror crescente que se acumulava naquela antiga e ameaçadora casa.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Na soleira da porta, fez uma breve pausa e segurou com leveza meu braço. “Adeus, Haddon,” disse com intensidade amigável.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Vi-me então na varanda, sob os raios do sol que baixava, tão luminoso que cheguei a fechar os olhos, até que pudesse mais uma vez acostumar-me ao seu brilho, enquanto o riso alegre de um pássaro azul, sozinho na cerca da estrada, soava prazerosamente em meus ouvidos, como se para me ajudar a deixar para trás aquela atmosfera de medo sombrio e horror sobrenatural.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;"><b>...CONTINUA...</b></span>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-83367025054726887012012-06-23T15:35:00.000-07:002012-06-23T17:38:23.999-07:00O RETORNO DE HASTUR - Partes I e II<span style="font-size: large;">August Derleth</span><br />
Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://encrypted-tbn0.google.com/images?q=tbn:ANd9GcRiZjVhJFkM8tFh_7WZHl9jNFWb8yBoG2uwPa9JhkNFY_iWQKcs" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="https://encrypted-tbn0.google.com/images?q=tbn:ANd9GcRiZjVhJFkM8tFh_7WZHl9jNFWb8yBoG2uwPa9JhkNFY_iWQKcs" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">NA VERDADE, COMEÇOU há muito tempo: há quanto tempo, não ousaria dizer, mas no que diz respeito à minha conexão com o caso que arruinou minha carreira e trouxe dúvidas aos médicos quanto à minha sanidade, começou com a morte de Amos Tuttle. Foi numa noite de fins de inverno, com o vento sul soprando a vinda da primavera. Estava eu na antiga Arkham, assombrada pelas lendas, naquele dia; ele soube da minha presença pelo dr. Ephraim Sprague, que o atendia, e fez com que o médico chamasse a Lewiston House e trouxesse-me àquela propriedade lúgubre na Estrada Aylesbury, próxima a Innsmouth Turnpike. Não seria um lugar onde eu gostaria de estar, mas o velho pagava-me o suficiente para que eu tolerasse seu jeito tristonho e sua excentricidade, e Sprague havia deixado claro que ele estava moribundo: suas horas estavam contadas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E de fato era o caso. O velho mal teve forças para fazer com que Sprague saísse do aposento e então falar comigo, embora sua voz estivesse clara o suficiente, saindo com pouca dificuldade.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Você conhece minha vontade testamentária,” disse ele. “Cumpra-a ao pé da letra.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Essa havia sido uma questão polêmica entre nós, devido a seu desejo de que, antes que seu herdeiro e único sobrinho sobrevivente, Paul Tuttle, pudesse clamar a propriedade, a casa devesse ser destruída – não derrubada, mas destruída, junto com certos livros designados pelo número de prateleira, em suas instruções finais. Seu leito de morte não era lugar para debater novamente aquela ideia de destruição gratuita; assenti, e aceitei a ordem. Teria sido melhor sorte se eu tivesse obedecido sem questionar!</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Veja só,” continuou, “há um livro lá embaixo, que você deve devolver à biblioteca da Universidade Miskatonic.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Falou-me do título. Naquele momento não significava nada para mim; mas a partir daí tornara-se para mim, mais do que eu possa descrever – símbolo de um horror ancilário, de coisas enlouquecedoras além do véu da vida cotidiana e prosaica – a tradução latina do abominável Necronomicon, de autoria do árabe louco Abdul Alhazred.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Encontrei o livro com facilidade. Pelas últimas décadas de sua vida, Amos Tuttle havia vivido em reclusão cada vez maior, entre livros coletados em toda parte do globo; textos antigos, roídos pelas traças, com títulos que apavorariam um homem menos rijo – o sinistro De Vermis Mysteriis, de Ludwig Prinn, o terrível Culte de Ghoules do Comte d'Erlette, o condenável Unaussprechlichen Kulten de von Juntz. Não sabia então o quão raros eram esses livros, nem compreendia a raridade sem preço de certas peças fragmentárias: o aterrorizante Livro de Eibon, os Manuscritos Pnakóticos, cheios de passagens horrorosas, e o temível Texto de R'lyeh; pois estes, descobrir ao examinar os balancetes, depois da morte de Amos, haviam sido comprados por somas fabulosas. Mas em parte alguma eu encontraria um número tão alto quanto aquele pago pelo Texto de R'lyeh, que havia chegado a ele de alguma parte do interior sombrio da Ásia; de acordo com os arquivos, ele havia pago não menos que cem mil dólares pelo livro; mas além disso, no registro do manuscrito amarelado, havia uma notação que me confundiu na época, mas que me dá ânsia pressagiosa em relembrar – depois da menção da soma, Amos Tuttle havia escrito, com sua caligrafia de teia de aranha: além do cumprimento da promessa.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Estes fatos não aconteceram até que Paul Tuttle tomasse posse, mas antes disso, várias ocorrências estranhas aconteceram, coisas que deveriam ter levantado minhas suspeitas quanto às lendas interioranas que falam de poderosas influências sobrenaturais ligadas à casa antiga. A primeira dessas ocorrências foi de pouca consequência, comparada às outras; aconteceu apenas que, ao devolver o Necronomicon à biblioteca da Universidade Miskatonic, em Arkham, encontrei-me levado por uma bibliotecária de lábios franzidos, direto ao escritório do diretor, Dr. Llanfer, que pediu-me diretamente para que eu explicasse a razão pela qual o livro estava em minhas mãos. Sem hesitação em responder, descobri que o raro volume jamais recebera permissão para sair da biblioteca e que, na verdade, Amos Tuttle o havia subtraído em uma de suas raras visitas, após ter falhado em persuadir o Doutor Llanfer a emprestá-lo. E Amos havia sido astuto o suficiente ao preparar de antemão uma imitação maravilhosamente razoável do livro, com a encadernação quase idêntica, e a reprodução do título e de suas páginas iniciais reproduzidas de memória; na ocasião de seu furto do livro do árabe louco, Amos havia substituído a imitação pelo original e saído com uma das duas únicas cópias disponíveis desta obra temida no continente norte-americano e uma das cinco conhecidas no mundo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A segunda das ocorrências foi um pouco mais alarmante, embora tenha a aparência de sair das histórias mais convencionais de casas assombradas. Tanto Paul Tuttle quanto eu ouvimos na casa, em momentos estranhos da noite, particularmente enquanto o cadáver de seu tio estava ainda lá, o som de passos acolchoados, mas com algo esquisito neles: não era como se os passos fossem dentro da casa, mas passos de alguma criatura de tamanho quase além da concepção do homem, andando uma boa distância nos subterrâneos, de modo que o som na verdade vibrava na casa, a partir das profundezas da terra abaixo desta. E quando faço referência a passos, é apenas por falta de uma melhor palavra para descrever os sons, pois não eram passos limpos mas sons esponjosos, gelatinosos, chapinhantes, feitos com a força de tanto peso, que o consequente tremor de terra naquele lugar não era mais que isso. Mas agora o barulho se foi, coincidentemente logo após termos despachado o cadáver de Amos Tuttle, 48 horas antes do planejado. Os sons, classificamos como apenas os assentamentos da terra ao longo da costa distante, não só porque não demos muito importância a eles, mas devido à coisa final que aconteceu antes de Paul Tuttle tomar posse oficial da velha casa na Estrada Aylesbury.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A última coisa foi a mais chocante de todas, e dos três que a presenciaram, apenas eu permaneço vivo hoje, já que o doutor Sprague faz um mês de morto hoje, mas na época fora ele que observou e disse, “Enterre-o logo!” E assim o fizemos, pois as mudanças no corpo de Amos Tuttle eram macabras além da compreensão, especialmente horríveis no que sugeriam, e assim porque o corpo não estava caindo em decadência visível, mas mudando sutilmente para outra coisa, infundindo-se de uma iridescência esquisita, que escurecia até o ponto de parecer quase ébano, e a aparência da carne de suas mãos inchadas e de seu rosto mostrava o crescimento de pequenas escamas. Da mesma forma haviam mudanças no formato de sua cabeça; parecia alongar-se, assumir uma forma curiosa e pisciana, acompanhada de uma leve emanação de cheiro de peixe, saindo do caixão; e o fato dessas mudanças não serem mera imaginação foi chocantemente comprovado quando o corpo foi depois encontrado no lugar para onde seu maligno sucessor havia levado, e lá, finalmente apodrecendo, outros viram comigo as terríveis e sugestivas mudanças que haviam ocorrido, embora devam dar graças que não tenham conhecimento do que aconteceu antes. Mas no período em que Amos Tuttle estava na casa velha, não haviam pistas do que estava para acontecer, e fomos rápidos em fechar o caixão e mais rápidos ainda em levá-lo até o mausoléu dos Tuttle, coberto de hera, no cemitério de Arkham.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Naquela época, Paul Tuttle estava no final da casa dos quarenta anos, mas como muitos homens de sua geração, tinha o rosto e a constituição de um jovem de vinte. De fato, a única pista de sua idade estava nos leves toques de cinza no cabelo de seu bigode e têmperas. Ele era um homem alto e de cabelos escuros, um tanto acima do peso, com olhos azuis e francos, que anos de pesquisa erudita não haviam reduzido à necessidade de óculos. Ele não ignorava os termos da lei, pois rapidamente nos fez saber que se eu, como executor testamentário de seu tio, não estivesse disposto a ignorar a cláusula que ordenava a destruição da casa na Estrada Aylesbury, contestaria em juízo com base na insanidade de Amos Tuttle. Apontei a ele que ele estaria sozinho contra mim e o dr. Sprague, mas ao mesmo tempo não estava cego ao fato de que a irrazoabilidade da ordem poderia muito bem nos trazer uma derrota jurídica; e além disso, eu mesmo considerava a cláusula, nesse sentido, esquisitamente gratuita e sem sentido nesse apelo à destruição, e não estava preparado para lutar no tribunal por uma questão tão menor. Ainda assim, se tivesse previsto o que viria depois, teria atendido ao último pedido de Amos Tuttle, não importando qualquer decisão da corte. Contudo, tal capacidade de previsão não me ocorreu.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Eu e Tuttle fomos ver o juiz Wilton, e expomos o caso a ele. O juiz concordou conosco que a destruição da casa parecia desnecessária, e mais de uma vez fez sutil menção de concordar com a crença de Paul Tuttle na insanidade de seu falecido tio.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“O velho parecia alienado, sempre o conheci assim,” disse secamente. “Quanto a você, Haddon, poderia levantar-se no tribunal e jurar que ele era absolutamente são?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Lembrando, com certo desconforto, o roubo do Necronomicon na Universidade Miskatonic, tive de confessar que não poderia fazê-lo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>De modo que Paul Tuttle tomou posse da propriedade na Estrada Aylesbury, e eu retornei a meu escritório advocatício em Boston, não exatamente descontente com a resolução das coisas, mas ainda assim sentindo um desconforto oculto, difícil de ser definido, uma sensação insidiosa de tragédia iminente, com certeza também alimentada por minha memória do que havia visto no caixão de Amos Tuttle, antes que este fosse selado e trancado no secular mausoléu do cemitério de Arkham.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://encrypted-tbn3.google.com/images?q=tbn:ANd9GcTP-UVUvr78hlmBogcCBKS8Jd9SgrOeooLwx-rpHKrTm9s3fxmOQg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" src="https://encrypted-tbn3.google.com/images?q=tbn:ANd9GcTP-UVUvr78hlmBogcCBKS8Jd9SgrOeooLwx-rpHKrTm9s3fxmOQg" /></span></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;">II</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Não muito tempo depois, mais uma vez fui ter com os telhados de duas águas e balaustradas georgianas da cidade de Arkham, amaldiçoada pelas bruxas, e estava então lá a serviço de um cliente que desejava assegurar que sua propriedade na antiga Innsmouth fosse protegida dos agentes governamentais e policiais que haviam tomado posse dessa temida e assombrada aldeia, embora não houvesse passado apenas alguns meses desde as misteriosa dinamitação dos blocos de prédios da orla, e de parte daquele terror – o Recife do Diabo, erguido no mar logo além – mistério que fora cuidadosamente guardado e oculto desde então, embora eu houvesse lido um artigo que se propunha a revelar os verdadeiros fatos do horror de Innsmouth, um manuscrito publicado privadamente, escrito por um autor de Providence. Seria impossível, naquele momento, ir até Innsmouth, porque o Serviço Secreto havia fechado todas as estradas que levavam até lá; contudo, redigi representações para as pessoas apropriadas e recebi uma confirmação de que a propriedade de meu cliente seria totalmente protegida, já que estava longe da orla; de modo que procedi a lidar com outras pequenas questões em Arkham.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Fui almoçar, naquele dia, num pequeno restaurante próximo à Universidade Miskatonic, e enquanto ali, fui abordado por uma voz familiar. Olhei e vi o dr. Llanfer, diretor da biblioteca da universidade. Ele parecia um tanto irritado, e suas feições traíam claramente seu estado. Convidei-o a partilhar de minha mesa, mas ele recusou; contudo, sentou-se, por assim dizer, na ponta da cadeira.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Você tem visto Paul Tuttle?” perguntou abruptamente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Pensei em visitá-lo esta tarde,” repliquei. “Aconteceu algo errado?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele ruborizou, com um ar um tanto culpado. “Não posso dizer com certeza,” respondeu firme. “Mas correm alguns rumores medonhos em Arkham. E o Necronomicon sumiu novamente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Bom Deus! Certamente não está acusando Paul Tuttle de tê-lo roubado?” Exclamei, numa mescla de surpresa e incômodo. “Não consigo imaginar que uso ele poderia dar a esse livro.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Ainda assim – está nas mãos dele,” persistiu o dr. Llanfer. “Mas não penso que ele o roubou, e gostaria que não pense que eu disse isso. É da minha opinião que um de nossos atendentes passou o livro para ele, e agora está relutante em confessar a enormidade de seu erro. Mas qualquer que seja a verdade, o livro ainda não reapareceu, e temo que teremos de ir atrás dele.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Eu poderia perguntar a Paul sobre o livro,” disse.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Se fizer isso, ficarei grato,” respondeu o dr. Llanfer, com uma certa avidez. “Imagino que não ouviu nada dos rumores que andam por aqui?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Balancei a cabeça negativamente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Muito provavelmente, apenas o resultado de alguma mente imaginativa,” continuou, mas seu ar sugeria que ele não estava disposto ou apto a aceitar uma explicação tão prosaica. “Parece que os passantes da Estrada Aylesbury ouvem estranhos ruídos à noite avançada, todos aparentemente emanando da casa Tuttle.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Que ruídos?” Perguntei, e não sem uma apreensão imediata.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Aparentemente, ruídos de passadas; ainda assim, sei que ninguém pôde precisar a natureza desses ruídos, salvo um jovem que os caracterizou como esponjosos, e que disse que soaram como se fossem de algo grande, andando no lodo e água próximos.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Os estranhos ruídos que Paul Tuttle e eu ouvimos na noite seguinte à morte de Amos Tuttle passaram em minha mente, mas nesta menção de passadas, feita pelo dr. Llanfer, a memória de tudo que havia ouvido voltou. Temi ter demonstrado isso de alguma forma, pois o dr. Llanfer percebeu meu súbito interesse; felizmente ele escolheu interpretá-lo como evidência de que eu havia escutado alguma coisa dos tais rumores, mesmo que eu tivesse dito o contrário. Preferi não corrigi-lo nesse sentido, e ao mesmo tempo experimentei um repentino desejo de não ouvir mais nada sobre o assunto; de modo que não pressionei-o em busca de detalhes adicionais, e quando ele levantou para retornar a seus deveres, deixou-me com a promessa de perguntar a Paul Tuttle sobre o livro perdido.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sua história, por mais rasa que fosse, ainda assim soava uma nota de alarme dentro de mim; não consegui evitar lembrar as várias coisinhas que mantinha na memória – os passos que ouvimos, a estranha cláusula do testamento de Amos Tuttle, a horrenda metamorfose de seu cadáver. Já havia uma leve suspeita em minha mente, de que alguma sinistra cadeia de eventos estava manifestando-se ali; minha curiosidade natural atiçou-me, não sem uma certa sensação de desagrado, desejo consciente de evitar o caso, e a recorrência daquela estranha e insidiosa convicção de tragédia iminente. Mas estava determinado a ver Paul Tuttle o mais cedo possível.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Meu trabalho em Arkham consumiu toda a tarde, e somente no crepúsculo consegui estar diante da massiva porta de carvalho da velha casa Tuttle, na Estrada Aylesbury. Minha batida um tanto hesitante foi atendida pelo próprio Paul, que veio espreitar a noite crescente com sua lâmpada em mãos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://encrypted-tbn3.google.com/images?q=tbn:ANd9GcR0m8BLblOeEtSJwm9S02TtVYJS95cG8LYiluwO5_LflgSKh-VEsw" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" src="https://encrypted-tbn3.google.com/images?q=tbn:ANd9GcR0m8BLblOeEtSJwm9S02TtVYJS95cG8LYiluwO5_LflgSKh-VEsw" /></span></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span"> </span>“Haddon!”, exclamou, abrindo mais a porta. “Pode entrar!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Estava genuinamente grato em ver-me, disso não podia duvidar, pois a nota de entusiasmo em sua voz excluía quaisquer outras suposições. A afabilidade de suas boas-vindas também serviram-me para confirmar minha intenção de não falar dos rumores que ouvira, e proceder as perguntas sobre o Necronomicon no seu devido tempo. Lembrei que logo antes da morte de seu tio, Tuttle estava trabalhando num tratado filosófico ligado ao desenvolvimento do idioma indígena Sac, e passei a perguntar sobre o artigo, como se não houvesse nada mais importante.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Já jantou, imagino,” disse Tuttle, levando-me pelo corredor para a biblioteca.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Respondi que já havia comido em Arkham.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele colocou a lâmpada sobre uma mesa cheia de livros, empurrando alguns papéis para o lado, ao fazê-lo. Convidando-me a sentar, ele voltou à cadeira que ele havia evidentemente deixado para atender à porta. Percebi nesse momento que ele estava um tanto desgrenhado, e que havia permitido que sua barba crescesse. Também havia engordado um pouco, sem dúvida consequência de seus estudos reforçados, que traziam confinamento à casa e falta de exercícios físicos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“E quanto ao tratado Sac?” Perguntei.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Coloquei-o de lado,” respondeu rápido. “Pode ser que o retome mais tarde. Mas agora, estou preso a algo bem mais importante – o quão importante, ainda não posso precisar.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Vi então que os livros nas mesas não era os mesmos tomos eruditos que havia visto em sua mesa de Ipswich, mas com alguma apreensão, notei que eram os mesmos livros condenados pelas explícitas instruções do tio de Tuttle, e uma olhadela na direção dos espaços vazios nas prateleiras proscritas veio a confirmar o fato.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tuttle voltou-se para mim com avidez e abaixou a voz, como se com medo de ser ouvido. “Na verdade, Haddon, é algo colossal – um gigantesco feito da imaginação, se não fosse por isso: não tenho mais certeza de que é algo imaginado, de fato, não tenho mais certeza. Fiquei imaginando qual seria a razão por trás da cláusula do testamento de meu tio; não podia compreender a razão pela qual a casa deveria ser destruída, e imaginei que a razão deveria estar nas páginas dos livros que ele tão cuidadosamente condenou. E estava certo.” Ele gesticulou em direção ao incunábulo à sua frente. “De modo que os examinei e posso dizer que descobri coisas de tal incrível estranheza, de tal horror bizarro, que às vezes hesito em aprofundar-me no mistério. Francamento, Haddon, a coisa que descobri é tão alienígena, e devo dizer que envolveu considerável pesquisa da minha parte, além de ler os livros coletados pelo Tio Amos.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Certo,” disse secamente. “E ouso dizer que você viajou bastante para tal?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Abanou a cabeça negativamente. “De forma alguma, exceto uma viagem à Biblioteca da Universidade Miskatonic. O fato é que descobri poder conseguir o que queria através de carta. Lembra-se dos documentos de meu tio? Bem, descobri entre eles que Tio Amos pagou cem mil por um certo manuscrito encadernado – encadernado em pele humana, aliás – junto a uma linha enigmática: além do cumprimento da promessa. Comecei a perguntar-me que promessa Tio Amos poderia ter feito e a quem; se ao homem ou mulher que o vendera o Texto de R'lyeh, ou outra pessoa. Procedi portanto procurando o nome do homem que a ele vendera o livro, e cheguei a seu endereço: é um certo sacerdote chinês, do Tibete interior, e escrevi para ele. Sua resposta chegou há cerca de uma semana.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Curvou-se e remexeu rapidamente nos papéis da mesa, até que encontrou o que buscava e passou-me.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Escrevi em nome de meu tio, não confiando totalmente na transação, e mais ainda, escrevi como se tivesse esquecido ou tivesse esperança de evitar a promessa,” ele continuou. “Sua resposta é tão enigmática quanto a notação de meu tio.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>De fato assim era, pois o papel amarrotado que me foi passado exibia, numa estranha caligrafia forçada, uma única linha, sem assinatura nem data: Oferecer um refúgio Àquele que Não Deve Ser Nomeado.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ouso dizer que fitei Tuttle com uma estupefação que era espelhada claramente nos olhos dele, já que sorriu antes de responder.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não significa nada para você, certo? Nem significava nada para mim, quando li pela primeira vez. Mas não por muito tempo. Para compreender o que se segue, deve conhecer pelo menos um breve esboço da mitologia – se de fato trata-se de mitologia – na qual o mistério se enraíza. Meu Tio Amos aparentemente sabia dela e nela acreditava, pois as várias notas espalhadas nas margens dos livros proscritos aludem a um conhecimento muito além do meu. Aparentemente, a mitologia advém de uma fonte em comum de nossa Gênese lendária, mas com apenas umas poucas similaridades; às vezes sou tentado a dizer que esta mitologia é mais antiga que qualquer outra – certamente em suas implicações vai muito além das outras, sendo cósmica e imemorial, pois seus seres são de duas naturezas distintas: os Antigos, ou Deuses Anciões, simbolizando o bem cósmico, e aquelas entidades de mal cósmico, exibindo muitos nomes e categorizando-se em diferentes grupos, como se associados com os elementos e ao mesmo tempo transcendendo-os: pois existem os Seres da Água, ocultos nas profundezas; aqueles do Ar, que são os espreitadores primais de além do tempo; aqueles da Terra, horríveis sobreviventes animados de eras distantes. Há muito e muito tempo, os Anciões baniram dos lugares cósmicos os Malignos, aprisionando-os em muitos locais; mas com o tempo esses Malignos geraram lacaios infernais, que começaram a prepará-los para seu retorno à grandeza. Os Anciões não têm nomes, mas seu poder e vontade aparentemente sempre será maior, o suficiente para deter o poder dos outros.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://encrypted-tbn1.google.com/images?q=tbn:ANd9GcSmpUcD8Yo_ArZ9-eOViqjxxVWKNgagpuRgrfv7Np7-A0hLLQbIiA" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" src="https://encrypted-tbn1.google.com/images?q=tbn:ANd9GcSmpUcD8Yo_ArZ9-eOViqjxxVWKNgagpuRgrfv7Np7-A0hLLQbIiA" /></span></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span"> </span>“Agora, entre os Malignos aparentemente muitas vezes há conflito, bem como entre os seres inferiores. Os Seres da Água opõem-se aos do Ar; os Seres do Fogo opõem-se aos Seres da Terra, porém mesmo assim juntos odeiam e temem os Deuses Anciões e esperam sempre derrotá-los em algum tempo futuro. Entre os papéis de meu Tio Amos, aparecem muitos nomes temíveis, escritos em sua caligrafia difícil: Grande Cthulhu, Lago de Hali, Tsathoggua, Yog-Sothoth, Nyarlathotep, Azathoth, Hastur o Indizível, Yuggoth, Aldones, Thale, Aldebaran, as Híades, Carcosa, e outros nomes; e é possível dividir alguns desses nomes em classes vagamente sugestivas, a partir dessas notas que são a mim inteligíveis – embora muitas apresentem mistérios insolúveis, que não posso esperar penetrar algum dia; e muitas estão também escritas em idioma que não conheço, junto a símbolos e sinais enigmáticos e estranhamente assustadores. Mas através do que aprendi, é possível saber que o Grande Cthulhu é um dos Seres da Água, enquanto Hastur é um dos Seres que espreitam os espaços estelares; e é possível inferir, a partir dessas pistas vagas nesses livros proibidos, onde estão alguns desses seres. De modo que posso crer que, nesta mitologia, o Grande Cthulhu foi banido para um lugar sob os mares da Terra, enquanto Hastur foi lançado ao espaço exterior, aquele lugar onde as estrelas negras encontram-se, indicado como Aldebarã da Híades, que é o lugar mencionado por Chambers, que estava por sua vez repetindo a Carcosa de Bierce.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“À luz dessas coisas, da comunicação do sacerdote tibetano, posso certamente tornar claro um fato: Haddon, certamente, além de qualquer sombra de dúvida, Aquele Que Não Deve Ser Nomeado não pode ser outro senão Hastur, o Indizível!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O súbito cessar de sua voz perturbou-me; havia algo hipnótico em seus ávidos sussurros, e algo que também me enchia de uma convicção muito além do poder das palavras de Paul Tuttle. Em algum lugar lá no fundo, nos recessos de minha mente, uma corda havia sido tangida, uma conexão mnemônica que não conseguia descartar, e que deixou-me com uma sensação de antiguidade ilimitada, uma ponte cósmica para outro lugar e outro tempo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Parece lógico,” Disse por fim, com cautela.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Lógico, Haddon, é decerto lógico; deve ser lógico!” exclamou ele.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Considerando que seja isso mesmo,” Eu disse, “Que deduz daí?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Veja só, considerando que seja isso mesmo,” ele prosseguiu com ânsia, “sabemos que meu Tio Amos prometeu oferecer um refúgio em preparo para o retorno de Hastur, vindo de qualquer seja a região do espaço exterior que agora o aprisiona. Onde seja isto, ou que tipo de lugar seja, até então não me preocupei em saber, embora possa talvez cogitar. Este não é tempo de cogitações, e ainda assim parece, a partir de certas outras evidências à mão, que podem haver outras deduções permissíveis a serem feitas. A primeira e mais importante delas é de natureza dupla – ergo, algo imprevisto impediu o retorno de Hastur, durante a vida de meu tio, e ainda assim, algum outro ser tornou-se manifesto.” Neste ponto ele fitou-me com franqueza incomum e não pouco nervoso. “Quanto à evidência desta manifestação, seria de bom alvitre não falar dela agora. É suficiente dizer que acredito ter tal evidência ao alcance. Retornemos então à minha premissa original.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Entre as poucas anotações marginais feitas por meu tio, existem duas ou três especificamente notáveis no Texto de R'lyeh; de fato, à luz do que é conhecido, ou que pode justificadamente ser inferido, são notas sinistras e agourentas.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Assim falando, abriu o antigo manuscrito e passou para um ponto bem próximo ao começo da narrativa.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“E agora preste atenção, Haddon,” disse ele, e eu levantei e curvei-me sobre ele para observar a caligrafia aracnídea e quase ilegível que eu sabia ser de Amos Tuttle. “Observe a linha de texto que está sublinhada: Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’ nagl fhtagn, e o que se segue foi escrito, sem qualquer dúvida, pela mão de meu tio: Seus lacaios preparando sua vinda, e ele não mais está sonhando? (WT: 2/28) e numa data mais recente, a julgar pela mão trêmula que aqui escreveu, uma única abreviação: Inns! Fica óbvio que isto não significa nada, sem uma tradução do texto. Sem isso, quando vi pela primeira vez a nota, voltei minha atenção à notação em parênteses, e em pouco tempo resolvi seu significado como sendo uma referência a uma revista popular, a Weird Tales, exemplar de fevereiro de 1928. Aqui a tem.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele abriu a revista junto ao texto sem sentido, ocultando parcialmente as linhas que começaram a assumir uma inaudita atmosfera de idade sobrenatural perante meus olhos, e logo abaixo da mão de Paul Tuttle estava a primeira página de uma história que obviamente pertencia a essa inacreditável mitologia diante da qual eu não conseguia reprimir um começo de atordoamento. O título, apenas parcialmente coberto pela mão dele, era O Chamado de Cthulhu, de H.P. Lovecraft. Mas Tuttle não se deteve na primeira página; foi bem ao cerna da história, antes de pausar e apresentar a meus olhos a linha, idêntica e ilegível, que estava abaixo da escrita difícil de Amos Tuttle, no incrivelmente raro Texto de R'lyeh, sobre o qual repousava a revista. E ali, apenas um parágrafo abaixo, aparecia o que se passava por uma tradução de um idioma totalmente desconhecido do Texto: em sua casa de R'lyeh, o morto Cthulhu espera sonhando.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“E aqui está,” continuou Tuttle com certa satisfação, “Cthulhu também aguarda pelo tempo de seu ressurgimento – quantas eras, ninguém saberá dizer; mas meu tio questionou se Cthulhu ainda continuava sonhando, e seguindo isto, escreveu e sublinhou duas vezes uma abreviação que só pode significar Innsmouth! Isto, junto com as coisas macabras mal descritas nesta história reveladora, que passa por obra de ficção, abre uma visão de um horror jamais sonhado, um horror maléfico e ancilário.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Bom Deus!” Exclamei involuntariamente. “Certamente você não acha que esta fantasia ganhou vida?”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://encrypted-tbn0.google.com/images?q=tbn:ANd9GcSxBdBcxh61TYknyPqcb0sQXj02YOqqx_f9eSr3b3j9eC55WTJt" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" src="https://encrypted-tbn0.google.com/images?q=tbn:ANd9GcSxBdBcxh61TYknyPqcb0sQXj02YOqqx_f9eSr3b3j9eC55WTJt" /></span></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span"> </span>Tuttle voltou-se e me ofereceu um olhar estranhamente distante. “O que eu acho, não importa, Haddon,” replicou de maneira grave. “Mas há uma coisa que eu gostaria bastante que você soubesse – o que aconteceu em Innsmouth? O que aconteceu ali, por décadas, que fez as pessoas evitarem o lugarejo? Por qual razão este antes próspero porto caiu no esquecimento, com metade de suas casas vazias, suas propriedades praticamente sem valor? E por qual razão foi necessário que homens do governo explodissem rua após rua de armazéns e residências de sua orla? E por fim, por qual razão, diacho, enviaram um submarino para torpedear os espaços marinhos além do Recife do Diabo, ali perto de Innsmouth?"</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não sei nada sobre isso,” repliquei. Mas ele não prestou atenção; levantou a voz um pouco, incerta e trêmula, dizendo, “Posso dizer a razão, Haddon. É como meu Tio Amos escreveu: o Grande Cthulhu despertou novamente!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Por um momento senti um tremor; e então disse, “Mas é Hastur que ele estava esperando.”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Precisamente,” concordou Tuttle numa voz direta e profissional. “Então gostaria de saber quem, ou o quê, caminha pela terra, nas horas sombrias em que Fomalhaut ascende e as Híades estão no leste!”</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;">(continua...)</span>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-81051469836664567412012-06-22T06:26:00.001-07:002012-06-23T16:33:36.021-07:00O ANDARILHO DO PÓ<span style="font-size: large;">Clark Ashton Smith</span><br />
Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.<br />
<br />
<br />
<br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">…Os antigos magos o conheciam, e o nomearam Quachil Uttaus. Poucas vezes é ele revelado: pois habita além do mais exterior dos círculos, no limbo soturno do tempo e espaço não-esféricos. Temível é a palavra que o convoca, palavra jamais pronunciada exceto em pensamentos: Pois Quachil Uttaus é a corrupção definitiva; e o momento de sua chegada é como a passagem de muitas eras; e nem a carne, nem a pedra, podem suportar suas andanças, pois todas as coisas ruem sob seus pés, átomo por átomo. E por esta razão, alguns o têm chamado O Andarilho do Pó.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">-- Testamento de Carnamagos</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.tentacules.net/toc/toc_/myt/crea_quachil.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://www.tentacules.net/toc/toc_/myt/crea_quachil.jpg" /></a></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Foi após intermináveis debates e argumentações consigo mesmo, após muitas tentativas de exorcizar a legião incorpórea e turva de seus medos, que John Sebastian retornou à causa que havia deixado tão apressadamente. Havia estado ausente por três dias; mas mesmo isto fora uma interrupção sem precedentes na vida reclusa e erudita a qual havia entregado-se totalmente após herdar a velha Mansão, junto com uma generosa quantia. Em momento algum havia definido por completo as razões de sua fuga: todavia a fuga parecera obrigatória. Havia uma certa urgência medonha que o impelira; mas agora, que havia se resolvido a retornar, a urgência havia estabelecido-se na forma de nervos exaustos pela dedicação excessivamente íntima e prolongada a seus livros. Ele havia imaginado certas coisas: mas essas coisas imaginadas eram patentemente absurdas e sem base alguma.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mesmo se o fenômeno que o havia perturbado não fosse de todo imaginário, deveria haver alguma solução natural que não havia pensado com sua mente sobrecarregada. O amarelar súbito de um caderno recém-comprado, o desfazer das bordas das folhas, eram sem dúvida devido a imperfeições latentes do papel; e o estranho desvanecer de seus registros que, quase do dia para a noite, haviam tornado-se tênues, como se fossem escrita antiga – era claramente resultado de substâncias químicas baratas e falhas na tinta. O aspecto de antiguidade bruta, quebradiça e roída por vermes, que havia manifestado-se em certos elementos da mobília, certas porções da mansão, não mais era que a súbita revelação de uma desintegração oculta, que havia ocorrido sem que ele notasse, enquanto estava absorto pela dedicação meticulosa às pesquisas soturnas. E foi a mesma dedicação, com seus anos contínuos de esforço e confinamento, que trouxe seu envelhecimento prematuro; de modo que, ao contemplar-se no espelho, na manhã de sua fuga, ficara chocado e apavorado como se diante da aparição de uma múmia encarquilhada. Quanto ao criado, Timmers – bem, Timmers já era velho, e todos lembravam-se dele assim. Fora apenas o exagero dos nervos doentes que recentemente pensou ver em Timmers uma decrepitude tão extrema que o faria cair, sem o estado intermediário da morte, direto na podridão do túmulo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>De fato, podia explicar tudo que o havia perturbado, sem fazer referência aos conhecimentos selvagens e remotos, às demonologias e sistemas esquecidos que havia sondado. Aquelas passagens no Testamento de Carnagos, sobre as quais havia ponderado com esquisito desânimo, eram relevantes apenas aos horrores evocados por feiticeiros loucos de eras passadas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sebastian, firme em tais convicções, voltou à sua casa ao pôr do sol. Não tremia ou desfalecia quando cruzou o terreno que recebia a sombra dos pinheiros, e correu célere pelos degraus da fachada. Imaginou, embora sem certeza, se haviam de fato sinais de dilapidação nesses degraus; e a própria casa, conforme aproximava-se, parecia ter ficado um tanto derrubada, como se houvesse ocorrido erosão nos alicerces; mas isto, disse a si mesmo, era apenas ilusão trazida pelo crepúsculo que se iniciava.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Nenhuma lâmpada acesa, mas Sebastian não surpreendera-se com isto, pois sabia que Timmers, se deixado sozinho, costumava caminhar nas trevas como uma coruja senil, muito após o momento apropriado do acender das luzes. Sebastian, por outro lado, sempre havia tido aversão à escuridão ou mesmo às sombras; e recentemente a aversão havia aumentado bastante. Resoluto, acendeu todos os bulbos da casa tão logo a luz do dia começou a faltar. E agora resmungando sua irritação com a incompetência de Timmers, empurrou a porta e buscou apressado a fechadura do corredor.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Talvez devido a uma agitação nervosa que não percebera em si mesmo, perdeu um bom tempo sem achar o interruptor. O corredor era estranhamente sombrio e um reluzir do pôr-do-sol cinzento emanava entre os altos pinheiros para dentro do vão da porta por trás dele, mas sem conseguir penetrar além da soleira. Não conseguia enxergar coisa alguma; era como se a noite das eras mortas houvesse feito do corredor seu covil; e as narinas de Sebastian, ali onde ele havia parado, foram assaltadas por uma pungência seca, como se vinda de pó ancestral, odor como de cadáveres e caixões há muito indistintos na decadência pulverulenta.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<a href="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/3926547950_9cb8da2e97.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/06/3926547950_9cb8da2e97.jpg" width="233" /></span></a><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Finalmente achara o interruptor; mas a iluminação que reagia era de algum modo tênue e insuficiente, e ele parecia detectar um pisca-pisca de sombras, como se o circuito estivesse falhando. Contudo ficou reconfortado em perceber que a casa, aparentemente, estava como ele a havia deixado. Talvez inconscientemente temesse encontrar os painéis de carvalho esfarelando-se numa podridão fragmentária, o tapete transformado em frangalhos comidos pelas traças; havia pensado ouvir o quebrar de tacos poderes sob seu andar.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E agora, imaginava, onde estava Timmers? O envelhecido faz-tudo, apesar de sua crescente senilidade, sempre havia sido rápido em atender; e muito embora não houvesse ouvido seu mestre entrar, o ligar das luzes teria sinalizado o retorno de Sebastian. Porém, muito embora Sebastian atentasse com dolorosa insistência, não ouvia o ranger dos familiares passos debilitados. O silêncio envolvia a tudo, como uma mortalha fúnebre e imperturbada.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span"> </span>Sem dúvida, pensou Sebastian, haveria alguma explicação mundana para tal. Timmers havia ido à aldeia próxima, talvez para reabastecer a despensa, ou na esperança de receber comunicação de seu mestre; e Sebastian havia dele se desencontrado, ao retornar da estação. Ou talvez o velho houvesse adoecido e agora jazesse vulnerável em seu quarto. Pressuroso com este último pensamento, foi direto ao dormitório de Timmers, que ficava no andar térreo, nos fundos da mansão. Estava vazio, e a cama estava primorosamente feita e obviamente não fora ocupada na noite anterior. Com um suspiro de alívio que pareceu retirar um horrendo íncubo de seu peito, decidiu Sebastian que a primeira conjectura estava correta.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas agora, ao esperar o retorno de Timmers, havia sentido nos nervos outro ato de inspiração, e marchou até o estúdio. Não admitia a si mesmo, com precisão, o que temia ver; mas à primeira vista, o aposento não havia mudado em nada, e todas as coisas estavam como no momento de sua partida apressada. A pilha alta e confusa de manuscritos, volumes e cadernos em sua mesa de escrever estava intocada por ninguém exceto sua própria mão; e as prateleiras da estante de livros, com seus acervos bizarros e aterrorizantes de autoridades em diabolismo, necromancia, goétia e em todas as ciências ridicularizadas ou proibidas, estavam imperturbadas e intactas. Sobre o velho atril, ou porta-livro, usado para os tomos mais pesados, estava o Testamento de Carnamagos, com sua capa marroquim e sua tranca de ossos humanos, estava aberto na mesma página que o havia assustado tão irracionalmente, com suas intimações sobrenaturais.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E então, ao passar para o espaço entre o atril e a mesa, percebeu pela primeira vez o inexplicável empoeiramento sobre tudo. O pó acumulava-se em toda parte; um pó fino e cinzento, como polvilho de átomos mortos. Havia coberto os manuscritos com um filme profundo, assentado-se espesso sobre as cadeiras, abajures e volumes; e os ricos vermelhos e amarelos como papoula das tapeçarias orientais eram desfeitos pelo acúmulo do pó. Era como se muitos anos desolados houvessem passado na câmara desde sua partida, e houvessem espanado de seus invólucros amortalhados a poeira de todas as coisas em ruínas. O mistério daquilo fez tremer Sebastian; pois ele sabia que o aposento havia sido varrido com rigor apenas três dias antes; e Timmers havia de espanar a cada manhã, cuidadosa e meticulosamente, durante sua ausência.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E agora o pó ascendia numa nuvem leve e rodopiante ao seu redor, preenchendo as narinas de Sebastian com o mesmo odor seco, como se oriundo de uma dissolução fantasticamente antiga, que o havia encontrado no corredor. Ao mesmo tempo percebeu o vento tempestuoso e frio que de alguma forma penetrava o aposento. Ele imaginara que uma das janelas havia sido deixada aberta, mas um olhar assegurou-o de que elas haviam sido fechadas por cortinas avassaladoras; e a porta havia se fechado por trás dele. O vento era leve como o suspirar de um fantasma, mas onde quer que passasse, levantava o fino pó sem peso, enchendo o ar e mais uma vez caindo numa lentidão imensa. Sebastian sentiu um estranho alarme, como se houvesse soprado nele um vento das dimensões desconhecidas, ou por uma oculta fenda de ruínas; e simultaneamente foi tomado por um paroxismo de tosse prolongada e violenta.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele não conseguira localizar a fonte do vento. Mas enquanto movia-se descuidado e impaciente, seu olhar foi atraído por uma pilha baixa e longa de pó cinzento, que até então havia sido oculto de sua visão pela mesa. Estava logo abaixo da cadeira que usava para escrever. Próximo à pilha de poeira estava o espanador usado por Timmers em sua rodada diária de limpeza.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Pareceu a Sebastian que o rigor de uma grande e letal frialdade havia invadido todo seu ser. Ele não conseguiu mexer-se por vários minutos, contemplando o inexplicável monturo. No centro deste via uma vaga depressão, que poderia ser a marca de uma pegada bastante diminuta, meio apagada pelos sopros de vento que evidentemente haviam levado muito do pó e espalhado-o pela câmara.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Finalmente o poder do movimento voltara a Sebastian. Sem reconhecer conscientemente o impulso que o impeliu a tal, abaixou-se para pegar o espanador. Mas quando seus dedos o tocaram, o cabo e as penas dissolveram-se em fina poeira que, assentada numa pequena pilha, preservava de maneira vaga os contornos do objeto original.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Uma fraqueza assolou Sebastian, como se o fardo da idade e mortalidade absolutas esmagasse seus ombros entre um instante e outro. Houve um rodopiar de sombras vertiginosas diante de seus olhos, sobre a luz da lâmpada, e ele pensou que desfaleceria, se não sentasse de imediato. Colocou a mão na cadeira ao seu lado – e a cadeira, com o toque, desfez-se instantaneamente em nuvens leves de pó, que assentavam-se atraídas pelo chão.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<a href="http://th00.deviantart.net/fs70/PRE/i/2011/286/1/8/quachil_uttaus_001_by_s1ymcnasty-d4cpg73.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="http://th00.deviantart.net/fs70/PRE/i/2011/286/1/8/quachil_uttaus_001_by_s1ymcnasty-d4cpg73.jpg" width="180" /></span></a><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Depois disso – quanto tempo depois, não conseguiria precisar – encontrou-se sentado na cadeira alta, diante do trecho onde o Testamento de Carnamagos se abria. Surpreendeu-se de modo vago pela cadeira não ter-se desfeito sob seu peso. Assaltava-o novamente a urgência da fuga rápida e repentina daquela casa amaldiçoada; mas parecia que ele havia ficado velho demais, encarquilhado e débil demais; e que nada mais importava muito – nem mesmo aquele destino final apavorante que entrevia.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Agora, sentado num estado mesclando o terror e o estupor, seus olhos foram atraídos pelo volume magista diante de si: os escritos do sábio e vidente maligno Carnamagos, que foram recobrados mil anos passados, em alguma tumba greco-bactriana, e transcritos por um monge apóstata no grego original, usando o sangue de um monstro procriado por íncubos. Naquele volume estavam as crônicas dos grandes feiticeiros da antiguidade, e as histórias de demônios terrenos e ultracósmicos, e os encantamentos verdadeiros através dos quais os demônios poderiam ser controlados e dispensados. Sebastian, estudante profundo de tais conhecimentos, há muito acreditara que o livro era apenas uma lenda medieval; e ficara tanto espantado quanto gratificado quando encontrara a esta cópia nas prateleiras de um comerciante de velhos manuscritos e incunábulos. Dizia-se que apenas duas cópias haviam existido, e que a outra havia sido destruída pela Inquisição Espanhola, no começo do século XIII.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A luz piscava como se asas ominosas houvessem batido perto dela; e os olhos de Sebastian ficaram baços de um corrimento cada vez mais profuso, conforme lia mais uma vez aquela passagem fatal e sinistra que havia conseguido provocar-lhe medos tão soturnos:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">'Embora Quachil Uttaus atenda – mas atenda raramente, foi bem documentado que seu advento nem sempre ocorre em resposta à runa pronunciada e ao pantáculo desenhado... Poucos magos, de fato muito poucos convocariam um espírito assim tão agourento... Mas que fique perfeitamente claro que aquele que lê sozinho, no silêncio de sua câmara, a fórmula dada mas abaixo, correrá graves riscos se em seu coração abrigar aberta ou disfarçadamente o mínimo desejo de morte e aniquilação. Pois pode acontecer que Quachil Uttaus a ele atenda, trazendo aquele destino final que, com o mais leve toque, transforma o corpo no pó eterno, e torna a alma num vapor para toda a eternidade dissolvido. E o advento de Quachil Uttaus é pressagiado por certos indícios; pois na pessoa do evocador, e possivelmente nas pessoas mais próximas a ele, aparecerão os sinais da súbita idade avançada; e sua casa, e os pertences que houver tocado, assumirão as marcas de decadência e antiguidade apressadas...'</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sebastian não percebera que resmungava as sentenças em voz baixa, quando as lia; que também resmungara o terrível encantamento que seguia ao alerta... Seus pensamentos rastejaram como se envoltos por algo frio e congelante. Numa certeza embotada e mórbida, soube que Timmers não havia ido à aldeia. Devia ter avisado a Timmers antes de partir; deveria ter escondido e trancado o Testamento de Carnamagos... pois Timmers, a seu modo, era também um erudito, e a ele não faltava curiosidade sobre os estudos ocultistas de seu mestre. Timmers estava bastante apto a ler o grego de Carnamagos... e até mesmo aquela fórmula atroz e devastadora das almas, a qual Quachil Uttaus, demônio da corrupção definitiva, responderia do vácuo exterior... Sebastian adivinhou daí, com precisão, a origem do pó cinzento, a razão daqueles esfarelamentos misteriosos...</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sentiu mais uma vez o impulso de fuga; porém seu corpo era um íncubo seco e morto, que recusava a obedecer à própria vontade. De qualquer forma, refletiu consigo, já era tarde demais, pois os sinais do fim haviam reunido-se ao seu redor e sobre ele... Porém, certamente jamais houvera nele o mínimo anseio por morte e destruição. Ele apenas desejara sondar os mistérios sombrios que cercavam o estado mortal. E sempre havia sido cauteloso, jamais mexera com círculos mágicos e evocações de presenças perigosas. Sabia da existência de espíritos do mal, espíritos da cólera, perdição e aniquilação; mas jamais, pela própria vontade, invocaria qualquer um de suas prisões e abismos noturnos...</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://i559.photobucket.com/albums/ss33/Kain456/QuachilUttaus.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="427" src="http://i559.photobucket.com/albums/ss33/Kain456/QuachilUttaus.jpg" width="640" /></span></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sua letargia e fraqueza pareceu aumentar; foi como se lustros inteiros, décadas completas de senescência sobre ele caíssem, no espaço de um fôlego. Sua linha de pensamentos se interrompia a intervalos, e ele a recobrava com dificuldade. Suas memórias, e até mesmo seus medos, pareciam cambalear nos limites de um oblívio final. Com os ouvidos quase surdos, ouviu um som de madeira caindo e quebrando, em algum lugar da casa; com os olhos exibindo uma catarata como a dos anciões, viu as luzes tremerem e apagarem sob o ataque de uma escuridão negra como um morcego.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Era como se a noite de uma catacumba em ruínas se fechasse sobre ele. Sentia aos poucos o respirar tênue e gélido do vento que o havia perturbado antes, com seu mistério; e mais uma vez o pó ascendeu até suas narinas. Percebeu então que o aposento não estava totalmente escuro, pois conseguia discernir os vagos contornos do atril diante de si. Certamente nenhum raio de luz passava pelas venezianas; porém ainda assim havia luz. Seus olhos, abrindo-se com um esforço titânico, viram pela primeira vez que uma fenda irregular e grosseira havia surgido na parede externa do aposento, no alto do canto norte. Através da fenda uma estrela solitária reluzia na câmara, fria e remota como o olho de um demônio espreitando através de golfos intercósmicos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Daquela estrela – ou dos espaços além dela – um raio de lívida radiância, pálido e mortal, lançou-se como um dardo contra Sebastian. Da largura de uma tábua, inabalável, imovível, parecia transfixar seu próprio corpo e formar uma ponte entre si e os mundos da escuridão inimaginável.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Estava como se petrificado pelo olhar da górgona. E então, através da brecha das ruínas, veio algo planando suave e rapidamente para dentro do aposento, em sua direção, seguindo o raio de luz. A parede pareceu esfarelar-se e a fenda alargar-se, quando a coisa entrou.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://zenox.up.seesaa.net/image/2010_11_06b_S_Quachil_Uttaus.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="http://zenox.up.seesaa.net/image/2010_11_06b_S_Quachil_Uttaus.jpg" width="200" /></span></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Era uma figura não maior que uma pequena criança, mas seca, murcha e encarquilhada como uma múmia milenar. Sua cabeça calva, seu rosto sem feições definidas, saídos de um pescoço de magreza esquelética, eram decorados por milhares de rugas reticuladas. O corpo era como o de um aborto monstruoso e emaciado que jamais houvesse conhecido a respiração. Os braços como varetas, terminando em garras ossudas, estendiam-se para frente como se anquilosados nesse gesto de eterno e temível tatear. As pernas, de pés como os de uma Morte pigmeia, eram fundidas como se houvessem sido comprimidas por bandagens mortuárias; não havia nelas qualquer movimento, ou caminhar, ou marcha. Ereto e rígido, o horror flutuava célere, descendo pelo raio acinzentado, pálido e mortal, na direção de Sebastian.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E agora estava próximo dele, a cabeça da coisa próxima a sua fronte e seus pés opostos a seu tórax. Por um momento fugaz, percebeu que o horror havia nele tocado, com suas mãos esticadas, com seus pés obscenamente flutuantes. Parecia fundir-se a ele, tornar-se uno com seu ser. Sentia que suas veias se enchiam de pó, que seu cérebro esfarelava-se, célula por célula. E então ele não era mais John Sebastian, mas um universo de estrelas e mundos mortos, que decaíam remoendo a escuridão, diante do tremendo soprar de algum vento ultraestelar...</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A coisa que os magos imemoriais haviam chamado de Quachil Uttaus havia desaparecido; e a noite e as estrelas haviam retornado àquela câmara arruinada. Mas em parte alguma encontrava-se sequer a sombra de John Sebastian; apenas um leve monturo de pó, no chão diante do atril, exibindo uma vaga depressão, como a pegada de um diminuto pé... ou dois pés muito encostados.</span><br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Texto original em inglês encontrado em<br />
<a href="http://www.eldritchdark.com/writings/short-stories/222/the-treader-of-the-dust">http://www.eldritchdark.com/writings/short-stories/222/the-treader-of-the-dust</a><br />
<br />
Texto traduzido em PDF<br />
<a href="http://www.4shared.com/office/Zx6t7yy4/Andarilho_do_P_-_Clark_Ashton_.html">http://www.4shared.com/office/Zx6t7yy4/Andarilho_do_P_-_Clark_Ashton_.html</a>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-59155528020331399862012-06-21T07:09:00.001-07:002012-06-23T16:34:48.492-07:00A MÚSICA DE ERICH ZANN<span style="font-size: large;">de H.P. Lovecraft</span><br />
<span style="font-size: x-small;">Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.</span><br />
<br />
<br />
<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div style="text-align: right;">
<a href="http://www.robertweinberg.net/gifs/artwork/zann.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img alt="" border="0" height="250" src="http://www.robertweinberg.net/gifs/artwork/zann.jpg" title="" width="400" /></span></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Examinei os mapas da cidade com o maior dos cuidados, mas nunca mais encontrei a Rue d'Auseil. Estes mapas não incluíam apenas os modernos, pois sei que nomes de ruas mudam. Pelo contrário, imergi profundamente nas antiguidades do local, e explorei em pessoa cada região nomeada com qualquer título que pudesse responder pela rua que conheci por Rue d'Auseil. Porém, apesar de tudo que fiz, permanece um fato humilhante que não consiga encontrar a casa, a rua, ou mesmo a localidade, onde, durante os últimos meses de minha empobrecida vida como estudante de metafísica na universidade, ouvi a música de Erich Zann.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Não duvido que minha memória esteja defeituosa; pois minha saúde, tanto a física quanto a mental, fora gravemente perturbada por todo o período de minha residência na Rue d'Auseil, e recordo que não levei nenhum de meus conhecidos ali. Mas o fato de não conseguir encontrar mais o lugar é tão singular quanto causador de perplexidade; pois ficava a meia hora de caminhada da universidade, e era distinta por peculiaridades que dificilmente poderiam ser esquecidas por qualquer um que uma vez lá estivesse. Jamais conheci pessoa alguma que tivesse visto a Rue d'Auseil.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A Rue d'Auseil era paralela a um escuro rio cujas encostas íngremes abrigavam alguns armazéns de tijolos e janelas foscas, atravessado por uma soturna ponte de pedras negras. Eram sempre sombrias as margens daquele rio, como se a fumaça das fábricas próximas bloqueassem o sol para toda a eternidade. O rio liberava também odores malignos que nunca senti em parte alguma, e que podem talvez ajudar-me um dia a encontrá-lo, já que eu os reconheceria de imediato. Além da ponte, haviam ruas estreitas, de calçamento de pedras; e então vinha a subida, a princípio gradual, e depois cada vez mais íngreme conforme chegava-se perto da Rue d'Auseil.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Jamais vi rua tão estreita e íngreme como a Rue d'Auseil. Era quase um penhasco, fechada a todos os veículos, consistindo de vários pontos com escadarias, e terminando no topo com um impávido muro coberto de heras. Sua pavimentação era irregular; às vezes lajotas de pedra, às vezes cantaria, e às vezes a terra nua que lutava contra a vegetação cinza-esverdeada. As casas eram altas, encimadas por telhados, incrivelmente antigas, e inclinadas de modo insano para trás, para frente e para os lados. De vez em quando um par oposto, ambos inclinados para a frente, quase se encontravam no meio da rua, como um arco; e certamente isto impedia a maior parte da luz de alcançar o chão abaixo. Haviam umas tantas pontes suspensas de casa a casa, por toda a rua.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><a href="http://files.myopera.com/sanalmakina/albums/596770/Erich-zann_001cover.jpg" imageanchor="1" style="background-color: white; clear: left; display: inline !important; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"></a></span><br />
<a href="http://files.myopera.com/sanalmakina/albums/596770/Erich-zann_001cover.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="http://files.myopera.com/sanalmakina/albums/596770/Erich-zann_001cover.jpg" width="211" /></span></a><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span"> </span>Os habitantes da rua impressionavam de modo peculiar. A princípio pensei que isto acontecia porque eram todos silenciosos e reticentes; porém depois decidi que era porque eram todos muito velhos. Não sei como foi que cheguei a viver em tal rua, mas não estava em bom estado mental quando fiz a mudança para lá. Havia vivido em muitos lugares pobres, sempre despejado por falta de dinheiro; até que encontrasse aquela casa torta na Rue d'Auseil, mantida pelo paralítico Blandot. Era a terceira casa contando a partir do topo da rua, e de longe a mais alta de todas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Meu quarto ficava no quinto andar; o único quarto habitado ali, já que a casa era quase vazia. À noite ouvia estranhas músicas vindas do elevado sótão acima, e no dia seguinte perguntei ao velho Blandot sobre isso. Ele contou-me que era um velho alemão, tocador de viola, um homem estranho e estúpido que assinava o nome de Erich Zann, e que tocava à noite numa orquestra de um teatro barato; e além disso falou que o desejo de Zann de tocar à noite, depois de voltar do teatro, era a razão pela qual o alemão havia escolhido aquele aposento isolado lá em cima, cuja única janela de cumeeira era o único ponto na rua a partir do qual poder-se-ia contemplar por cima do fim do muro, o declive e o panorama além deste.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Portanto eu ouvia Zann todas as noites, e embora isto me mantivesse acordado, eu permanecia assombrado pela estranheza da música. Mesmo sabendo muito pouco de arte, eu tinha certeza de que nenhuma das harmonias tinha qualquer relação com qualquer coisa que já tivesse ouvido; e concluí que ele era um compositor de gênio altamente original. Quanto mais ouvia, mais ficava fascinado, até que depois de uma semana, resolvi fazer amizade com o velho.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Uma noite, quando ele estava voltando de seu trabalho, interceptei Zann no corredor, e contei a ele que gostaria de conhecê-lo e estar com ele enquanto ele tocava. Ele era uma pessoinha curvada e encarquilhada, de roupas surradas e olhos azuis, com uma face grotesca, mais parecendo um sátiro, e quase totalmente calvo; e ouvindo minhas primeiras palavras, ele pareceu tanto enfurecido quanto apavorado. Apesar disso, minha evidente cordialidade acabou por fim a comovê-lo; e ele relutantemente conduziu-me a segui-lo pelas escadas escuras, rangentes e frágeis. Seu aposento, um dos dois do sótão inclinado, ficava no lado oeste, virado para o muro alto que formava o final alto da rua. Seu tamanho era enorme, e a mim parecia ainda maior devido a seu estado extraordinariamente negligente e desolado. Quanto a mobílias, havia apenas uma estreita cama de ferro, um lavatório sujo, uma pequena mesa, uma grande estante de livros, um atril de ferro, para dispor a partitura, e três cadeiras em estilo antigo. As partituras estavam empilhadas pelo chão, em desordem. As paredes não tinham rodapé, e provavelmente nunca conheceram pintura nem papel; enquanto a abundância de poeira e teias de aranha fazia o local parecer mais deserto que habitado. Ficava evidente que o mundo de beleza de Erich Zann estava além, em algum cosmos distante da imaginação.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Gesticulando para que eu me sentasse, o velho parvo fechou a porta, virou um grande candelabro e acendeu uma vela, para aumentar o efeito daquela que havia trazido consigo. Removeu então sua viola de sua maleta comida por traças, sentando-se na menos desconfortável das cadeiras. Não usou o atril, nem ofereceu-me escolha, começando a tocar de memória, encantando-me por mais de uma hora com peças que jamais havia ouvido antes; peças que devem ter sido de sua própria autoria. Descrever sua natureza exata é impossível para aquele que não estudou música. Eram um tipo de fuga, com passagens recorrentes da mais cativante qualidade, mas para mim era notável a ausência de quaisquer das estranhas notas que havia ouvido ao longe, de meu quarto abaixo do dele.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Lembrei-me dessas notas assombrosas, que já havia muitas vezes assobiado inadvertidamente para mim mesmo, de modo que quando o tocador repousou seu instrumento, perguntei se ele não tocaria alguma delas para mim. Mas ao começar o pedido, aquela face de sátiro enrugado perdeu a placidez entediada que havia demonstrado durante seu tocar, e começou a mostrar a mesma mistura curiosa de fúria e medo que eu havia notado quando segurei-o na escada. Por um momento senti vontade de usar da persuasão, não dando muito valor aos caprichos da senilidade; e até mesmo tentei despertar o tom mais estranho do meu anfitrião, assobiando algumas das notas que havia ouvido na noite anterior. Mas não fiz isso por mais que um momento; pois quando o músico idiotado reconheceu a nota assobiada, seu rosto subitamente se distorceu numa expressão além de qualquer descrição, e sua mão direita, fria e ossuda, veio calar minha boca, silenciando minha rude imitação. Fazendo isto, demonstrou mais ainda sua excentricidade olhando de soslaio sua única janela acortinada, como se temendo algum intruso – olhar duplamente absurdo, já que o sótão era alto e inacessível sobre todos os telhados adjacentes, sendo esta janela o único ponto naquela íngreme rua, assim me havia dito o zelador, do qual podia-se ver por cima do muro final.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/04/erich_zann_s.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="http://lovecraft1890.files.wordpress.com/2012/04/erich_zann_s.jpg" width="240" /></span></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span"> </span>O olhar do velho lembrou-me do comentário de Blandot, e com um certo capricho senti desejo de observar o amplo e fascinante panorama dos telhados enluarados e das luzes da cidade além da colina, que de todos os habitantes da Rue d'Auseil, só este músico rezingão podia contemplar. Passei em direção à janela e teria puxado as cortinas ordinárias, se o locatário retardado não me detivesse, desta vez com uma fúria assustada ainda maior; e com a cabeça apontava para a porta, puxando-me nervoso, com ambas as mãos. Agora já bastante enojado com meu anfitrião, ordenei a ele que me libertasse, que eu iria de uma vez. Seu aperto afrouxou, e quando ele notou minha repulsa e ofensa, sua própria raiva pareceu diminuir. Ele voltou a apertar, mas dessa vez de maneira amigável, forçando-me a sentar numa cadeira; e então, com um semblante melancólico foi até a mesa atulhada, onde escreveu muita palavras usando um lápis, no francês esforçado de um estrangeiro.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A nota que ele finalmente me passou era um apelo à tolerância e ao perdão. Zann dizia ser velho, solitário, e aflito por estranhos medos e desordens nervosas conectadas à sua música e outras coisas. Ele havia gostado de minha audiência, e desejava que eu voltasse, sem prestar atenção às minhas excentricidades. Mas não podia tocar novamente suas harmonias bizarras, e não podia suportar ouvi-las vindo de outrem; nem podia suportar qualquer coisa naquele aposento ser tocada por outra pessoa. Ele não sabia, até nossa conversa de corredor, que eu podia ouvir ao longe a música que saía de seu aposento, e agora pedia que eu arranjasse com Blandot um quarto mais baixo, onde não pudesse ouvi-lo à noite. Ele pagaria a diferença de aluguel, assim escreveu.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sentado decifrando aquele execrável francês, senti-me mais compreensivo perante o velho. Ele era vítima de sofrimento físico e nervoso, como também era eu; e meus estudos metafísicos haviam ensinado-me a gentileza. No silêncio, veio um leve som da janela – a persiana deve ter tremido com o vento da noite, e por alguma razão tremi tão violentamente quanto havia feito Erich Zann. De modo que quando terminei a leitura, apertei a mão de meu anfitrião e despedi-me como seu amigo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>No dia seguinte, Blandot deu-me um quarto mais caro no terceiro andar, entre os apartamentos de um agiota envelhecido e o quarto de um respeitável estofador. Não havia ninguém no quarto andar.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Não demorou muito para que eu descobrisse que a ansiedade por companhia de Zann não era tão grande quanto ele parecia demostrar, quando me persuadia a deixar o quinto andar. Ele não me procurava e quando eu ia atrás dele, parecia estar inquieto e tocava de maneira apática. Isto sempre acontecia à noite – durante o dia, ele dormia e não receberia ninguém. Minha simpatia por ele não cresceu, embora o sótão e a música bizarra pareciam fascinar-me de modo estranho. Eu sentia o desejo curioso de olhar pela janela, por cima do muro, olhar lá para baixo, pelo declive oculto para os telhados e as espiras brilhantes que deviam ser vistas dali. Uma vez subi até a cumeeira durante a hora do teatro, quando Zann estava fora, mas a porta estava trancada.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O que consegui fazer foi ouvir ao longe a toada noturna do velho retardado. A princípio, andava na ponta dos pés até o meu velho aposento do quinto andar, e então criava coragem para subir pela última escadaria rangente até o acimado sótão. Lá no estreito corredor, logo antes da porta aparafusada de fechadura coberta, muitas vezes ouvi sons que me enchiam de um temor indefinível – temor de um vago fascínio e mistério agourento. Não é que os sons fossem medonhos, pois não eram; mas continham vibrações sugestivas de algo além deste globo terráqueo, que em certos intervalos assumiam uma qualidade sinfônica que eu mal podia conceber produzida por apenas um músico. Certamente Erich Zann era um gênio de poder espantoso. Conforme passaram as semanas, a toada tornou-se mais selvagem, enquanto o velho músico mostrava abatimento e furtividade cada vez maiores, que me causavam pena. Ele agora recusava-se a receber-me e me evitava toda vez que nos encontrávamos nas escadarias.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E então, uma noite, quando fui ouvir perto da porta, ouvi a viola gritante decair numa caótica babel sonora; um pandemônio que me fez duvidar da própria sanidade, se não viesse detrás daquele portal barrado uma piedosa prova de que o horror era real – o resmungo horrendo e inarticulado que apenas um mudo pode proferir, e que só é ouvido em voz alta naqueles momentos do mais terrível medo ou angústia. Bati repetidamente na porta, mas não obtive resposta. Depois esperei no corredor sombrio, tiritando de frio e medo, até que ouvi os débeis esforços do musicista ao erguer-se do chão, com a ajuda de uma cadeira. Acreditando que o velho estava consciente após um surto de desmaio, voltei a bater, enquanto identificava-me com voz solícita. Ouvi Zann ir aos tropeções até a janela e fechar tanto a persiana quanto o caixilho, e mais uma vez tropeçar balbuciante até a porta, que destrancou para receber-me. Desta vez, o prazer provocado por minha presença era real; pois seu rosto distorcido reluzia de alívio, enquanto ele agarrava meu casaco como uma criança agarra as saias da mãe.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://pepefx.com/content/mixed_collection/thumbs/Thumb_ErichZann.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" src="http://pepefx.com/content/mixed_collection/thumbs/Thumb_ErichZann.jpg" /></span></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span"> </span>Tremendo de modo patético, o velho forçou-me a sentar numa cadeira enquanto afundou em outra, ao lado da qual viola e arco estavam jogados descuidadamente no chão. Ele sentou inativo por um curto período de tempo, balançando a cabeça de maneira esquisita, numa sugestão paradoxal de alguém que ouve algo, intensa e assustadamente. Logo após pareceu estar satisfeito, e indo a uma cadeira na mesa escreveu uma breve nota, que passou para mim, e voltou à mesa, onde começou a escrever rápida e incessantemente. A nota implorava-me, por misericórdia, e pela minha própria curiosidade, que eu esperasse enquanto ele fazia um registro completo, em alemão, de todas as maravilhas e terrores que o assediavam. Esperei, e o lápis do retardado fluiu. Talvez uma hora mais tarde, quando ainda esperava e as folhas febrilmente escritas do velho músico continuavam a empilhar-se, que vi Zann parar como se começando a entrar num choque horrendo. Sem dúvida, ele estava fitando a janela coberta pela cortina, e ouvindo algo, enquanto tremia de tantos calafrios. Foi então que eu pensei ter ouvido também algum som; mas não era um som horrível e sim uma nota musical exoticamente baixa e infinitamente distante, sugerindo um músico em uma das casas vizinhas, ou em alguma morada além do alto muro sobre o qual nunca conseguíamos olhar. O efeito sobre Zann fora terrível, pois, largando seu lápis, subitamente ele levantou-se, tomou da viola e começou a rasgar a noite com a toada mais selvagem que jamais ouvi ser tocada por seu arco, salvo quando ouvindo atrás da porta fechada.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Seria inútil descrever a toada de Erich Zann naquela noite temível. Fora mais horrenda que tudo que havia ouvido antes, porque agora podia ver a expressão de seu rosto, e perceber naquele momento que a motivação de tudo era medo puro. Ele estava tentando fazer ruídos; impedir a chegada de algo, ou abafar o som de algo – o quê, eu não conseguia imaginar, por mais fascinante que pensava que pudesse ser. A toada tornou-se fantástica, delirante e histérica, mas ainda assim presa ao máximo às qualidades de gênio supremo que eu sabia que o estranho velho possuía. Reconheci a melodia – era uma dança selvagem húngara popular nos teatros, e refleti por um momento que esta era a primeira vez que jamais ouvi Zann tocar a obra de outro compositor.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Cada vez mais alto, cada vez mais selvagem, continuavam os gritos e lamentos da desesperada viola. O músico estava suando estranhamente, curvado como um macaco, sempre fitando freneticamente a janela coberta pela cortina. Em suas melodias frenéticas eu quase podia enxergar sátiros e bacanais sombrias, dançando e rodopiando insanamente por abismos borbulhantes de nuvens e fumaça e relâmpago. E então ouvi uma nota mais aguda e firme, que não vinha da viola; uma nota calma, deliberada, motivada e zombeteira, vinda muito além ao oeste.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Neste ponto a persiana começou a bater com o vento noturno uivante, que vinha do exterior como se respondesse ao louco que tocava ali dentro. A viola gritante de Zann agora se superava, emitindo sons que jamais havia pensado que uma viola seria capaz de emitir. A persiana bateu com mais ruído, soltando-se, e começou a bater contra a janela. Foi então que o vidro quebrou-se, trêmulo, após os impactos persistentes, e o vento gélido correu a encher o aposento, fazendo as velas apagarem e espalhando as folhas de papel na mesa, onde Zann havia começado a escrever seu horrível segredo. Olhei para Zann, e o que vi estava além da observação consciente. Seus olhos azuis estavam arregalados, vítreos e cegos, e a toada frenética havia tornado-se uma orgia cega, mecânica e irreconhecível, que escrito algum conseguirá jamais chegar a sugerir.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://cursedverse.com/wp-content/uploads/2011/05/azathoth1.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="400" src="http://cursedverse.com/wp-content/uploads/2011/05/azathoth1.jpg" width="285" /></span></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span"> </span>Uma súbita rajada, mais forte que as outras, tomou do manuscrito e o levou em direção à janela. Segui as folhas esvoaçantes, desesperado, mas se foram antes que eu alcançasse as vidraças quebradas. Então lembrei de meu antigo desejo de observar desta janela, a única janela na Rue d'Auseil a partir da qual poder-se-ia enxergar a ladeira além do muro, e a cidade espalhada lá embaixo. Estava muito escuro, mas as luzes da cidade sempre estavam acesas, e eu esperei vê-las entre a chuva e o vento. Porém quando olhei, da mais alta das janelas da cumeeira, olhei enquanto as velas apagavam e a viola insana uivava junto com o vento noturno, não vi cidade alguma espalhada lá embaixo, e nenhuma luz amigável brilhando nas ruas familiares, mas apenas a treva do espaço ilimitado; espaço inimaginável, vivo de movimentos e música, sem comparação a qualquer coisa da terra. E quando olhei aquilo, aterrorizado, o vento soprou ambas as velas daquela antiga cumeeira, deixando-me numa escuridão selvagem e impenetrável, caos e pandemônio diante de mim, e por trás a loucura demoníaca daquela viola que uivava para a noite.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Dei passos vacilantes para trás, sem atinar como acender uma luz, batendo contra a mesa, virando uma cadeira e finalmente, às apalpadelas, chegando onde a treva gritava com sua música chocante. Para salvar-me e a erich Zann, eu deveria ao menos tentar, não importando os poderes que se me opunham. Pensei então sentir alguma coisa gélida roçar minha pele, e gritei, mas meu grito não podia ser ouvido acima daquela viola macabra. Subitamente, da escuridão o arco da viola, tocando insanamente, bateu em mim, e eu percebi que estava próximo ao músico. Aproximei-me mais, toquei as costas da cadeira de Zann e então encontrei e balancei seu ombro, num esforço de reanimar seus sentidos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele não respondeu, e ainda assim a viola gritava, sem descanso. Passei minha mão para a cabeça dele, cujo balançar mecânico consegui parar, e gritei em sua orelha, vamos fugir das coisas desconhecidas da noite. Mas nem ele me respondeu, nem diminuiu o frenesi de sua música impronunciável, enquanto por toda a cumeeira, estranhas correntes de vento pareciam dançar na escuridão e na babel. Quando minha mão tocou sua orelha, senti calafrios, mas não soube por quê – não soube até sentir a face rígida; a face gelada, paralisada e que não respirava, cujos olhos vítreos arregalavam-se inutilmente para o vácuo. E então, por algum milagre, encontrei a porta e a grande maçaneta de madeira, e fugi maníaco, daquela coisa de olhos vítreos no escuro, e do mórbido uivar daquela viola maldita, cuja fúria aumentou quanto mais eu fugia.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSTMwMnxX9Qa1GjQWn1sPEU_-Ax4XwAj3v4Ob1zPw1B1x_1H-eBtVO_yI3BEyZQxMMTe8SV1IuR2D-eDhvDZL-VZ9TgwNiYoojkcqbrdYUctxKGmmKizj4HEXgGbfyAlCzV9kmsm-z46jR/s1600/c84bfc2108.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSTMwMnxX9Qa1GjQWn1sPEU_-Ax4XwAj3v4Ob1zPw1B1x_1H-eBtVO_yI3BEyZQxMMTe8SV1IuR2D-eDhvDZL-VZ9TgwNiYoojkcqbrdYUctxKGmmKizj4HEXgGbfyAlCzV9kmsm-z46jR/s320/c84bfc2108.jpg" width="258" /></span></a><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Saltando, flutuando, voando abaixo por aquelas escadarias sem fim pela casa escura; correndo sem pensar pela rampa estreita e íngreme da antiga rua de degraus e casas tortas; fazendo um estardalhaço com meus passos sobre as pedras das ruas mais baixas e até o pútrido rio murado por cânions; perdendo o fôlego ao correr pela grande e sombria ponte até as ruas e bulevares mais largos e saudáveis que eu conhecia; todas essas terríveis impressões ainda guardam-se dentro de mim. E eu lembro que não havia vento, que a lua estava visível, e que todas as luzes da cidade cintilavam.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Apesar de minhas mais cuidadosas buscas e investigações, desde então jamais consegui encontrar a Rue d'Auseil. Mas em parte sou grato por não encontrá-la; nem a rua, nem a vertigem nos abismos insonháveis daquelas folhas de linhas apertadas, que poderiam ter explicado o que estava por trás da música de Erich Zann.</span>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-23546839985774561472011-10-20T13:42:00.000-07:002011-10-20T13:48:10.417-07:00O DESAFIO DO ALÉM - Final<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 20px;">História Colaborativa escrita por <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/C._L._Moore" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">C. L. Moore</a>, <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/A._Merritt" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">A. Merritt</a>, <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Lovecraft" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">H. P. Lovecraft</a>, <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_e._howard" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">Robert E. Howard</a> e <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Frank_Belknap_Long" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">Frank Belknap Long</a></span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: x-small;">Traduzida por Arthur Ferreira Jr.'.</span><br /><br /><br /><br /><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Quarta e Quinta Partes:</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8BQVw83XQbEoDdAR3hFN-kp0iFGdG5CAOIOB6-_ErBoqUTTrKu7RnHa46M4teQiSsjjAVoO-chyLMbYwdXmLK4QAQhx9yb6wGC6-9YBcQvKpS70GgcYxYS-yjB_xjAXuFQAAidTS5mhs/s1600/REHoward.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8BQVw83XQbEoDdAR3hFN-kp0iFGdG5CAOIOB6-_ErBoqUTTrKu7RnHa46M4teQiSsjjAVoO-chyLMbYwdXmLK4QAQhx9yb6wGC6-9YBcQvKpS70GgcYxYS-yjB_xjAXuFQAAidTS5mhs/s320/REHoward.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="247" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">[<i>Robert E. Howard</i>]<br /><br /><br /><br /><br />Deste último intervalo sem sentidos, emergiu com total entendimento da situação. Sua mente estava aprisionada no corpo de um aterrador nativo de um planeta alienígena, enquanto, em algum lugar no outro lado do universo, seu próprio corpo hospedava a personalidade do monstro.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Lutou contra um horror irracional. Julgando a partir de uma perspectiva cósmica, por quê sua metamorfose deveria horrificá-lo? A vida e a consciência eram as únicas realidades no universo. A forma não era importante. Seu corpo atual era horrendo apenas de acordo com os padrões terrestres. O medo e a repulsa se afogaram na empolgação da titânica aventura.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O que era seu corpo anterior senão um manto, que de todo modo seria descartado após a morte? Ele não tinha ilusões sentimentais quanto à vida da qual havia sido exilado. E o que esta o dera, senão esforços, pobreza, frustrações e repressões contínuas? Se aquela nova vida diante dele não oferecia mais, pelo menos não oferecia menos. E a intuição o dizia que ofereceria mais – muito mais.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Com a honestidade possível apenas quando a vida é despida até seu fundamento mais cru, percebeu que só lembrava com prazer das delícias físicas de sua vida anterior. Porém, há muito havia exaurido as possibilidades físicas contidas naquele corpo terráqueo. A Terra não mais oferecia emoções novas. Mas, na posse daquele novo corpo alienígena, sentia a promessa de alegrias estranhas e exóticas.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Uma exultação bastarda crescia nele. Era um homem sem mundo, livre de todas as convenções e inibições da Terra, ou deste estranho planeta, livre de todas as restrições artificiais do universo. Ele era uma divindade! Divertia-se macabramente, quando pensava em seu próprio corpo, movendo-se pela sociedade e transações da Terra, enquanto isso um monstro alienígena observava das janelas que eram os olhos de George Campbell, fixos nas pessoas que dele fugiriam, se soubessem a verdade.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Que ele andasse pela terra matando e destruindo como pudesse, a Terra e suas espécies não mais significavam coisa alguma para George Campbell. Ali, ele seria mais uma de bilhões de não-entidades, congeladas por um amontoado acúmulo de convenções, leis e costumes, fadadas a viver e morrer em seus sórdidos nichos. Porém, num único movimento às cegas, ele havia colocado-se além do lugar-comum. Aquilo não era morte, era renascimento – o nascimento de uma mentalidade madura, com uma nova liberdade que fazia pouco da catividade física em Yekub.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele começou. Yekub! Era o nome daquele planeta, mas como ele sabia? Então soube, já que sabia o nome daquele corpo que ocupava – Tothe. A memória, **grooved nas profundezas do cérebro de Tothe, estava remexendo-se dentro dele – sombras do conhecimento que tinha Tothe. Gravado lá no fundo dos tecidos físicos do cérebro, falavam tênues, como instintos implantados, na mente de George Campbell; e sua consciência humana os arrebatou e traduziu, para mostrar-lhe não só a segurança e a liberdade, mas o poder que sua alma, reduzida aos mais primitivos impulsos, ansiava. Não como um escravo ele habitaria em Yekub, mas como um rei! Da mesma forma que os antigos bárbaros haviam se sentado nos tronos de impérios arrogantes.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj5XpC3ZBj0lWjzNXPA1fIypLpYiZ_l6c3V80XxLnPlztWvrTUW0s_AaPIuZCzXSfujw43h4fF13FaBphQKEcqrXuysbmx-jTJGUcTvQUPb75Jckgt7yM35W_AstP39S49O9szlHQX_3rY/s1600/zupialexruiz+zupi.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; color: #e4ff00; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj5XpC3ZBj0lWjzNXPA1fIypLpYiZ_l6c3V80XxLnPlztWvrTUW0s_AaPIuZCzXSfujw43h4fF13FaBphQKEcqrXuysbmx-jTJGUcTvQUPb75Jckgt7yM35W_AstP39S49O9szlHQX_3rY/s320/zupialexruiz+zupi.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="224" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Pela primeira vez, voltou sua atenção ao que o cercava. Ele ainda continuava sobre a coisa parecida com um sofá, no meio daquele aposento fantástico, e o homem centípede diante dele, segurando o objeto de metal polido, e batendo seus espículos do pescoço. Era dessa forma que falava com ele, sabia Campbell, e o que ele dizia podia ser suavemente compreendido, através dos processos mentais implantados de Tothe, da mesma forma que ele sabia que a criatura era Yukth, senhor supremo da ciência.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas Campbell não deu atenção a isso, pois havia decidido seu plano desesperado, um plano tão alienígena aos costumes de Yekub, que estava além da compreensão de Yukth, e o pegou totalmente de surpresa. Yukth, como Campbell, viu a lasca de mental de ponta afiada numa mesa próxima, mas para Yukth, era apenas um implemento científico. Nem mesmo sabia que poderia ser usada como uma arma. A mente terrena de Campbell suplementava o conhecimento e a ação que se seguiram, impelindo o corpo de Tothe a fazer movimentos que nenhum homem de Yekub jamais havia feito antes.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Campbell agarrou a lasca afiada e golpeou, rasgando para cima, com selvageria. Yukth ergueu-se e cambaleou, suas entranhas espalhando-se pelo chão. Num só instante, Campbell atingia a porta. Sua velocidade era impressionante, exultante, a primeira realização da promessa de novas sensações físicas.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Conforme corria, totalmente guiado pelo conhecimento instintivo implantado nos reflexos físicos de Tothe, como se estivesse alojando uma consciência separada em suas pernas, o corpo físico de Tothe o estava levando por uma rota que havia sido passada dez mil vezes, quando animado pela mente do alienígena.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjaTaZbQR6He5JI1sN_Z4x-qJougXJWLxzcl_KZrH3FvN3L0PwWWu-YTRArCZ9-nBeUU2Br5D6JoPEKUMpD63iwWLmQe7SDiMkGOjA8JrUYb4kl_xlf64-rj7Y9djkqLeR2szGc22bi6BM/s1600/Deep+Soul+Journey+-+Mimulux.png" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjaTaZbQR6He5JI1sN_Z4x-qJougXJWLxzcl_KZrH3FvN3L0PwWWu-YTRArCZ9-nBeUU2Br5D6JoPEKUMpD63iwWLmQe7SDiMkGOjA8JrUYb4kl_xlf64-rj7Y9djkqLeR2szGc22bi6BM/s320/Deep+Soul+Journey+-+Mimulux.png" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="296" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Descendo por um corredor espiralado ele correu, subiu uma escada distorcida, passou por uma porta entalhada, e os mesmos instintos que o haviam trazido aqui disseram-no que ele havia encontrado o que procurava. Estava num aposento circular, de teto de domo, que luzia azulado e lívido. Uma bizarra estrutura se erguia no meio do chão da cor do arco-íris, pavimento por pavimento, cada um de uma cor vívida e separada. O último pavimento era um cone púrpura, de cujo ápice uma névoa azul e enfumaçada subia para uma esfera que se erguia em pleno ar – uma esfera que luzia como marfim translúcido.</span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Aquilo, diziam a Campbell as memórias mais profundamente inculcadas de Tothe, era o deus de Yekub, embora a razão pela qual o povo de Yekub o temia e venerava havia sido esquecida há um milhão de anos. Um verme-sacerdote se impunha entre ele e o altar que nenhuma mão de carne jamais havia tocado. O fato de que ele podia ser tocado era uma blasfêmia que jamais ocorrera a um homem de Yekub. O verme-sacerdote ficou paralisado de horror, até que a lasca de Campbell arrancasse sua vida.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Com suas patas de centípede, Campbell escalou o altar pavimentado, ignorando suas súbitas vibrações, ignorando a mudança que ocorria na esfera flutuante, ignorando a fumaça que agora ondulava em nuvens azuis. Ele estava embriagado com a sensação de poder. Ele não temia as superstições de Yekub não mais do que temia as da Terra. Com aquele globo nas mãos, ele seria o rei de Yekub. Os homens-verme não ousariam negar nada a ele, enquanto ele mantinha seu deus como refém. Ele estendeu a mão para a bola – que agora não mais tinha tons de marfim, e sim era vermelha como sangue …<br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_yQ6zcZ9kFgDCxqXYivP9EvFiQ05BsMcDKuGuSDGQlOGJsSwAHn6KJPsVBHQXAD_0zHAdbhHrXfcDfKFz3ccMR41Me3SWVTUhQlGEDKG6dJ4EyIT7CMvobHAMgpxaXJaoosFFdZSVLAg/s1600/Frank+Belknap+Long+1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_yQ6zcZ9kFgDCxqXYivP9EvFiQ05BsMcDKuGuSDGQlOGJsSwAHn6KJPsVBHQXAD_0zHAdbhHrXfcDfKFz3ccMR41Me3SWVTUhQlGEDKG6dJ4EyIT7CMvobHAMgpxaXJaoosFFdZSVLAg/s1600/Frank+Belknap+Long+1.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">[<i>Frank Belknap Long</i>]<br /><br /><br /><br /><br />Saindo da barraca para a pálida noite de agosto, andava o corpo de George Campbell. Movia-se de um jeito lento e vacilante entre os corpos das árvores enormes, caminhando por uma trilha da floresta polvilhada de folhas de pinheiros, de doce odor. O ar estava picante e frio. O céu era uma taça invertida de prata congelada, manchada de poeira estelar, e ao norte longínquo, a aurora boreal derramava fluxos de fogo.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A cabeça do homem que caminhava estava derrubada de modo horrendo, virada para o lado. Dos cantos de sua boca frouxa, escorriam fios espessos de espuma cor de âmbar, que se agitava na brisa noturna. Ele andou ereto antes, como um homem deveria andar, mas gradualmente, conforme se distanciava da barraca, sua postura se alterava. Seu torso começava, quase imperceptivelmente, a inclinar-se, e seus membros, a encolher.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Num mundo muito distante, no espaço exterior, a criatura centípede que era George Campbell segurou em seu seio um deus cujos adornos eram vermelhos como sangue, e correu, tremendo como um inseto, por um salão de cores do arco-íris, passando depois por portais massivos, direto pra a brilho forte dos sóis alienígenas.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Rondando entre as árvores da Terra, numa atitude que sugeria o tropegar bisonho de um licantropo, o corpo de George Campbell cumpria um destino sem mente. Dedos longos, de garras nas pontas, puxavam folhas odoríferas do tapete que cobria a floresta, conforme movia-se em direção a uma ampla expansão de água cintilante.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>No mundo distante e extragalático do povo verme, George Campbell movia-se entre blocos ciclópicos de cantaria negra, descendo por longas avenidas, florida de samambaias, erguendo nas patas o deus vermelho e globular.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFIOuazBuClvU-uZnHTtS6uebs6VldFuWCULVeD87uZR98Q9dbylRgsDzV70-4U3kvbl1XUlwVJal4xCsFEzEgO0m_xZEjqlljTPW6scIO1x8YdQX_48YYobbFM0E2WyEc7SC5P4mqTTU/s1600/The+Guardians+-+Mimulux.png" imageanchor="1" style="clear: right; color: #e4ff00; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFIOuazBuClvU-uZnHTtS6uebs6VldFuWCULVeD87uZR98Q9dbylRgsDzV70-4U3kvbl1XUlwVJal4xCsFEzEgO0m_xZEjqlljTPW6scIO1x8YdQX_48YYobbFM0E2WyEc7SC5P4mqTTU/s320/The+Guardians+-+Mimulux.png" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="320" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Foi ouvido um grosseiro berro de animal num arbusto próximo ao lago cintilante da Terra, onde a mente de uma criatura verme habitava um corpo onde o instinto imperava. Os dentes humanos se enfiaram pela suave pelagem animal, rasgaram a negra carne animal. Uma pequena raposa prateada enfiou suas presas num pulso humano e peludo, buscando uma frenética retaliação, e agitava-se aterrorizada com o derramar do sangue. Lentamente, o corpo de George Campbell levantou-se, sua boca suja de sangue fresco. Com os membros superiores gingando de modo esquisito, moveu-se na direção das águas do lago.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Conforme a criatura mutável que era George Campbell rastejava entre os blocos negros de pedra, milhares de formas de vermes prostravam-se na poeira cintilante diante dele. Um poder divino parecia emanar de seu corpo trêmulo, enquanto ele movia-se num ritmo lento e ondulante, em direção ao trono de um império espiritual que transcendia as soberanias da Terra.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Um caçador, rondando esgotado pela densa floresta na Terra, próximo à barraca onde a criatura verme havia habitado o corpo de George Campbell, veio às águas cintilantes do lago, e discerniu algo escuro, flutuando ali. Havia estado perdido na floresta a noite toda, e a fadiga o envolvia como um manto de chumbo sob a luz pálida da manhã.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Porém, aquela forma era um desafio que ele não podia ignorar. Movendo-se até a borda da água, ajoelhou-se no barro mole, e esticou-se até a coisa que flutuava. Lentamente, a puxou até a praia.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Muito distante no espaço experior, a criatura verme empunhando o deus vermelho e brilhante ascendeu a um trono que brlhava como a constelação Cassiopeia, sob uma abóboda alienígena de hipersóis. A poderosa divindade que ele erguia energizava seu corpo de verme, consumindo no fogo branco de uma espiritualidade supramundana, tudo que lhe restava de animal.<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Na Terra, o caçador contemplou, num horror impronunciável, a face escurecida e peluda do homem afogado. Era uma face bestial, de feições repulsivamente antropoides, e de sua boca deformada e contorcida, escorria um icor negro.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEibKppwixx7kifup8Lm3WlOpSv4uQHOknwlkbhkASIydtuqdTjMhXCxxGegFM-GomGtCyDL9Fi5TEam33qqH2YIL5_vy1W8u4W2zv6P5lFJEXvvf1J9VFXfZSRltFTYHgfvuUZOBxEfP9s/s1600/152ab91e195e91625e0b60c93021265e.image.386x550.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEibKppwixx7kifup8Lm3WlOpSv4uQHOknwlkbhkASIydtuqdTjMhXCxxGegFM-GomGtCyDL9Fi5TEam33qqH2YIL5_vy1W8u4W2zv6P5lFJEXvvf1J9VFXfZSRltFTYHgfvuUZOBxEfP9s/s320/152ab91e195e91625e0b60c93021265e.image.386x550.JPG" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="224" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Aquele que buscou seu corpo pelos abismos do Tempo ocupará um corpo que não lhe obedecerá,” disse o deus vermelho. “Nenhuma cria de Yekub pode controlar o corpo de um humano.”<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Por toda a Terra, as criaturas vivas rasgam umas às outras, e banqueteiam-se, numa indizível crueldade, de seus próximos e parentes. Nenhuma mente de verme pode controlar um corpo humano bestial, quando este anseia a selvageria. Apenas mentes humanas, instintivamente condicionadas, no decorrer de dezenas de milhares de gerações, podem governar os instintos humanos. Seu corpo irá destruir a si mesmo, na Terra, buscando o sangue de seus parentes animais, buscando a água fria onde podia rolar com prazer. Buscará a inevitável destruição, pois o instinto da morte é mais poderoso nele que os instintos da vida, e destruir-se-á, buscando retornar ao barro de onde proveio.”<br /><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Assim falou o globuloso e vermelho deus de Yekub, vindo de um segmento distante do <i>continuum</i> do espaço-tempo, dirigindo-se a George Campbell, enquanto este último, com todos os desejos humanos purgados, sentava-se no trono e governou então um império de vermes, mais sábia, gentil e benevolamente que os homens da Terra podem algum dia governar um império de homens.</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPDbl7wZNoDYFbpiOYOuWlAeiVWKWl89GehAW2EKqlTDRnq153fo3yBSqFsoDIBryy1sL0BydjmRNmfAhyp3AYIrJHN2naPSm8cl9pPy-9_CpafM2Ctyw49ItBE3eSpOUb9TmtRMJINRY/s1600/Hound+of+Tindalos+james+wolf.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPDbl7wZNoDYFbpiOYOuWlAeiVWKWl89GehAW2EKqlTDRnq153fo3yBSqFsoDIBryy1sL0BydjmRNmfAhyp3AYIrJHN2naPSm8cl9pPy-9_CpafM2Ctyw49ItBE3eSpOUb9TmtRMJINRY/s640/Hound+of+Tindalos+james+wolf.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="640" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
</div>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-79110657032286421882011-10-18T03:33:00.000-07:002011-10-18T03:41:55.537-07:00O DESAFIO DO ALÉM - Parte III<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"></span><br />
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">História Colaborativa escrita por <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/C._L._Moore" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">C. L. Moore</a>, <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/A._Merritt" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">A. Merritt</a>, <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Lovecraft" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">H. P. Lovecraft</a>, <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_e._howard" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">Robert E. Howard</a> e <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Frank_Belknap_Long" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">Frank Belknap Long</a></span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Traduzida por Arthur Ferreira Jr.'.</span></span></span></div>
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Terceira Parte: </span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnZi41k3X3d6zhBnwpAiJ2JYHGwmGKY8oTmF_eAeKA1DrvknokyWtRhHHQjSfOhgerA7JVEtgVOjrp5jHjqhInUxvKBSDDfc8KdiN_aB86UAekbuSg4Dm7HXl9s4APmo_1y_Q7sVXguRI/s1600/hplportrait3.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnZi41k3X3d6zhBnwpAiJ2JYHGwmGKY8oTmF_eAeKA1DrvknokyWtRhHHQjSfOhgerA7JVEtgVOjrp5jHjqhInUxvKBSDDfc8KdiN_aB86UAekbuSg4Dm7HXl9s4APmo_1y_Q7sVXguRI/s320/hplportrait3.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="213" /></span></a></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">[H. P. Lovecraft]</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Conforme a luz dos sóis safiras, borrada pela névoa, tornava-se cada vez mais intensa, os contornos do globo à frente desfaziam-se e dissolviam-se num caos efervescente. Sua palidez, movimentos e música mesclavam-se com a névoa que engolfava – alvejando-a de uma cor de aço esbranquiçado, pondo-a em movimento ondulante. E também os sóis safiras, derretiam imperceptivelmente, espalhando-se pelo infinito acinzentado daquela pulsação amorfa.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Enquanto isso, a sensação de movimento para frente e para fora tornou-se intolerável, incrível e cosmicamente rápido. Todos os padrões de velocidade conhecidos na Terra pareciam lentos diante daquilo, e Campbell soube que um voo daqueles, na realidade física, significaria morte instantânea para um ser humano. Mesmo naquele estado – naquela estranha e infernal hipnose ou pesadelo – a impressão quase-visual de ricochete quase paralisava sua mente. Embora não houvessem pontos verdadeiros de referência no vácuo cinzento e pulsante, ele sabia que começava a aproximar-se, e a superar, a própria velocidade da luz. Finalmente, sua consciência se apagou – e uma misericordiosa escuridão engoliu a tudo.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Tudo muito súbito, e em meio à mais impenetrável escuridão, pensamentos e ideias mais uma vez vieram a George Campbell. Quantos momentos – ou anos – ou eternidades haviam se passado desde seu voo pelo grande vácuo, não conseguiria estimar. Ele só sabia que parecia estar descansado e sem dor alguma. De fato, a ausência de toda sensação física era a qualidade definidora de sua condição. Fazia com que mesmo a negritude parece menos solidamente negra – sugerindo que ele era agora uma inteligência incorpórea, num estado além dos sentidos físicos, e não um ser corpóreo com sentidos privados de seus objetos de percepção costumeiros. Ele conseguia pensar com agudeza e rapidez – quase sobrenaturais – embora ainda não pudesse apreender de fato a sua situação.<br /><br />Meio por instinto, percebeu que não estava em sua própria barraca. De fato, poderia ter acordado lá, de um pesadelo, para um mundo igualmente negro, no escuro; mas ele sabia que não se tratava disso. Não havia nenhum colchonete debaixo de si – ele não tinha mãos para sentir os cobertores e lona e lanterna que deveriam estar ao seu redor – não havia sensação alguma de frio no ar – nenhuma porta através da qual pudesse vislumbrar a pálida noite lá fora … algo estava errado, assustadoramente errado.<br /><br />Ele tentou relembrar o passado, e pensou no cubo fluorescente que o havia hipnotizado – naquele momento, e no que havia se seguido. Ele sabia que sua mente havia se movido para além, e não conseguia retroceder. Naquele último momento, houve um medo, um pânico chocante – um medo subconsciente, além até mesmo daquele causado pela sensação do voo demoníaco. Vinha de algum vago vislumbre, ou lembrança remota – do quê exatamente, não podia dizer de imediato. Em algum lugar, lá no fundo de suas mente, ele pareceu encontrar uma qualidade nebulosamente familiar no cubo – e essa familiaridade vinha repleta de terror. Agora, ele tentava lembrar-se que familiaridade e terror eram esses.<br /><br />Pouco a pouco, a coisa ficou óbvia. Um dia – há muito tempo, em seu trabalho geológico – havia lido sobre algo como aquele cubo. Tinha a ver com aqueles discutíveis e perturbadores fragmentos de argila chamados de Tabuletas de Eltdown, escavados de uma camada pré-carbonífera, no sul da Inglaterra, trinta anos antes. Seu formato e marcas eram tão estranhos, que uns poucos eruditos clamaram ser artificiais, e fizeram conjeturas loucas sobre elas e suas origens. Vinham claramente de uma era em que nenhum ser humano poderia ter existido no globo – porém seus contornos e figuras eram terrivelmente enigmáticos. Foi assim que conseguiram sua fama.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGuJa_4Gp3VgbKZGU68JCJL4VBFY68PRgGbtSmuqP-vk926hhy7tdFvcQG7XYppp7u-4NZZwb7Eb3ja4tDCtCv3EtThBIKapKQdIeR0rasiDzySFHYOwps0vKvoMOKFFuEY8KQ99zNqo4/s1600/yith.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGuJa_4Gp3VgbKZGU68JCJL4VBFY68PRgGbtSmuqP-vk926hhy7tdFvcQG7XYppp7u-4NZZwb7Eb3ja4tDCtCv3EtThBIKapKQdIeR0rasiDzySFHYOwps0vKvoMOKFFuEY8KQ99zNqo4/s320/yith.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="237" /></span></a></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Não foi, porém, nos escritos de algum cientista sóbrio, que Campbell vira referência a um cristal que envolvia um disco. A fonte era de reputação bem mais fraca, e infinitamente mais vívida. Por volta de 1912, um clérigo de Sussex, profundamente erudito e de inclinações ocultistas – o Reverendo Arthur Brooke Winters-Hall – havia professado identificar nas marcas nas Tabuletas de Eltdown alguns dos assim-chamados “hieróglifos pré-humanos” persistentemente adorados e esotericamente legados por certos círculos místicos, e publicou, às suas próprias custas, o que ele dizia ser uma “tradução” das primais e estarrecedoras “inscrições” – uma “tradução” ainda citada com muita frequência e seriedade por escritores ocultistas. Nesta “tradução” – uma brochura surpreendentemente longa, em vista do limitado número de “tabuletas” existentes – ocorria uma narrativa, supostamente de autoria pré-humana, contendo a dita referência, agora assustadora.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Dizia a história que habitou num mundo – e eventualmente, em incontáveis outros mundos – do espaço exterior, uma poderosa ordem de seres vermiformes, cujas realizações, e cujo controle da natureza superavam qualquer coisa dentro dos limites da imaginação terrestre. Eles haviam dominado a arte da viagem interestelar logo no começo de sua carreira, e haviam populado todos os planetas habitáveis em sua própria galáxia – matando as raças que neles encontravam.<br /><br />Além dos limites de sua própria galáxia – que não era a nossa – não podiam navegar em pessoa; porém, em sua busca pelo conhecimento de todo o espaço e todo o tempo, descobriram um meio de ultrapassar certos golfos transgaláticos, usando suas mentes. Inventaram certos objetos peculiares – cubos estranhamente energizados, feitos de um cristal curioso, contendo talismãs hipnóticos, e encerrados em envelopes esféricos resistentes ao espaço, consistindo de uma substância desconhecida – objetos que podiam ser forçosamente expelidos além dos limites de seu universo, e que reagiriam somente à atração da matéria sólida e fria.<br /><br />Esses cubos, dos quais uns poucos necessariamente aterrissariam em vários mundos habitados, nos universos exteriores, formavam as pontes etéricas necessárias para a comunicação mental. A fricção atmosférica incinerava o envelope protetor, deixando o cubo exposto e sujeito à descoberta por mentes inteligentes do mundo onde havia caído. Por sua própria natureza, o cubo atrairia e chamaria a atenção. Isto, em conjunto com a ação da luz, seria suficiente para pôr suas propriedades especiais em funcionamento.<br /><br />A mente que notasse o cubo seria atraída pelo poder do disco, e seria enviado num rastro de energia obscura para o lugar de onde o disco havia vindo – o remoto mundo dos exploradores espaciais vermiformes, além de estupendos abismos galáticos. Recebida em uma das máquinas a qual o cubo estava sintonizado, a mente capturada permaneceria nela suspensa, sem corpo ou sentidos, até que fosse examinada pela raça dominante. Então, através de um processo obscuro de intercâmbio, seria esvaziada de todo conteúdo. A mente do investigador agora ocuparia a estranha máquina, enquanto a mente cativa ocuparia o corpo vermiforme do interrogador. E então, em outro intercâmbio, a mente do interrogador saltaria pelo espaço sem fim, chegando ao corpo vazio e inconsciente da mente cativa, no mundo transgalático – animando o receptáculo alienígena como melhor conseguisse, e explorando o mundo alienígena, disfarçado de um de seus habitantes.</span><br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhw5QEy0Y6XOj39WLxX8DYNUAARKHJvJ_vr6Ey7tlugT4wtcdKU3RR2JUSsNEF4hIPtNJlPIiswUaOm0Th8CdXsLQSFNqFP5dMbEDvWLLt-tLjN5Mw4sTKjofE34PiBGObMm9ogrsBPGrw/s1600/polyp.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; color: #e4ff00; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhw5QEy0Y6XOj39WLxX8DYNUAARKHJvJ_vr6Ey7tlugT4wtcdKU3RR2JUSsNEF4hIPtNJlPIiswUaOm0Th8CdXsLQSFNqFP5dMbEDvWLLt-tLjN5Mw4sTKjofE34PiBGObMm9ogrsBPGrw/s400/polyp.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="301" /></span></a></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Quando isto era feito com o propósito exploratório, o aventureiro usaria o cubo e seu disco para realizar o retorno – e às vezes, a mente cativa seria restaurada com segurança a seu próprio mundo remoto. Nem sempre, porém, a raça dominante era tão gentil. Às vezes, quando uma raça potencialmente importante, capaz de viagem espacial, era encontrada, o povo vermiforme empregaria o cubo para capturar e aniquilar mentes aos milhares, e extirparia a raça, por razões diplomáticas – usando as mentes exploradas como agentes da destruição.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Em outros casos, seções do povo vermiforme ocupavam permanentemente um planeta transgalático – destruindo as mentes cativas e executando os habitantes remanescentes, preparando-se para invadir corpos desconhecidos. Porém, nunca a civilização progenitora podia ser totalmente duplicada; já que a novo planeta poderia não conter todos os materiais necessários para as artes da raça vermiforme. Por exemplo, os cubos só podiam ser feitos no planeta natal.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Apenas uns poucos dos inumeráveis cubos enviados chegavam a aterrissar e funcionar num mundo habitado – já que não existia mira naquele processo além da visão e do conhecimento. Apenas três, dizia a história, haviam aterrissado em mundos populados de nosso próprio universo. Um desses havia atingido um planeta próximo aos limites da galáxia, há dois trilhões de anos, enquanto outro havia se alojado, três bilhões de anos atrás, num mundo próximo do centro da galáxia. O terceiro – e o único conhecido por ter invadido o sistema solar – havia alcançado nossa própria terra, há 150 milhões de anos.<br /><br />Era com esse tipo de coisa que a “tradução” do dr. Winters-Hall lidava, em sua maior parte. Quando o cubo atingiu a Terra, escreveu ele, a espécie terráquea governante era uma enorme raça de formato cônico, que superava todas as outras que vieram antes, em mentalidade e realizações. Esta raça era tão avançada, que na verdade enviava mentes adiante, tanto no espaço quanto no tempo, para explorar o cosmos, reconhecendo portanto algo do que havia acontecido, quando o cubo caíra do céu e certos indivíduos sofreram mudanças mentais, após contemplar o interior do objeto.<br /><br />Percebendo que os indivíduos modificados representavam mentes invasoras, os líderes da raça ordenaram sua destruição – mesmo ao custo das mentes deslocadas, exiladas no espaço alienígena. Eles já tinham experiências com transições ainda mais bizarras. Quando, através da exploração mental do espaço e do tempo, formaram ideia vaga do que era o cubo, ocultaram cuidadosamente a coisa da luz e da visão dos seres, guardando-o como uma ameaça. Não quiseram destruir uma coisa tão rica de possibilidades experimentais posteriores. Aqui e ali, algum aventureiro audaz e inescrupuloso ganharia acesso furtivo ao cubo e provaria de seus perigosos poderes, apesar das consequências – porém todos os casos eram descobertos e resolvidos de maneira drástica e segura.</span><br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnJOFpKdQRWEM_spx4FWj6RjkA3t2bArNyrUsDPX-EZ0mACuDmY691o6wJgYbfvuHrcIdCzGtea3Snw4YsgsUyCT0OWlm5SrqgHB5o6oh57zl0bbVDILepmd6paNn2p5cr3pHWhV5lkDA/s1600/polypyith.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="296" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnJOFpKdQRWEM_spx4FWj6RjkA3t2bArNyrUsDPX-EZ0mACuDmY691o6wJgYbfvuHrcIdCzGtea3Snw4YsgsUyCT0OWlm5SrqgHB5o6oh57zl0bbVDILepmd6paNn2p5cr3pHWhV5lkDA/s320/polypyith.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="320" /></span></a></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Desta interação maligna, o único resultado ruim foi que a raça vermiforme no espaço exterior aprendeu, de seus novos exilados, o que havia acontecido com seus exploradores na terra, e concebeu um violento ódio do planeta e todas as suas formas de vida. Teriam eliminado toda a sua população se fosse possível, e de fato, enviaram cubos adicionais pelo espaço, na insana esperança de que, por acidente, atingisse lugares desguardados – mas esse acidente nunca chegou a acontecer.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Os seres terrestres de formato cônico mantiveram o único cubo existente num santuário especial, como relíquia e base de exploração, até que, depois de eras, o cubo se perdeu em meio ao caos da guerra e da destruição da grande cidade polar onde era guardado. Quando, cinquenta milhões de anos mais tarde, os seres enviaram suas mentes para mais adiante no tempo, para o futuro infinito, para evitar um perigo inominado vindo do subterrâneo, o destino do sinistro cubo vindo do espaço ficou sendo desconhecido.<br /><br />De acordo com o devotado ocultista, era o que diziam as Tabuletas de Eltdown. O que agora tornava seu relato ainda mais obscuramente aterrorizante a Campbell, era a precisão e as minudências com que o cubo alienígena era descrito. Cada detalhe determinado – dimensões, consistência, disco central hieroglifado, efeitos hipnóticos. Como estava pensando no caso, repetidamente, nas trevas de sua estranha situação, começou a imaginar se, toda a sua experiência com o cubo de cristal – de fato, a própria existência desse cubo – não era um pesadelo, trazido por alguma aberrante memória subconsciente daquela leitura extravagante e charlatã. Mesmo assim, se era o caso, o pesadelo ainda estava em andamento; já que sua presente situação, aparentemente incorpórea, não tinha nada de normal.<br /><br />Campbell não conseguia estimar o tempo consumido nesse relembrar e refletir. Tudo em seu estado era tão irreal, que as dimensões e medidas normais tornavam-se sem sentido. Parecia que passara uma eternidade, mas talvez não muito houvesse passado, antes que a súbita interrupção ocorresse. O que aconteceu foi tão estranho e inexplicável quanto o negrume em que estava mergulhado até então. Era uma sensação – da mente, e não do corpo – e num ímpeto, Campbell sentiu seus pensamentos atraídos ou sugados, além de seu controle, de modo tumultuoso e caótico.<br /><br />As memórias surgiam, irresponsáveis e irrelevantes. Tudo que ele sabia – todo o seu histórico pessoal, tradições, experiências, erudição, sonhos, ideias e inspirações – fluíram abruta e simultaneamente, numa velocidade e abundância entontecedoras, que logo o deixou inapto a registrar qualquer conceito separado. A totalidade de seus conteúdos mentais tornou-se uma avalanche, uma cascata, um vórtex. Era tão horrível e vertiginoso quanto seu voo hipnótico pelo espaço, quando o cubo de cristal o puxara. Por fim, aquilo drenou-lhe a consciência, e trouxe o alívio do esquecimento.</span><br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiUEdJ2M7rG34hPU7Mws3giyd_IvLS0s0sw6ha5cNoOrmbG9SGoKOTlU5FBnXiHmzKSR8Lc2Rxa5-EUXksWSAUeNq7_18WY4cM9uD02OYZRsdBaV8lsUnq-aoKrjFA-sOIQ9mbOsq8Xy4/s1600/yithplant.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; color: #e4ff00; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiUEdJ2M7rG34hPU7Mws3giyd_IvLS0s0sw6ha5cNoOrmbG9SGoKOTlU5FBnXiHmzKSR8Lc2Rxa5-EUXksWSAUeNq7_18WY4cM9uD02OYZRsdBaV8lsUnq-aoKrjFA-sOIQ9mbOsq8Xy4/s320/yithplant.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="232" /></span></a></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Outro branco imensurável – e então um lento gotejar de sensações. Naquele momento, eram sensações físicas, e não mentais. Uma luz safira, e um trovejar baixo de um som distante. Impressões táteis – podia perceber que estava deitado, ao comprido, sobre algo, embora houvesse uma estranheza perturbadora no que sentia quanto à sua postura. Não conseguia reconciliar a pressão da superfície que o apoiava, com seu próprio contorno – ou mesmo com os contornos da forma humana. Tentou mover seus braços, mas não achou reação definida a essa tentativa. Ao invés disso, houveram contorções nervosas mínimas e inefetivas, por toda a área que parecia marcar seu corpo.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Tentou abrir seus olhos direito, mas achou-se incapaz de controlar o mecanismo destes. A luz safira vinha de modo difuso, nebuloso, e não podia ser voluntariamente focada sob definição. Porém, gradualmente, imagens visuais começaram a escorrer, de maneira curiosa e indecisiva. Os limites e qualidades da visão não eram aqueles com que estava acostumado, mas podia correlacionar de jeito vago com as sensações que havia conhecido como visão. Conforme esta sensação adquiria algum grau de estabilidade, Campbell percebeu que ainda devia estar preso ao tal pesadelo.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Parecia estar num aposento de considerável extensão – de altura média, mas com uma área bem maior, proporcionalmente falando. Em cada lado – e ele, ao que parece, podia enxergar todos os quatro lados ao mesmo tempo – viam-se fendas elevadas e estreitas, que pareciam servir como portas e janelas ao mesmo tempo. Haviam mesas ou pedestais individuais, mas nenhuma mobília de natureza e proporções normais. Pelas fendas, fluíam jorros de luz safira, e além destas, podiam ser enxergados, de modo nebuloso, os lados e telhados de prédios fantásticos, similares a cubos aglomerados. Nas paredes – nos painéis verticais entre as fendas – estavam estranhas marcas de caráter estranhamente inquietante. Passou-se algum tempo antes que Campbell compreendesse o porquê dessa inquietação tamanha – ele as havia visto antes, em exemplares repetidos, eram exatamente como os hieróglifos do disco dentro do cubo de cristal.</span><br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnbPt8Gr-09rjmgsJqZhf_U8ych60oaCgiiMWUiXCr3TDJTUx0pU-LYzGDKVpqwqAJuNQngGpm8nXVcUex0W8qov6eauqI94caeEN5wgnPT7J2cemhpmWeU_dXtT5o-0k9UNouWnvSJsA/s1600/yekubian+1.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="464" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnbPt8Gr-09rjmgsJqZhf_U8ych60oaCgiiMWUiXCr3TDJTUx0pU-LYzGDKVpqwqAJuNQngGpm8nXVcUex0W8qov6eauqI94caeEN5wgnPT7J2cemhpmWeU_dXtT5o-0k9UNouWnvSJsA/s640/yekubian+1.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="640" /></span></a></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">O verdadeiro elemento digno do pesadelo em que se encontrava, porém, era algo maior que isto. Começou com a coisa viva que começava a entrar através de uma das fendas, avançando deliberadamente na direção dele, trazendo uma caixa de metal, de proporções bizarras e superfícies vítreas, espelhadas. Pois esta coisa não era nada humano – nada terráqueo – não era nada próximo dos mitos e sonhos da humanidade. Era um gigantesco verme ou centípede de cor cinza clara, tão grande como um homem, e de comprimento duas vezes maior, exibindo uma cabeça discoide, aparentemente sem olhos, orlada de cílios cercando um orifício central púrpura. Ela deslizava com auxílio de seus pares traseiros de patas, com a parte anterior levantada na vertical – as patas, ou pelo menos dois pares delas, servindo como braços. Ao longo de sua coluna espinhal, havia uma curiosa crista púrpura, e uma cauda abrindo como um leque, composta de uma membrana cinzenta, terminava aquele corpanzil grotesco. Havia um anel de cravos vermelhos e flexíveis ao redor de seu pescoço, e das contorções destes, vinham sons de cliques fanhosos, formando ritmos métricos e deliberados.<br /><br />Aqui, de fato, o pesadelo alienígena chegava a seu auge – era uma fantasia caprichosa em seu ápice. Porém mesmo esta visão de delírio não fora o que fez com que George Campbell caísse uma terceira vez na inconsciência. Foi preciso mais uma coisa – aquele toque final e insuportável. Conforme o verme inominado avançava com sua caixa cintilante, o homem reclinado vislumbrou naquela superfície espelhada, aquilo que deveria ser seu próprio corpo. Ainda assim – mesmo verificando suas sensações desordenadas e incomuns – não era seu próprio corpo que via refletido no metal polido. Ao invés disso, via o corpanzil repugnante, pálido e cinzento de um dos grandes centípedes.<br /></span><br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<b><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; font-size: medium;">CONTINUA ...</span></b><br />
<b><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; font-size: medium;"><br /></span></b></div>
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">E na próxima postagem, Robert E. Howard (Conan) e Frank Belknap Long (Os Cães de Tíndalos) finalizam O Desafio do Além!</span></div>
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">O original em inglês pode ser visto aqui:</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; margin-left: 0.98cm; margin-right: 1.01cm;">
<a href="http://en.wikisource.org/wiki/The_Challenge_from_Beyond" style="color: #e4ff00; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">http://en.wikisource.org/wiki/The_Challenge_from_Beyond</span></a><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">A primeira e segunda partes do conto, em português, podem ser encontradas nesta postagem:</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;"><a href="http://dominiopublicano.blogspot.com/2011/10/o-desafio-do-alem-partes-i-e-ii.html">http://dominiopublicano.blogspot.com/2011/10/o-desafio-do-alem-partes-i-e-ii.html</a></span></div>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-10047415659043695472011-10-15T12:08:00.000-07:002011-10-15T12:15:40.148-07:00O DESAFIO DO ALÉM - Partes I e II<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 18px;"></span><br />
<div class="post-body entry-content" id="post-body-7235570599848931852" style="font-size: 15px; line-height: 1.4; position: relative; width: 648px;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">História Colaborativa escrita por <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/C._L._Moore" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">C. L. Moore</a>, <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/A._Merritt" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">A. Merritt</a>, <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Lovecraft" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">H. P. Lovecraft</a>, <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_e._howard" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">Robert E. Howard</a> e <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Frank_Belknap_Long" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">Frank Belknap Long</a></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Traduzida por Arthur Ferreira Jr.'.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Primeira e Segunda Partes</span><br />
<br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">[</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/C._L._Moore" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">C.L. Moore</a></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">]</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiY-dJc6I0SLe15UJratqbVn_EWv7HUpK0tKgzTYQaOeEzvKLkOvK9cq-ISQNXipawYscXKwLUN8KAxfHqMniskC3gvsNxiTAM2a7cmkNiE2WjeUs72x2mXZwehvclMoAYos3NQYvo2FTM/s1600/cubo_de_gelo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="166" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiY-dJc6I0SLe15UJratqbVn_EWv7HUpK0tKgzTYQaOeEzvKLkOvK9cq-ISQNXipawYscXKwLUN8KAxfHqMniskC3gvsNxiTAM2a7cmkNiE2WjeUs72x2mXZwehvclMoAYos3NQYvo2FTM/s200/cubo_de_gelo.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="200" /></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">George Campbell abriu seus olhos turvos de sono à escuridão, e achou-se fitando para além da abertura da barraca, contemplando a pálida noite de agosto por alguns minutos, antes de acordar o suficiente para chegar a imaginar o que o havia despertado. Havia algo no ar claro e penetrante daquelas florestas canadenses que era tão potente como soporífero, como qualquer droga do gênero. Campbell ficou quieto por um momento, afundando lentamente de volta às deliciosas fronteiras do sono, consciente de uma exaustão exótica, uma incomum sensação de músculos esgotados, e agora relaxados ao ponto da mais perfeita imobilidade. Afinal de contas, aqueles eram os momentos mais prazerosos das férias – após o trabalho, descansar na clara e doce noite da floresta.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="white-space: pre;"> </span>Luxuriosamente, conforme sua mente afundava de volta ao esquecimento, ele assegurou-se mais uma vez que três longos meses de liberdade estavam à frente – liberdade de cidades e monotonia, liberdade da pedagogia e da Universidade e de estudantes sem qualquer rudimento de interesse na geologia com a qual ele ganhava seu pão diário, onde dava lições que caíam em ouvidos surdos. Liberdade de – </span><br />
<span class="Apple-tab-span" style="font-family: Verdana, sans-serif; white-space: pre;"> </span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"> A sonolência deliciosa desfez-se num colapso abrupto, sobre ele. Em algum lugar lá fora, o som de latas arranhando latas rasgou sua paz. George Campbell sentou-se, tremendo, e procurou a lanterna. Então riu e deixou a lanterna de lado, forçando seus olhos pela escuridão da meia-noite lá fora, onde entre as latas que desabavam de sua pilha de suprimentos, um pequeno, anônimo e escuro animal noturno rondava. Ele esticou um braço e catou entre as pedras perto da abertura da barraca, alguma coisa que jogar no bicho. Seus dedos se fecharam sobre uma grande pedra, e ele puxou sua mão para a atirar.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas nunca chegou a atirar. Era uma coisa tão estranha que ele havia achado no escuro. Quadrada, de cristal polido, obviamente artificial, de cantos rombudos. A estranheza da superfície rochosa parecia tão notável a seus dedos, que ele buscou mais uma vez a lanterna, e focalizou o facho sobre a coisa que empunhava.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /><span class="Apple-style-span" style="white-space: pre;"> </span>Toda e qualquer sonolência o abandonou quando ele viu o que havia pego ao tatear despreocupado. Era tão claro como pedra de cristal, aquele cubo tão liso e estranho. Sem dúvida, era quartzo, mas não em sua forma cristalizada hexagonal padrão. De alguma forma – ele não conseguia imaginar através de que método – o quartzo havia sido moldado no formato de um cubo perfeito, cerca de dez centímetros de largura em cada face gasta. Pois a coisa era incrivelmente gasta. O cristal duríssimo havia sido manuseado de tal modo que suas arestas quase haviam sumido, e a coisa começava a assumir os contornos de uma esfera. Eras e eras de desgaste, anos além de qualquer contagem, deveriam ter passado por aquela coisa estranha e límpida.</span><br />
<span class="Apple-tab-span" style="font-family: Verdana, sans-serif; white-space: pre;"> </span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"></span> Porém, o mais curioso de tudo era que aquele formato que ele mal podia vislumbrar, no âmago do cristal. Pois incrustado em seu centro, jazia um pequeno disco de uma substância pálida e inominada, mostrando caracteres gravados bem fundo em sua superfície protegida pelo quartzo. Caracteres em formato de calçadeira, vagamente reminiscentes da escrita cuneiforme.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>George Campbell franziu a testa e debruçou-se mais de perto sobre este pequeno enigma em suas mãos, refletindo em vão sobre ele. Como uma coisa como essa poderia estar incrustada num cristal de rocha pura? Uma memória remota flutuou por sua mente, de lendas antigas que chamavam os cristais de quartzo de gelo congelado tão duramente que seria impossível derretê-lo de volta. Gelo – e caracteres cuneiformes – sim, esse tipo de escrita não se originara entre os sumérios, que desceram do norte, nos mais remotos inícios da história, para estabelecer-se no primitivo Vale Mesopotâmico? Então o bom senso retomou o controle sobre Campbell, fazendo-o rir. O quartzo, obviamente, fora formado nos primeiros períodos geológicos da Terra, quando não h avia nada senão calor e pedra em ebulição. O gelo não viria por dezenas de milhões de anos, depois desta coisa poder ter se formado.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E ainda assim – aquela escrita. Feita pelo homem, certamente, embora seus caracteres fossem desconhecidos, exceto por sua vaga ligação com formatos cuneiformes. Ou num mundo paleozoico, poderiam ter existido coisas com uma linguagem escrita, que poderiam ter gravado essas cunhas enigmáticas sobre o disco envolvido pelo quartzo, que ele agora tinha nas mãos? Ou – poderia uma coisa como essa ter caído como meteoro, vinda do espaço, sobre a rocha em formação de um mundo ainda derretido? Poderia – </span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Conteve-se com firmeza, podia sentir suas orelhas pegando fogo com a luridez de sua própria imaginação. O silêncio e a solidão e a coisa esquisita em suas mãos estavam conspirando para brincar com seu senso comum. Ele deu de ombros e pôs o cristal na borda de seu colchão de palha, desligando a luz. Talvez a manhã e uma cabeça descansada trariam a ele a resposta às perguntas que agora pareciam insolúveis.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas, o sono não veio com tanta facilidade. No mínimo, porque lhe parecera que, assim que ele desligara a luz, o pequeno cubo reluzira por um momento, como se emitisse luz própria sobre a escuridão que o cercava. Ou talvez ele houvesse se enganado quanto a isto. Talvez fossem apenas seus olhos ofuscados, que pareciam ter enxergado luz abandonar com relutância o cristal, brilhando nas profundezas enigmáticas daquela coisa, com uma persistência anômala.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele ficou ali, inquieto, por um bom tempo, repassando as perguntas sem resposta, uma a uma, em sua mente. Havia algo naquele cubo de cristal, vindo de um passado imensurável, talvez vindo da aurora da história, que constituía um desafio que não o deixaria dormir.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsSGPG2saORp6faXgmBjyICuRchxUj1ILxh1ZnyioYf4pr-7ZLYxrZXheSLjtn1tTRbj4YyfscpRMqwQd4ikpGMBDMS7A4dvqcZK8Z_aguTDbgcV09Bd1Npl8slZ0nQZC89VT1eZczZo8/s1600/Thomas+Shahan+aranha.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="538" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsSGPG2saORp6faXgmBjyICuRchxUj1ILxh1ZnyioYf4pr-7ZLYxrZXheSLjtn1tTRbj4YyfscpRMqwQd4ikpGMBDMS7A4dvqcZK8Z_aguTDbgcV09Bd1Npl8slZ0nQZC89VT1eZczZo8/s640/Thomas+Shahan+aranha.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="640" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">[<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/A._Merritt" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;">A. Merritt</a>]</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5dTYLhM2L4LSLevAobZQi-RZceSwvDg4IODmmRe6gn5v0_V5SEmuvb0gOVo4CMsOnr617vVwEo6pty-kiCUHC_TZ2NiO51x9ILQtI4hQn32ZPDQDPBWC8iqWpne2Ab4OhHjcJt3RN6qM/s1600/Threshold-Guardian.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5dTYLhM2L4LSLevAobZQi-RZceSwvDg4IODmmRe6gn5v0_V5SEmuvb0gOVo4CMsOnr617vVwEo6pty-kiCUHC_TZ2NiO51x9ILQtI4hQn32ZPDQDPBWC8iqWpne2Ab4OhHjcJt3RN6qM/s200/Threshold-Guardian.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="154" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Ficou ali, pareceu-lhe, por horas a fio. Fora a luz remanescente, a luminescência que parecia tão relutante em apagar, que manteve sua mente desperta. Era como se algo no coração do cubo houvesse acordado, espreguiçado e ficado subitamente alerta… e ciente da presença dele.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="white-space: pre;"> </span>Era pura fantasia, aquilo. Esticou-se impaciente e direcionou um facho de luz sobre o relógio. Perto da uma da madrugada; mais três horas, e viria o nascer do sol. O facho se deslocou e focalizou-se no cubo de cristal, quente. Ele o manteve ali por minutos, desviava o olhar, e então continuava a contemplá-lo.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Não havia mais dúvidas. Conforme seus olhos acostumavam-se à escuridão, ele percebia que o estranho cristal estava brilhando, com minúsculas e fugitivas luzes, lá no fundo dele mesmo, como fios relampejantes de cor de safira. Ficavam lá no centro, e pareciam provir do disco pálido, com suas marcas perturbadoras. E o próprio disco começava a crescer… as marcas, começavam a mudar de forma… o cubo crescia… seria uma ilusão tecida pelos minúsculos relâmpagos…</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ouviu um ruído. Era quase um fantasma de ruído, como espectros das cordas de uma harpa, dedilhados por mãos fantasmagóricas. Debruçou-se para mais perto. O ruído vinha do cubo…</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>De repente, guinchos no matagal, um borrão de corpos e um berro agonizante, como uma criança moribunda, rapidamente silenciada. Alguma pequena tragédia da natureza, de predadores e presas. Ele apareceu do lado de fora, para ver o que havia provocado aquilo, mas não conseguia enxergar nada. Mais uma vez desligou a lanterna, e olhou na direção da tenda. No chão, um pálido brilho azul. Era o cubo. Ele abaixou-se para pegá-lo; e então, obedecendo a algum aviso obscuro, retirou a mão.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Então mais uma vez, viu o brilho moribundo. Os minúsculos relâmpagos safira, precisos e reluzentes, voltando ao disco de onde se originavam. Nenhum som saía do cubo.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sentou-se, observando a luminescência crescer e desaparecer, crescer e desaparecer, mas a cada ciclo, ficando mais tênue. Ocorreu-lhe que dois elementos eram necessários para produzir o fenômeno. O raio elétrico em si, e sua própria atenção fixa. Sua mente deveria viajar junto com o raio, fixar-se sobre o coração do cubo, fazer o pulsar desse coração acelerar, até que… até que, o quê?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sentiu um calafrio no espírito, como se estivesse em contato com alguma coisa alienígena. Era alienígena, tinha certeza; não era desta Terra. Não da vida da Terra. Recuperou a compostura, pegou o cubo e levou-o para dentro da barraca. Não era nem quente, nem frio; exceto pelo peso, não dava sequer para sentir que o segurava. Colocou-o sobre a mesa, mantendo a tocha longe do cubo; então virou-se para a porta da barraca e a fechou.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Voltou à mesa, puxou a cadeira de acampamento, e focou o facho direto no cubo, focando-o o máximo que conseguia, sobre o coração do objeto. Enviou toda a sua vontade, toda a sua concentração, junto com o facho; focando vontade e visão sobre o disco, enviados junto com a luz.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Como se comandados, os relâmpagos safira entraram em ação. Espalhavam-se do disco para o corpo do cubo de cristal, e então retrocediam, banhando o disco e as marcas. Mais uma vez estas começavam a mudar, contorcendo-se, movimentando-se, avançando e retraindo naquele brilho azul. Não eram mais cuneiformes. Eram coisas… objetos.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ouviu a música murmurante, as cordas da harpa dedilhada. Mais alto, mais alto ficou o som, e agora todo o corpo do cubo vibrava naquele ritmo. A superfície do cristal derretia, tornando-se nebulosa, como se formada por bruma de diamante. E o disco em si, estava crescendo… as formas contorcendo-se, dividindo e multiplicando, como se alguma porta houvesse se aberto, e por ela, pelotões de fantasmas invadissem. E quanto mais brilhantes as formas, mais brilhante ainda ficava a luz pulsante.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele sentiu um pânico repentino, tentou retomar o olhar e a vontade, derrubou a lanterna. O cubo já não tinha necessidade do raio de luz… e ele não conseguia virar-se… não conseguia virar-se? Mais que isso, sentia-se sugado para o disco, que agora tornava-se um globo, dentro do qual formas inomináveis dançavam ao ritmo de uma música que banhava o globo numa radiância sólida.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Não havia mais barraca alguma. Havia só uma vasta cortina de bruma cintilante, e atrás dela, brilhando, o globo… Sentiu-se puxado através da bruma, sugado por ela como se por um poderoso túnel de vento, direto para o globo.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWoLHoRQZ7ightPd_VVTUhdQkQt4cyeRsZCnMj6g8cTulKf5kaTxWM0i6Acv20DfDdzZO1LO32yuAzS5F7R6tdzui2gL5C4Fh6YFKpgEnN8f4RYuDEX3RS7FRfyP0hhqwqq9n82OYN28E/s1600/SmallWorlds18.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="462" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWoLHoRQZ7ightPd_VVTUhdQkQt4cyeRsZCnMj6g8cTulKf5kaTxWM0i6Acv20DfDdzZO1LO32yuAzS5F7R6tdzui2gL5C4Fh6YFKpgEnN8f4RYuDEX3RS7FRfyP0hhqwqq9n82OYN28E/s640/SmallWorlds18.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="640" /></span></a></div>
</div>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-5140338932466769262011-10-14T14:47:00.000-07:002011-10-14T14:47:01.981-07:00DISTANCIAMENTO<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Clark Ashton Smith</span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Tradução de Arthur Ferreira Jr.'.</span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9JN3d9JPKRE8XF3nghdb27yq0pNhyphenhyphenAVtlz-vYHN671WVLKl30rAlJu6RLTJCV1ZXShIM7EfV91cyeP0__OYJLQF2NPBOc462N4kvk2Gb9_ykkIH1dYBcyGDYAzbEY4Yu3C5-u7efgR9A/s1600/tumblr_lapk8aehcr1qzuwxxo1_500.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9JN3d9JPKRE8XF3nghdb27yq0pNhyphenhyphenAVtlz-vYHN671WVLKl30rAlJu6RLTJCV1ZXShIM7EfV91cyeP0__OYJLQF2NPBOc462N4kvk2Gb9_ykkIH1dYBcyGDYAzbEY4Yu3C5-u7efgR9A/s400/tumblr_lapk8aehcr1qzuwxxo1_500.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="302" /></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; font-size: medium;">Há dias em que toda a beleza do mundo é tênue e estranha; quando a luz do sol ao meu redor parece cair numa terra mais remota que os polos da lua. As rosas no jardim me surpreendem, como monstruosas orquídeas de cor desconhecida, que brotam nos planetas além de Aldebarã. E estou chocado com as folhas amarelas e púrpuras de Outubro, como se no véu de algum tremendo e horrendo mistério fosse quase levantado, por um momento. Em tais horas, ó coração do meu coração, sinto medo de tocar-te, evito tuas carícias, temendo que tu desapareças como se num sonho diante da aurora, ou que eu reconheça em ti um fantasma, o espectro daquela que morreu e foi esquecida milhares de anos atrás, numa terra distante onde o sol não mais reluz.</span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"></span>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-20684974531244239322011-10-14T04:15:00.000-07:002011-10-14T04:19:08.736-07:00O LAGO NEGRO<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: medium;">C<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">lark Ashton Smith</span></span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-size: 15px;">Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.</span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-size: 15px;"><br /></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhtwC-onUtjlTEWEKrsdwQKRvXqlD1JfLESJPxo9amXE2aHXGCwMuK2HOHEqZcqpqQRn37OT0DkmnI4R49vR1pej5a6OlyvGBQSsCuXo4yMJEyG9cBgMtvLknZ0DONoFKfsv3BwYs5EXNY/s1600/cold-blood+Paul+Mudie.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhtwC-onUtjlTEWEKrsdwQKRvXqlD1JfLESJPxo9amXE2aHXGCwMuK2HOHEqZcqpqQRn37OT0DkmnI4R49vR1pej5a6OlyvGBQSsCuXo4yMJEyG9cBgMtvLknZ0DONoFKfsv3BwYs5EXNY/s320/cold-blood+Paul+Mudie.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="197" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Numa terra onde a bizarria e o mistério aliaram-se fortemente à desolação eterna, o lago se derramava desde uma data inencontrável de eras ancestrais, para preencher algum golfo insondável, lá muito abaixo, entre as sombras das montanhas vulcânicas, que não exibiam neve alguma. Nenhum olho, nem mesmo o olho do sol, quando contemplava verticalmente sobre o algo durante poucas horas ao redor do meio-dia, parecia conseguir adivinhar o que havia nas suas profundezas de escuridão tristonha e silêncio imperturbável. Por esta razão, senti um prazer tão singular em contemplar, com bastante frequência, o estranho lago. Sentado lá, nem sei por quanto tempo, em suas praias basálticas e geladas, onde cresciam apenas umas poucas orquídias rubras e carnosas, curvadas sobre as águas, como bocas ávidas e arreganhadas, eu vislumbrava conjeturas fantásticas e imaginações sombrias, dentro do sedutor mistério de seu golfo desconhecido e inexplorável.<br /><br />Foi em tal hora da manhã, antes do sol haver ultrapassado o grosseiro e erodido limiar dos cumes, quando cheguei pela primeira vez, e desci pelas sombras que enchiam, como se fossem algum fluido mais sutil, a bacia vulcânica. Visto no fundo da tintura imóvel do ar e da luz fraca, o lago figurava-me uma poça sedimentada de escuridão.<br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjaU4a_v_4sjH4QImxblYgZfQTNO_yum3YKy1Tlk9LGcy0c4fYChyphenhyphenN8oxocXv9tHMjKcTutd7QCaMM1PDWJJ3O2q4FKLvIplBBZKFgSqCXb5omJAWZrThi-4MI-l6kU7ohOv50Hxh_gxqU/s1600/black-swan-trailer-17-8-10-kc.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="347" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjaU4a_v_4sjH4QImxblYgZfQTNO_yum3YKy1Tlk9LGcy0c4fYChyphenhyphenN8oxocXv9tHMjKcTutd7QCaMM1PDWJJ3O2q4FKLvIplBBZKFgSqCXb5omJAWZrThi-4MI-l6kU7ohOv50Hxh_gxqU/s640/black-swan-trailer-17-8-10-kc.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="640" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /><br />Vislumbrando pela primeira vez, após a descida difícil e profunda, dentro de tão águas plúmbeas e opacas, conseguia perceber muito bem certos brilhos infimos e dispersos de prata, aparentemente muito abaixo da superfície. Era como se fosse o sinal de metal incrustado em alguma misteriosa elevação submersa, ou o reluzir de algum tesouro há muito naufragado. Cheguei mais perto, em minha avidez, e finalmente percebi que o que eu enxergara não passava do reflexo das estrelas, já que embora o dia estivesse se mostrando sobre as montanhas e planícies lá fora, as estrelas ainda eram visíveis nas profundezas e trevas daquele lugar tão sombrio.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-size: 15px;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 15px; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiIRoP9DH2Dgl999As8tpJSmGTA9CFShILHPaYfTflMiPaZrvdnzvw4JGtJceokaaEbD1tMojuzST4t0Sb8NM_DyxbaILMXQXTACrQxBeIsvJ9hg1WGjNukJGbsi3sTvKfFfPzQPeSU39E/s1600/a-black-lake-in-a-volcano-crater-kelimutu-ina241.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="425" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiIRoP9DH2Dgl999As8tpJSmGTA9CFShILHPaYfTflMiPaZrvdnzvw4JGtJceokaaEbD1tMojuzST4t0Sb8NM_DyxbaILMXQXTACrQxBeIsvJ9hg1WGjNukJGbsi3sTvKfFfPzQPeSU39E/s640/a-black-lake-in-a-volcano-crater-kelimutu-ina241.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="640" /></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-size: 15px;"><br /></span><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 15px;">Original em inglês em </span><a href="http://en.wikisource.org/wiki/The_Black_Lake" style="color: #e4ff00; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 15px; text-decoration: none;">http://en.wikisource.org/wiki/The_Black_Lake</a>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-44604485001500630302011-10-01T07:34:00.000-07:002012-07-20T13:52:01.254-07:00A VERDADE SOBRE O FALECIDO ARTHUR JERMYN E SUA FAMÍLIA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 14px; line-height: 18px;"></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-3832275329128279325" style="position: relative; width: 648px;">
<div style="font-size: 15px; line-height: 1.4;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjDzodMgk5TvYABi9Pfgp2fhOyi6uaI1DDcH6aZOSkAI-CHRYTWoyZuM02bRvN5J6ljXRy8jo4X43GRt5ax4II3jSIkEYzvuSDAlpz2zXM35BTzYJjBkuE6QiyjVn0M64cU22pfBvKcNA/s1600/H.P.+Lovecraft.jpg" style="color: #e4ff00; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-decoration: none;"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5528338511470172210" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjDzodMgk5TvYABi9Pfgp2fhOyi6uaI1DDcH6aZOSkAI-CHRYTWoyZuM02bRvN5J6ljXRy8jo4X43GRt5ax4II3jSIkEYzvuSDAlpz2zXM35BTzYJjBkuE6QiyjVn0M64cU22pfBvKcNA/s320/H.P.+Lovecraft.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; cursor: pointer; float: right; height: 320px; margin-bottom: 10px; margin-left: 10px; margin-right: 0pt; margin-top: 0pt; position: relative; width: 291px;" /></a><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;">Do original</span></div>
<div style="font-size: 15px; line-height: 1.4;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-style: italic;">Facts Concerning the Late Arthur Jermyn and His Family</span></div>
<div style="font-size: 15px; line-height: 1.4;">
<br /></div>
<div style="font-size: 15px; line-height: 1.4;">
<span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-weight: bold;"><br />H. P. Lovecraft<br />Tradução: Arthur Ferreira Jr .'.</span></div>
<div style="font-size: 15px; line-height: 1.4;">
<br /></div>
<div style="font-size: 15px; line-height: 1.4;">
<br /></div>
<div style="font-size: 15px; line-height: 1.4;">
<br /></div>
<div style="font-size: 15px; line-height: 1.4;">
<br /></div>
<br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">I</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A vida é uma coisa horrenda, e do pano de fundo por trás do que sabemos dela, espreitam pistas demoníacas de verdades tais, que tornam a vida milhares de vezes mais horrenda. A ciência, já opressiva em suas revelações chocantes, talvez seja o exterminador definitivo de nossa espécie humana – se é que somos uma espécie separada – pois sua reserva de horrores nunca imaginados jamais poderia ter nascido de cérebros mortais, se fosse liberada sobre o mundo. Se soubéssemos o que somos, faríamos o que fez Sir Arthur Jermyn; e Arthur Jermyn untou-se em óleo uma noite, pondo fogo em sua roupa. Ninguém colocou os fragmentos incinerados numa urna, ou construiu um memorial em sua honra; pois certos documentos, e um certo objeto encaixotado foram encontrados, que fizeram os homens desejar o esquecimento. Alguns que o conheciam sequer admitem que ele tenha existido.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Arthur Jermyn saiu pela charneca e incendiou-se após ter visto o objeto encaixotado que veio da África. Foi este objeto, e não sua aparência pessoal peculiar, que o fez encerrar sua vida. Muitos teriam não gostado da vida, se possuíssem as feições peculiares de Arthur Jermyn, mas ele havia sido um poeta e erudito, e não se importava com isso. O aprendizado estava em seu sangue, pois seu bisavô, o baronete Sir Robert Jermyn, fora um antropólogo de renome, enquanto seu tetravô, Sir Wade Jermyn, foi um dos primeiros exploradores da região do Congo, escrevendo eruditamente sobre suas tribos, animais, e supostas antiguidades. De fato, o velho Sir Wade possuía um zelo intelectual que quase chegava ao grau de mania; suas conjecturas bizarras sobre uma civilização branca pré-histórica no Congo o trouxeram muito ridículo, quanto seu livro, Observações sobre Várias Partes da África, foi publicado. Em 1765, este explorador indômito foi colocado numa casa de loucos, em Huntingdon.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A loucura estava em todos os Jermyns, e as pessoas ficavam gratas com o fato de não haverem muitos deles. A linhagem não se ramificou, e Arthur era o último dela. Se ele não fosse o último, ninguém poderia dizer o que ele teria feito, quando o objeto apareceu. Os Jermyns nunca pareceram muito certos – algo estava faltando, embora Arthur fosse o pior deles, e os velhos retratos da família mostrassem rostos decentes, de antes da época de Sir Wade. Certamente, a loucura começou com Sir Wade, cujas histórias selvagens da África foram de um só golpe o deleite e o terror de seus poucos amigos. Ela se exibia em sua coleção de troféus e espécimes, que não eram do tipo que um homem normal acumularia e preservaria, e pareciam ainda mais chocantes diante da seclusão oriental em que mantinha sua esposa. Esta última, dizia ele, era filha de um comerciante português que ele havia conhecido na África; e ela não gostava dos costumes ingleses. Ela, com um filho nascido na África, o havia acompanhado de volta de sua segunda e mais longa viagem, e havia voltado com ele na terceira e última, jamais retornando à Inglaterra. Ninguém a havia visto de perto, nem mesmo os criados; pois a disposição dela era violenta e singular. Durante sua breve estadia na Casa Jermyn, ela ocupava uma ala remota, e era esperada apenas por seu marido. De fato, Sir Wade era bastante excêntrico em sua solicitude para com sua família; pois quando ela retornou à África, ele não permitiu que ninguém tomasse conta de seu jovem filho, exceto uma repulsiva negra da Guiné. Ao retornar, após a morte de Lady Jermyn, ele assumiu o cuidado completo do garoto.</span></span><br />
<br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Porém foi a conversa de Sir Wade, especialmente quando bêbado, que chegou a levar seus amigos a considerá-lo insano. Numa era racional como o século XVIII, era imprudente que um homem erudito falasse de vislumbres selvagens e cenas estranhas sob a lua do Congo; de muralhas gigantescas e pilares de uma cidade esquecida, em ruínas e com as trepadeiras a envolvendo, e de degraus de pedra silenciosos e úmidos, descendo interminavelmente até uma escuridão de criptas de tesouro abissais e catacumbas inconcebíveis. Era especialmente imprudente algaraviar sobre as coisas vivas que poderiam assombrar um tal lugar; sobre criaturas que viviam parte na selva, parte na cidade impiamente envelhecida – criaturas fabulosas, que mesmo um Plínio descreveria com ceticismo; coisas que teriam surgido depois que os grandes macacos tomaram a cidade moribunda, com suas muralhas e pilares, criptas e entalhes bizarros. Ainda assim, depois de ter voltado para casa pela última vez, Sir Wade falaria de tais assuntos com um entusiasmo fantástico de dar calafrios, principalmente depois do terceiro copo na Knight's Head; gabando-se do que havia encontrado na selva, e de como havia habitado as terríveis ruínas, conhecidas somente por ele. E finalmente, ele falava das coisas viventes, de tal maneira que foi levado à casa de loucos. Ele demonstrara pouco remorso quando confinado em seu aposento restrito em Huntingdon, pois sua mente se movia de modo curioso. Muito embora seu filho houvesse começado a deixar a infância, ele gostava cada vez menos de seu lar, até que por fim começasse a abominá-lo. A Knight's Head havia sido seu quartel-general, e quando ele fora confinado, expressou algum tipo vago de gratidão, como se houvesse sido protegido. Três anos mais tarde, estava morto.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O filho de Wade Jermyn, Philip, era pessoa altamente pitoresca. Apesar da forte parecença física com seu pai, sua aparência e conduta eram, em muitos particulares, tão grosseiras, que ele era universalmente evitado. Embora não tenha herdado a loucura que era temida por alguns, era densamente estúpido, e dado a breves períodos de violência incontrolável. Sua estrutura era pequena, mas intensamente poderosa, e de agilidade incrível. Doze anos se passaram, após ele ter recebido seu título, e ele casou com a filha de seu guarda-caça, pessoa dita de extração cigana, mas antes que seu filho nascesse, contratou-se num navio, como marinheiro comum, completando o desgosto geral que seus hábitos e matrimônio mal-falado principiaram. Depois do fim da guerra americana, ouviu-se dele falar, como um marinheiro num navio mercante do comércio africano, tendo uma certa reputação por proezas de força e escalada, mas finalmente desaparecera uma noite, quando seu navio descarregava na costa do Congo.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>No filho de Sir Philip Jermyn, a peculiaridade familiar agora aceita assumia uma versão estranha e fatal. Alto e bastante belo, com um tipo de graça oriental exótica, apesar de certas estranhezas em termos de proporção, Robert Jermyn começou a vida como um erudito e investigador. Foi ele que primeiro estudou cientificamente a vasta coleção de relíquias que seu avô insano havia trazido da África, e quem fez com que o nome da família fosse tão celebrado na etnologia como na exploração. Em 1815, Sir Robert casou com uma filha do sétimo Visconde Brightholme, e foi subsequentemente abençoado com três filhos, sendo que o mais velho e o mais jovem jamais foram vistos publicamente, devido a deformidades de mente e corpo. Entristecido por essas infelicidades familiares, o cientista buscou o alívio no trabalho, e fez duas longas expedições ao interior da África. Em 1849 seu filho do meio, Nevil, pessoa singularmente repulsiva, que parecia combinar a antipatia de Philip Jerym com a altivez dos Brightholmes, fugiu com uma dançarina vulgar, mas foi perdoado ao retornar no ano seguinte. Retornou à Casa Jermyn viúvo, com um filho pequeno, Alfred, que um dia seria o pai de Arthur Jermyn.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Os amigos diziam que foi esta série de mágoas que afetaram a mente de Sir Robert Jermyn, mas ainda assim, talvez tenha sido um mero fragmento de folclore africano o que causou o desastre. O erudito, já ancião, estava coletando lendas das tribos Onga, que viviam perto do campo das explorações de seu avô, e das suas próprias, esperando de alguma forma corroborar as histórias selvagens de Sir Wade, que falavam de uma cidade perdida, povoada por estranhas criaturas híbridas. Uma certa consistência nos bizarros documentos de seu ancestral sugeria que a imaginação do louco poderia ter sido estimulada pelos mitos nativos. Em 19 de outubro de 1852, o explorador Samuel Seaton bateu na porta da Casa Jermyn, com um manuscrito de notas coletadas entre os Onga, acreditando que certas lendas de uma cidade cinzenta de macacos brancos, governada por um deus branco, poderia provar-se valiosa ao etnólogo. Em tal conversa, provavelmente Seaton provera muitos detalhes adicionais; cuja natureza jamais saberemos, já que uma série horrenda de tragédias subitamente eclodiu. Quando Sir Robert Jermyn emergiu de sua biblioteca, deixava para trás o cadáver estrangulado do explorador, e antes que pudesse ser detido, pôs fim à vida de todos os seus três filhos; os dois que nunca foram vistos publicamente, e o filho que havia antes fugido. Nevil Jermyn morreu na defesa bem-sucedida de seu filho de dois anos, que aparentemente havia sido incluído nos planos assassinos e insanos do velho. O próprio Sir Robert, após tentativas repetidas de suicídio, e uma recusa teimosa de pronunciar palavras articuladas, morreu de apoplexia, no segundo ano de seu confinamento.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Sir Alfred Jermyn era um baronete antes de seu quarto aniversário, mas seus gostos nunca casaram com seu título. Aos vinte anos, juntara-se a uma banda de músicos de salão, e aos trinta e seis, deixou sua esposa e filho, para viajar com um circo itinerante americano. Seu fim foi revoltante. Entre os animais na exibição em que viajava, havia um enorme gorila, de cor mais clara que o normal; uma fera surpreendentemente afável, de muita popularidade entre os performáticos. Alfred Jermyn era singularmente fascinado por este gorila, e em muitas ocasiões os dois se olhavam por longos períodos, através das barras da jaula. Por fim, Jermyn pediu permissão, e esta foi concedida, de treinar o animal, empolgando audiências e amigos performáticos com seu sucesso. Numa manhã em Chicago, quando o gorila e Alfred Jermyn estavam ensaiando uma luta de boxe excessivamente esperta, o animal pregou-lhe um soco com uma força mais que normal, ferindo tanto o corpo quanto a dignidade do treinador amador. O que aconteceu depois não é algo que os membros do “Maior Espetáculo da Terra” gostam de comentar. Eles não esperavam ouvir Sir Alfred Jermyn emitir um grito estridente e inumano, ou vê-lo agarrar seu desengonçado antagonista com ambas as mãos, derrubá-lo no chão da jaula, e morder ferozmente sua garganta peluda. O gorila foi pego de surpresa, mas não por muito tempo, pois antes que qualquer coisa pudesse ser feita pelo treinador regular, o corpo que um dia pertencera a um baronete foi deixado além de qualquer reconhecimento.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://smallmountain.homestead.com/files/arthur_jermyn_colour_small.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://smallmountain.homestead.com/files/arthur_jermyn_colour_small.jpg" width="216" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 21px;">II</span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Arthur Jermyn era o filho de Sir Alfred Jermyn e de uma cantora de salão de origem desconhecida. Quando o marido e pai abandonara a família, sua mãe levou a criança à Casa Jermyn; onde não havia ninguém lá que objetasse à presença dela. Ela não deixava de ter noções do qual deveria ser a dignidade de um nobre, e providenciou para que seu filho recebesse a melhor educação que o dinheiro limitado poderia prover. Os recursos familiares eram agora tristemente parcos, e a Casa Jermyn havia decaído num desleixo lamentável, mas o jovem Arthur amava o velho edifício e tudo que este continha. Não era como os outros Jermyn que haviam vivido, pois era um poeta e sonhador. Algumas das famílias da vizinhança, que ouviram histórias da esposa portuguesa do velho Sir Wade Jermyn, declararam que o sangue latino desta deveria estar se exibindo; mas a maioria das pessoas apenas desdenhava a sensibilidade de Arthur à beleza, atribuindo-a à sua mãe cantora de salão, que era socialmente ignorada. A delicadeza poética de Arthur Jeremyn foi ainda mais notável, devido a sua aparência pessoal rude. A maioria dos Jermyns havia possuído um semblante sutilmente estranho e repelente, mas o caso de Arthur era muito chamativo. Era difícil dizer com que ele se parecia, mas sua expressão, seu ângulo facial, e o comprimento de seus braços causavam um frêmito de repulsa naqueles que o encontravam pela primeira vez.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Era a mente de Arthur Jermyn o que aliviava seu aspecto. Inteligente e erudito, recebeu as maiores honras em Oxford, e parecia disposto a redimir a fama intelectual de sua família. Embora de temperamento poético, em vez de científico, planejava continuar a obra de seus antepassados, de etnologia e antiguidades africanas, utilizando a verdadeiramente maravilhosa, embora estranha, coleção de Sir Wade. Com sua mente fantasiosa, muitas vezes ele pensava na civilização pré-histórica na qual o explorador louco tão implicitamente cria, e tecia conto após conto sobre a silenciosa cidade na selva, mencionada nas notas e parágrafos mais agitados do falecido Sir Wade. Quanto às declarações nebulosas de uma raça insuspeita e sem nome de híbridos selváticos, ele sentia uma peculiar sensação de terror e atração misturados, especulando sobre a base provável de tal fantasia, e buscando obter uma luz entre os dados mais recentes, coletados por seu tetravô e por Samuel Seaton entre os Ongas.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Em 1911, depois da morte de sua mãe, Sir Arthur Jermyn ficou determinado a seguir suas investigações até as últimas consequências. Vendendo uma porção de sua propriedade para obter o dinheiro necessário, preparou uma expedição e navegou até o Congo. Conseguindo com as autoridades belgas um par de guias, passou um ano no país dos Ongas e Kahn, encontrando dados além de suas maiores expectativas. Entre os Kaliris, havia um chefe envelhecido, chamado Mwanu, que possuía não só uma memória altamente potente, como um grau singular de inteligência e interesse nas antigas lendas. Este ancião confirmou cada conto que Jermyn havia ouvido, adicionando a eles sua própria história da cidade de pedra e dos macacos brancos, que a ele havia sido contada.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>De acordo com Mwanu, a grande cidade e as criaturas híbridas não mais existiam, tendo sido aniquilados pelos belicosos N'bangus, muitos anos atrás. Esta tribo, após destruir a maioria dos edifícios e matado os seres vivos, levara consigo a deusa empalhada que fora alvo de sua busca; a deusa-macaco branca, que os estranhos seres adoravam, e que pela tradição do Congo, seria a forma de alguém que reinara como princesa entre tais seres. Exatamente o que teriam sido as brancas criaturas macacoides, Mwanu não tinha ideia, mas pensava que eram os construtores da cidade em ruínas. Jermyn não poderia formar conjectura alguma, mas durante o questionamento prolongado, obtivera uma lenda bastante pitoresca da deusa empalhada.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A princesa-macaco, dizia-se, tornara-se a consorte de um grande deus branco, que vieram do Oeste. Por muito tempo, eles reinaram juntos sobre a cidade, mas quando tiveram um filho, todos os três partiram. Mais tarde, o deus e a princesa retornaram, e com a morte da princesa, seu divino marido mumificara o corpo, e o encerrara numa vasta casa de pedra, onde era adorado. Então partiu sozinho. A lenda aqui parece apresentar três variantes. De acordo com uma história, nada mais acontecera, exceto que a deusa empalhada tornara-se um símbolo de supremacia para qualquer tribo que a possuísse. Por esta razão os N'bangus a haviam tomado. Uma segunda história conta o retorno do deus, e sua morte aos pés de sua esposa tida como relíquia. Uma terceira conta o retorno do filho, já homem – ou macaco, ou deus, a depender do caso – ainda inconsciente de sua identidade. Certamente os imaginativos negros haviam exagerado o máximo, a partir dos eventos que poderiam estar por trás da extravagante lenda.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Da realidade da cidade selvática descrita pelo velho Sir Wade, Arthur Jermyn não podia ter mais dúvidas; e foi com pouca surpresa que, no começo de 1912, encontrou o que dela restava. Seu tamanho deve ter sido exagerado pelos relatos, mas as pedras restantes provavam que não se tratava de uma mera aldeia de negros. Infelizmente, nenhum entalhe pôde ser encontrado, e o pequeno tamanho da expedição impedia operações de limpeza da única passagem que parecia descer até o sistema de criptas mencionado por Sir Wade. O destino dos macacos brancos e da deusa empalhada foi debatido com todos os chefes nativos da região, mas aconteceu que um europeu estava destinado a completar os dados oferecidos por Mwanu. M. Verhaeren, agente belga num posto de comércio do Congo, acreditava que podia não só localizar, como obter a deusa empalhada, da qual havia ouvido falar vagamente; isto porque os antes poderosos N'bangus eram agora os servos submissos do governo do Rei Albert, e com pouca persuasão poderiam ser convencidos a abrir mão da grotesca divindade que haviam carregado. Quando Jermyn navegou de volta à Inglaterra, portanto, foi com a exultante probabilidade de que dentro de poucos meses receberia uma relíquia etnológica sem preço, confirmando as mais selvagens das narrativas de seu tetravô –o que equivalia a dizer, as mais selvagens que já ouvira na vida. Os compatriotas próximo a Casa Jermyn talvez houvessem ouvido histórias ainda mais selvagens, da boca de antepassados que haviam ouvido Sir Wade nas mesas do Knight's Head.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Arthur Jermyn esperou com muita paciência pela caixa a ser enviada por M. Verhaeren, enquanto isso estudando com cada vez mais diligência os manuscritos deixados por seu ancestral insano. Ele começou a sentir-se cada vez mais próximo a Sir Wade, e buscava relíquias da vida pessoal deste último na Inglaterra, bem como de suas explorações africanas. Os registros orais da misteriosa e reclusa esposa eram numerosos, mas não havia relíquia tangível remanescente de sua presença na Casa Jermyn. Arthur Jermyn começou a imaginar que circunstância havia causado ou permitido tal afastamento, e decidiu que a insanidade do marido deveria ser a causa primária. Diziam que sua tetravó, lembrava ele, era a filha de um comerciante português na vivia na África. Sem dúvida, sua herança prática e conhecimento superficial do Continente Negro a fizeram contradizer as histórias do interior contadas por Sir Wade, coisa que tal homem não poderia perdoar. Ela havia morrido na África, talvez arrastada até lá por um marido determinado a provar o que havia contado. Mas conforme Jermyn entrava nessas reflexões, não podia deixar de sorrir da futilidade, um século e meio após a morte de ambos seus progenitores estranhos.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Em junho de 1913, chegou uma carta de M. Verhaeren, contando da descoberta da deusa empalhada. O belga declarou ser um objeto bastante extraordinário; objeto bem além do poder de um leigo de classificar. Se era humano ou símio, apenas um cientista poderia avaliar, e o processo de avaliação seria grandemente obstaculado por sua condição imperfeita. O tempo e o clima do Congo não são gentis com múmias; especialmente quando sua preparação é tão amadora como parecia ter sido o caso. Ao redor do pescoço da criatura, fora encontrado um grande colar dourado, exibindo um medalhão vazio, no qual haviam desenhos heráldicos; sem dúvida, lembrança de algum viajante infeliz, roubada pelos N'bangus, e colocada no pescoço da deusa, como amuleto. Ao comentar sobre os contornos do rosto da múmia, M. Verhaeren sugerira uma comparação divertida; ou na verdade, expressara uma dúvida bem-humorada sobre quem lembraria a múmia, diante de seu correspondente, mas o belga tinha interesses científicos suficientes para não desperdiçar muitas palavras com leviandades. A deusa empalhada, escrevera ele, chegaria devidamente empacotada em cerca de um mês após o recebimento da carta.</span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.yankeeclassic.com/miskatonic/library/stacks/periodicals/weirdta/wt1923/wt1924-04-whiteape.gif" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="231" src="http://www.yankeeclassic.com/miskatonic/library/stacks/periodicals/weirdta/wt1923/wt1924-04-whiteape.gif" width="320" /></a></div>
<span class="Apple-tab-span" style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 21px;"> </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 21px;">O objeto encaixotado foi enviado à Casa Jermyn na tarde de 3 de agosto, 1913, sendo levada de imediato à grande câmara que guardava a coleção de espécimes africanos, como disposta por Sir Robert e Arthur. O que decorreu daí pode ser melhor inferido a partir das histórias dos criados, e das coisas e documentos mais tarde examinados. Das várias histórias, a do envelhecido Soames, mordomo da família, é a mais ampla e coerente. De acordo com este homem confiável, Sir Arthur Jermyn mandou a todos para fora do aposento, antes de abrir a caixa, embora o som instantâneo do martelo e do formão mostrasse que ele não se demorou em começar a operação. Não se ouviu nada por algum tempo; por quanto tempo, Soames não pode estimar com precisão, embora certamente não fosse menos que um quarto de hora mais tarde que um horrível grito, indubitavelmente na voz de Jermyn, fosse ouvido. Logo depois, Jermyn surgia do aposento, correndo freneticamente na direção da frente da casa, como se perseguido por um horrendo inimigo. A expressão de seu rosto, um rosto já desagradável o suficiente quando em repouso, estava além de qualquer descrição. Quando próximo da porta dianteira, ele pareceu pensar em algo, e desistiu de sua fuga, desaparecendo finalmente ao descer a escada até o porão. Os criados ficaram totalmente atônitos, e observavam do começo da escadaria, mas seu mestre não voltava. Um cheiro de óleo foi tudo que subiu das regiões abaixo. Após o pôr-do-sol, ouviu-se um rangido na porta levando do porão para o pátio; e um garoto que cuidava dos cavalos enxergou Arthur Jermyn, brilhante da cabeça aos pés com óleo a lhe escorrer, empestado desse fluido, espreitar furtivamente e sumir na charneca escura que cercava a casa. E então, numa exaltação de supremo horror, todos viram seu final. Uma centelha fulgiu na charneca, ergueu-se a chama, e um pilar de fogo humano alcançou os céus. A casa Jermyn não mais existia.</span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span style="font-size: 15px; line-height: 21px;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A razão pela qual os fragmentos queimados de Arthur Jermyn não foram coletados e enterrados está no que foi descoberto depois, principalmente a coisa na caixa. A deusa empalhada compunha uma visagem nauseabunda, encarquilhada e corroída, mas era claramente um macaco branco mumificado, de alguma espécie desconhecida, menos peluda que qualquer variedade registrada, e também infinitamente mais próxima da humanidade – próxima de modo a chocar qualquer um. A descrição detalhada seria bastante desagradável, mas dois detalhes salientes devem ser contados, pois se adequam revoltosamente a certas notas das expedições africanas de Sir Wade Jermyn, e às lendas congolesas do deus branco e da princesa-macaco. Os dois detalhes em questão são os seguintes: o brasão no medalhão dourado, em volta do pescoço da criatura, era o brasão dos Jermyn, e a sugestão jocosa de M. Verhaeren sobre uma certa parecença com o rosto murcho se aplicava, com vívido, repulsivo, e antinatural horror, com ninguém outro senão o sensível Arthur Jermyn, tetraneto de Sir Wade Jermyn e de uma esposa desconhecida. Os membros do Real Instituto Antropológico queimaram a coisa, e jogaram o medalhão num poço, e alguns deles sequer chegam a admitir que Arthur Jermyn tenha jamais existido.</span></span><br />
<br />
<div style="font-size: 15px; line-height: 1.4;">
<br /></div>
<div style="font-size: 15px; line-height: 1.4;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://cache1.bigcartel.com/product_images/44825091/dnd_019.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="http://cache1.bigcartel.com/product_images/44825091/dnd_019.jpg" width="515" /></a></div>
<div style="font-size: 15px; line-height: 1.4;">
<br /></div>
</div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc;"></span><br />
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Facts_Concerning_the_Late_Arthur_Jermyn_and_His_Family"><span style="color: red;">Texto Original em Inglês</span></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: red;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<a href="http://pt.scribd.com/doc/100635327/ARTHUR-JERMYN-HP-Lovecraft-Traduzido-Por-Arthur-Ferreira-Jr"><span style="color: red;">Baixe esta tradução aqui</span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc;"><a href="http://pt.scribd.com/doc/100635327/ARTHUR-JERMYN-HP-Lovecraft-Traduzido-Por-Arthur-Ferreira-Jr">
</a></span>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-47367470147910453932011-09-30T06:40:00.000-07:002011-10-14T04:19:24.776-07:00O JARDIM E A TUMBA<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Clark Ashton Smith</span></span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.</span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"></span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYpC7igNl9n2DdCgxWXOaG5eZ8Tjte2MIAgknMPxQSP64yAgy0IlzP4nt6IluB_r7XSpTKmhIjgUgTSKzQ6qx0-2-dhcE2RplRFHc-4CvkYyZJLJFw4a-BSQCp_XBxlQio1mktfLtz4is/s1600/planta_carnivora.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYpC7igNl9n2DdCgxWXOaG5eZ8Tjte2MIAgknMPxQSP64yAgy0IlzP4nt6IluB_r7XSpTKmhIjgUgTSKzQ6qx0-2-dhcE2RplRFHc-4CvkYyZJLJFw4a-BSQCp_XBxlQio1mktfLtz4is/s400/planta_carnivora.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="400" /></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Sei de um jardim de flores -- flores amáveis e maravilhosas e multiformes como as orquídeas de mundos longínquos e exóticos -- como as flores de pétalas mil, cujas cores mudam como se por encanto na alteração dos sóis triplos; flores como os lírios-tigres do jardim de Satã; como os muito pálidos lírios do Paraíso, ou amarantes em cuja beleza perfeita e imortal os serafins tanto ponderam; flores ardorosas e esplêndidas como as flores rubras ou douradas do fogo; flores luminosas e frias como as flores de cristal da neve; flores onde não há nenhuma igual, em nenhum mundo de sol algum; que não possuem símbolo, no céus ou no inferno.<br /><br /><br />Infelizmente, no coração do jardim há uma tumba -- uma tumba tão revolta e coberta de vinhas e brotos, que a luz do sol não revela o macabro brilho de seu mármore a uma inspeção menos cuidadosa ou incúria. Porém, à noite, quando as flores estão imóveis, e seus perfumes são tão suaves como a respiração das crianças que dormem -- então, e só então, as serpentes que nascem da corrupção rastejam da tumba, e deixam trilhas do fedor e fosforecência de sua habitação, de um lado ao outro do jardim.<br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">9 de junho de 1915.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbB02dFe2twzKZvgBGJpjYG9K82XLfhKJW6c82nxx16TGTXtm1j4mKIIN-JfVSVHDnOutQGuVKzWJXDhDoVCDUG3WOtZAJQHStdxamuDwuw1ogj9mHM8ya36LzZhTvxBZx7AtykkR8rvI/s1600/mocafico15.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="504" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbB02dFe2twzKZvgBGJpjYG9K82XLfhKJW6c82nxx16TGTXtm1j4mKIIN-JfVSVHDnOutQGuVKzWJXDhDoVCDUG3WOtZAJQHStdxamuDwuw1ogj9mHM8ya36LzZhTvxBZx7AtykkR8rvI/s640/mocafico15.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="640" /></a></div>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-45823493286646027422011-09-28T03:51:00.000-07:002011-10-14T04:19:32.684-07:00A LITANIA DOS SETE BEIJOS<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Clark Ashton Smith</span><br />Traduzido por Arthur Ferreira Jr.'.</span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXtPVlgT5C24rghDkdQZ2tZVHcAfaEy8f_2MtXjGt_3ytuLjws6snqx7kG7woQquPUdcsH2Ege3hcOGw5wkCslHO3bisz3mlnFHGVhhc3VRofl9wo-ZOQAiFsR6uH_tYN0qe24gTjvwOo/s1600/o+beijo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="216" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXtPVlgT5C24rghDkdQZ2tZVHcAfaEy8f_2MtXjGt_3ytuLjws6snqx7kG7woQquPUdcsH2Ege3hcOGw5wkCslHO3bisz3mlnFHGVhhc3VRofl9wo-ZOQAiFsR6uH_tYN0qe24gTjvwOo/s320/o+beijo.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="320" /></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">I<br />Beijo tuas mãos -- tuas mãos, cujos dedos são delicados e pálidos como as pétalas da lótus branca.<br /><br />II<br />Beijo teu cabelo, que tem o lustre das joias negras, e que é mais escuro que o Rio Lethe, fluindo à meia-noite através do sono sem luar de terras perfumadas por papoulas.<br /><br />III<br />Beijo tua testa, que lembra uma lua nascendo num vale de cedros.<br /><br /><br />IV<br />Beijo tuas bochechas, onde permanece um leve enrubescer, como o reflexo de uma rosa sobre uma urna de alabastro.<br /><br />V<br />Beijo tuas pálpebras, e as comparo às flores de veias púrpuras, que fecham-se sob a opressão de uma noite tropical, numa terra onde os ocasos são tão luminosos quanto as chamas do âmbar flamejante.<br /><br />VI<br />Beijo tua garganta, cuja palidez ardente é a palidez do mármore aquecido pelo sol de outono.<br /><br />VII<br />Beijo tua boca, que tem o sabor e perfume da fruta molhada do orvalho de uma fonte mágica, no paraíso secreto que apenas nós dois encontraremos; um paraíso de onde jamais partiremos, pois as águas que nele vadeiam são as do Lethe, e a fruta é a fruta da Árvore da Vida.<br /><br /><br /><br />13 de abril de 1921.</span><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUIdmR4dCyWj7H_86P2M8uYou5dav5omxZzTGm2w7xUlk8snBRmja6gL6K7WDPDGFBpejEQzflxe9iXlDmyVJrXXoRmrVEoPI9j4FdPdgrLhdNV4-KTP3veXwtn8RyL26pOcxXMxYIHa4/s1600/LetheKennington.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; color: #e4ff00; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="456" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUIdmR4dCyWj7H_86P2M8uYou5dav5omxZzTGm2w7xUlk8snBRmja6gL6K7WDPDGFBpejEQzflxe9iXlDmyVJrXXoRmrVEoPI9j4FdPdgrLhdNV4-KTP3veXwtn8RyL26pOcxXMxYIHa4/s640/LetheKennington.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="640" /></a></div>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-76701434928963328412011-09-26T03:55:00.000-07:002011-10-14T04:19:41.410-07:00AO DEMÔNIO<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Clark Ashton Smith</span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Tradução de Arthur Ferreira Jr.'.</span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJ1z9O7H82-jp5wJyLctdiRvnbFoWvBDm05r7HvETLMubmtyl_WKntqiWHofaWU6VJOaj6NMx86GLw7Wgg-oWtVDqXGiMIdKjiV0_v6C0kzOfwS6pKm8gPHq_53HFG0xGj7Pznp3rI830/s1600/ESPELHO+E+%25C3%2581GUA.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJ1z9O7H82-jp5wJyLctdiRvnbFoWvBDm05r7HvETLMubmtyl_WKntqiWHofaWU6VJOaj6NMx86GLw7Wgg-oWtVDqXGiMIdKjiV0_v6C0kzOfwS6pKm8gPHq_53HFG0xGj7Pznp3rI830/s400/ESPELHO+E+%25C3%2581GUA.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="266" /></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: medium;">Conte-me muitas histórias, ó demônio benigno e maleficente, mas não conte nenhuma que já tenha escutado, ou jamais sonhado, conte-me do obscuro e infrequente. Não, não conte sobre nada que jaz entre as fronteiras do tempo ou os limites do espaço; pois estou um tanto esgotado de tantos anos registrados e terras mapeadas; e as ilhas a oeste de Catai, e os reinos iluminados de Ind, não são remotos o suficiente para serem a base de minhas concepções; e a Atlântida é sobremaneira recente, para que meus pensamentos até lá viajem, e Mu fitou o sol em eras demasiado recentes.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: medium;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: medium;">Conte-me muitas histórias, mas que sejam histórias de coisas de um passado além das lendas, e das quais não existam mitos em nosso mundo, ou qualquer dos mundos próximos. Conte-me, se preferir, dos anos em que a lua era nova, com mares perturbados pelas sereias, e montanhas circundadas de flores, desde a base até o pico; conte-me de planetas cinzentos de antiguidade, dos mundos que nenhum astrônomo mortal jamais contemplou, e cujos horizontes e céus místicos chocam os visionários. Conte-me das mais vastas florações, em cujos cálices convidativos uma mulher poderia dormir; dos mares de fogo que batem ondas sobre praias de gelo eternamente duradouro; de perfumes que de um único hausto causam o sono eterno; de titãs sem olhos, que habitam Urano, e seres que vagueiam na luz verde dos sóis gêmeos, um azul-celeste e o outro laranja. Conte-me histórias de medo inconcebível e amor inimaginável, em orbes de onde nosso sol é visto como uma estrela sem nome, ou mesmo uma onde seus raios jamais alcançaram.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: medium;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih0lF_z3wmsdZAIIhnjV5VFUIwP3ONdBvbYAqj5TtCQxCdQ7DYoS-khffuSSPMOTk9xPP6yyXGRzn-TKp_5lBVrI5z7TKPi3WpIYIyLuqUZbQ6sAgBiYeWGjEq0D4yGve4Co3BoULuv1w/s1600/daemon1.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih0lF_z3wmsdZAIIhnjV5VFUIwP3ONdBvbYAqj5TtCQxCdQ7DYoS-khffuSSPMOTk9xPP6yyXGRzn-TKp_5lBVrI5z7TKPi3WpIYIyLuqUZbQ6sAgBiYeWGjEq0D4yGve4Co3BoULuv1w/s640/daemon1.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="640" /></a></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;">
<br /></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: medium;"></span>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-86697593453755797222011-09-25T05:31:00.000-07:002011-09-25T05:41:34.919-07:00OS GATOS DE ULTHAR<br />
<br />
<div style="font-weight: bold;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-size: large;">H. P. Lovecraft</span></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Traduzido por <span class="Apple-style-span" style="font-weight: bold;">Arthur Ferreira Jr.'.</span></span><br />
<div style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: bold;">
<br /></div>
<div style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: bold;">
<br /></div>
<div style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: bold;">
<br /></div>
<div style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: bold;">
<br /></div>
<div style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: bold;">
<br /></div>
<div style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: bold;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://external.ak.fbcdn.net/safe_image.php?d=AQDB3QHad96SjDDM&w=180&h=540&url=http%3A%2F%2Fupload.wikimedia.org%2Fwikipedia%2Fen%2F4%2F46%2FThe_Cats_of_Ulthar.jpg&fallback=hub_likes" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="http://external.ak.fbcdn.net/safe_image.php?d=AQDB3QHad96SjDDM&w=180&h=540&url=http%3A%2F%2Fupload.wikimedia.org%2Fwikipedia%2Fen%2F4%2F46%2FThe_Cats_of_Ulthar.jpg&fallback=hub_likes" /></a></div>
<div style="font-weight: bold;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif; font-weight: normal;">É dito que em Ulthar, que repousa além do rio Skai, ninguém pode matar gatos; e isto posso crer ao observar aquele que se senta, ronronando, diante do fogo. Pois o gato é enigmático, e íntimo de coisas que os homens não conseguem enxergar. Ele é a alma do antigo Egito, e portador de histórias das cidades esquecidas em Meroe e Ophir. Ele é parente dos senhores da selva, e herdeiro dos segredos da África antiga e sinistra. A Esfinge é sua prima, e o gato fala seu idioma; mas ele é mais antigo que a Esfinge, e recorda tudo que ela já esqueceu.</span></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Em Ulthar, muito antes que os habitantes proibissem o assassinato dos gatos, ali habitava um velho caseiro e sua esposa, que extraíam prazer da captura e morte dos gatos de seus vizinhos. Porque eles faziam isso, eu não sei; salvo que muitos odiavam a voz noturna dos gatos, e aborreciam-se com os gatos correndo furtivamente nas chácaras e jardins, durante o crepúsculo. Porém, qualquer que fosse a razão, estes velhos sentiam prazer em capturar e matar todos os gatos que chegavam perto de sua cabana; e deduzindo a partir dos sons que ouviam após o escurecer, muitos aldeões imaginavam que o modo de assassinato era excessivamente peculiar. Mas os aldeões não discutiam essas coisas com o velho e sua esposa; tanto por causa da expressão habitual nos rostos encarquilhados dos dois, quanto porque sua cabana era tão pequena e sombriamente oculta sob os carvalhos que se espalhavam nos fundos de uma chácara abandonada. Na verdade, por mais que os donos de gatos odiassem essas estranhas pessoas, as temiam muito mais; e ao invés de acusá-los como assassinos brutais, apenas cuidavam para que nenhum bichano querido chegasse perto da remota cabana sob as árvores sombrias. Quando, devido a algum deslize inevitável, um gato sumia, e sons eram ouvidos após o escurecer, aquele que perdera o gato lamentaria impotente; ou consolar-se-ia agradecendo ao Destino por não ter sido uma de suas crianças a desaparecer. Pois o povo de Ulthar era simples, e não sabia da origem dos gatos.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Um dia, uma caravana de estranhos andarilhos do Sul entrou pelas ruas estreitas e calcetadas de Ulthar. Eram viandantes de pele escura, e não pareciam com outros povos andarilhos que passavam pela vila duas vezes por ano. Na praça do mercado, liam a sorte em troca de prata, e compravam contas enfeitadas dos mercadores. Qual a terra natal desses viandantes, ninguém sabia dizer; mas parecia que eram dados a estranhas rezas, e que haviam pintado nos lados de seus vagões, estranhas figuras de corpos humanos e cabeça de gatos, falcões, carneiros e leões. E o líder da caravana usava um toucado com dois chifres e um curioso disco entre eles.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Havia nesta singular caravana um garotinho, sem pai nem mãe e apenas um minúsculo gatinho preto para cuidar. A praga não havia sido bondosa com ele, mas o deixara aquela coisinha felpuda para mitigar-lhe a tristeza; e quando se é muito jovem, encontra-se muito alívio nos brinquedos agitados de um gatinho preto. Assim o garoto, que o povo escuro chamava de Menes, mais sorria que chorava, quando sentava a brincar com seu gracioso gatinho, na entrada de um vagão de estranha pintura.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAocWbGiOsv8mAOAwDBgNfgq3Ac63IgXv7zmffjTsjyXk36bj8rgD_ErcKU7qPXVEwRXcQ7wdu3XUmofDFAxZZqGVskNtsE-5_7aMEqHHlX6HhY19iN444pOUgvMhCjSJmCXVFhKvR1G43/s1600/EL-GATO-NEGRO4.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; display: inline !important; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAocWbGiOsv8mAOAwDBgNfgq3Ac63IgXv7zmffjTsjyXk36bj8rgD_ErcKU7qPXVEwRXcQ7wdu3XUmofDFAxZZqGVskNtsE-5_7aMEqHHlX6HhY19iN444pOUgvMhCjSJmCXVFhKvR1G43/s320/EL-GATO-NEGRO4.jpg" width="320" /></span></a><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Na terceira manhã da estadia dos viandantes em Ulthar, Menes não conseguiu achar o gatinho; e chorou alto na praça do mercado, até que certos aldeões contaram-no sobre o velho e sua esposa, e sobre os sons ouvidos na noite. E quando o garoto ouviu estas coisas, seu choro deu lugar à meditação, e finalmente às rezas. Ele esticou seus braços em direção ao sol e rezou numa língua que aldeão algum poderia compreender; embora na verdade não se esforçassem muito para isto, já que sua atenção estava mais tomada pelo céu e pelas esquisitas formas assumidas pelas nuvens. Era algo bastante peculiar, mas conforme o garotinho declamava seu pedido, parecia que formavam-se acima figuras sombrias e nebulosas de coisas exóticas; criaturas exóticas coroadas de discos ladeados por chifres. A natureza é tão cheia dessas ilusões que impressionam os imaginativos.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Naquela noite os viandantes deixaram Ulthar e jamais foram vistos novamente. E os residentes ficaram perturbados, quando notaram que em toda a aldeia, não havia um só gato a ser encontrado. De cada lar, o gato familiar havia sumido; gatos grandes e pequenos, negros, cinzas, listrados, amarelos e brancos. O velho burgomestre Kranon jurava que o povo escuro havia roubado os gatos, por vingança da morte do gatinho de Menes; e amaldiçoava a caravana e o garotinho. Mas Nith, o tabelião magro, declarou que o velho caseiro e sua esposa eram pessoas mais suspeitas; porque seu ódio a gatos era notório e cada vez mais ousado. Ainda assim, ninguém ousou reclamar com o sinistro casal; mesmo quando o pequeno Atal, filho do estalajadeiro, jurou que vira no crepúsculo todos os gatos de Ulthar naquela execrável chácara sob as árvores, caminhando lenta e solenemente num círculo ao redor da cabana, aos pares, como se numa performance de algum desconhecido rito de feras. Os aldeões não souberam muito o que acreditar de um garoto tão pequeno; e muito embora temessem que o casal de velhos houvesse encantado os gatos para matá-los, preferiam não repreender o velho caseiro até que este fosse encontrado fora de sua chácara sombria e repelente.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh38pLISL2jv3PrtnTpzrZVuKFBWTBxJt2XUucIh23CWpdIqN8_tF8hGZq9AulcKvF40KHHwmL804MhKXtfJsWUVcf-2uyvQcksSFEjFtMpCtjRAGCH2Gg1SLJS733mg_OXX9ofxb0T_mE/s320/gatos_de_Ulthar_Lovecraft.JPG" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh38pLISL2jv3PrtnTpzrZVuKFBWTBxJt2XUucIh23CWpdIqN8_tF8hGZq9AulcKvF40KHHwmL804MhKXtfJsWUVcf-2uyvQcksSFEjFtMpCtjRAGCH2Gg1SLJS733mg_OXX9ofxb0T_mE/s320/gatos_de_Ulthar_Lovecraft.JPG" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Foi então que Ulthar foi dormir sentindo uma raiva impotente; e quando o povo acordou de manhãzinha – olha só! Todos os gatos de volta a seus lares de costume! Grandes e pequenos, negros, cinzas, listrados, amarelos e brancos, nenhum deles estava faltando. Pareciam muito gordos e luzidios os gatos, e sonoros em seu contentamento ronronante. Os cidadãos debateram sobre a questão, muito espantados. O velho Kranon insistiu mais uma vez que o povo escuro os havia levado, já que os gatos não voltam vivos da cabana do ancião e sua esposa. Mas todos concordaram numa coisa: a recusa dos gatos em comer suas porções de carne e beber seus pratos de leite era excessivamente curiosa. E por dois dias inteiros, os reluzentes e preguiçosos gatos de Uthar não tocaram a comida, apenas deitando perto do fogo ou sob o sol.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Passou quase uma semana até que os aldeões notassem que não surgia luz à noite, vinda das janelas da cabana sob as árvores. Então o magro Nith comentou que ninguém havia visto o velho e sua esposa, desde a noite do sumiço dos gatos. Passada mais uma semana, o burgomestre decidiu superar seus medos e bateu à porta daquela habitação estranhamente silenciosa, cumprindo seu dever, embora ao fazê-lo tivesse o cuidado de trazer Shang, o ferreiro, e Thul, o cortador de pedras, como testemunhas. E quando derrubaram a frágil porta, encontraram apenas isto: dois esqueletos humanos de ossos limpos no chão de terra batida, e muitos besouros esquisitos rastejando pelos cantos escuros.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Depois disso houve muita conversa entre os habitantes de Ulthar. Zath, o juiz, debateu longamente com Nith, o tabelião magro; e Kranon e Shang e Thul foram enchidos de perguntas. Até mesmo o pequeno Atal, filho do estalajadeiro, foi bastante questionado e recebia balas como recompensa. Falavam do velho caseiro e sua esposa, da caravana de viandantes escuros, do pequeno Menes e seu gatinho preto, da reza de Menes e do céu durante essa reza, das proezas dos gatos na noite em que a caravana se retirou, e do que mais tarde fora encontrado na cabana sob as árvores sombrias da repelente chácara.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E no final, os habitantes aprovaram aquela notável lei, que é comentada por comerciantes de Hatheg e discutida por viajantes em Nir; aquela lei que dizia que em Ulthar, ninguém pode matar gatos.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.livrosepessoas.com/wp-content/uploads/2011/05/lovecraft-e-seu-gato.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="400" src="http://www.livrosepessoas.com/wp-content/uploads/2011/05/lovecraft-e-seu-gato.jpg" width="400" /></span></a></div>
<div style="text-align: center;">
<i><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">HPL e um de seus gatos</span></i></div>
<br />Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-49988192584456033332011-09-24T17:00:00.000-07:002011-10-14T04:19:53.052-07:00UM SONHO NO LETHE<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">De Clark Ashton Smith</span><br />Tradução de Arthur Ferreira Jr.'.</span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cccccc; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; color: #cccccc; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcGb3z_TUjBF51yv8CLa2xBoxpVGOv0DKukO9Hh0h1M8xfbEB3ohAf96QO6DBfJcXOLacmV5CKxSOAO5h_chg_N8v7JH8F2FSBVY__e7YBfPuRLiZ03U-TqCNOnFNleCv7KK0rGYrVxmo/s1600/ClarkAshtonSmith_the_basilisk.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; color: #e4ff00; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcGb3z_TUjBF51yv8CLa2xBoxpVGOv0DKukO9Hh0h1M8xfbEB3ohAf96QO6DBfJcXOLacmV5CKxSOAO5h_chg_N8v7JH8F2FSBVY__e7YBfPuRLiZ03U-TqCNOnFNleCv7KK0rGYrVxmo/s400/ClarkAshtonSmith_the_basilisk.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="300" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="color: #cccccc; font-family: Verdana, sans-serif;">Procurando aquela que perdi, cheguei a tempo às costas do Lethe, sob a abóbada de um céu imenso, vazio e ébano, a partir do qual todas as estrelas sumiam, uma por uma. Vinda não sei de onde, uma luz pálida e fugidia, como a da lua minguante, ou a fosforescência fantasmagórica de um sol morto, caiu tênue e sem lustre sobre a torrente obsidiana, e sobre os prados negros e sem flor alguma. Sob esta luz, enxerguei muitas almas errantes, de homens e mulheres, que vinham, hesitantes ou sôfregas, beber das lentas águas que nunca murmuram. Porém entre todas essas, nenhuma partia sôfrega, e muitos que permaneciam contemplavam, com olhos que não enxergavam, o movimento calmo e sem ondas da torrente. À distância, na forma graciosa e alta como um lírio, e no rosto imóvel e altivo de uma mulher que permanecia separada do resto, enxerguei aquela a quem buscava; e, correndo para estar ao seu lado, com um coração onde antigas memórias cantavam como um ninho de rouxinóis, fui ávido em tomar da sua mão. Porém nos olhos pálidos e imutáveis, e nos lábios imóveis e descorados, que achegaram-se aos meus, não enxerguei luz alguma de memórias, nenhum tremor de reconhecimento. E sabendo agora que ela havia esquecido, fugi desesperado, e encontrei o rio diante de mim, de súbito senti minha antiga sede por suas águas, uma sede que um dia pensei satisfazer em muitas e diversas fontes, mas em vão. Abaixando-me apressado, bebi, e levantando mais uma vez, percebi que a luz havia morrido ou desaparecido, e que toda a terra era como a terra de um sono sem sonhos, onde eu não conseguia mais distinguir os rostos de meus companheiros. Nem nunca mais conseguiria lembrar jamais por quê eu desejei beber das águas do esquecimento.</span><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; color: #cccccc; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; color: #cccccc; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; color: #cccccc; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; color: #cccccc; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; color: #cccccc; text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #e4ff00; font-family: Verdana, sans-serif; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRZyGOJoE8Px1rJS5YtuJElH1WRE4AhZ2Zj2jGwika0FovveX4LTMA1RF5QG8C6C7c2H_C90dWZzD6ohKw7PD3mosaDEi8rJSHM7FXBlZkVPoMdMxVZWai2Fn-16D-vXJjQfW-uW-QBdI/s1600/Clark_Ashton_Smith_1912.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRZyGOJoE8Px1rJS5YtuJElH1WRE4AhZ2Zj2jGwika0FovveX4LTMA1RF5QG8C6C7c2H_C90dWZzD6ohKw7PD3mosaDEi8rJSHM7FXBlZkVPoMdMxVZWai2Fn-16D-vXJjQfW-uW-QBdI/s640/Clark_Ashton_Smith_1912.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="477" /></a></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; color: #cccccc; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<i><b><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Clark Ashton Smith</span></b></i></div>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-78678975114974902762011-09-23T16:44:00.000-07:002011-10-14T04:20:02.567-07:00VINDOS DAS CRIPTAS DA MEMÓRIA<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;">por Clark Ashton Smith</span><br /><span style="font-size: xx-small;">em 1917</span><br /><span style="font-size: xx-small;">Traduzido por <span style="font-size: x-small;">Arthur Ferreira Jr.'. <span style="font-size: xx-small;">em 2011</span></span></span><br /><br /></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Texto retirado de "Ébano e Cristal" ("Ebony and Crystal")</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
</div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPIKJgjGB-TiLEd8ocCjL9zRnaZQQ4v969PvrBT6oibLVy4JPhKtA0JUXFeQz6hCmcvSF-AUG3ny_v9ciJGtEg7EtvQ6MJit-z4aAB_XNFqy7nPKO0gQcyR3bz0X6tEIa-ZJ-5Kv8NaGw/s1600/jr_los_angeles3.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; color: #e4ff00; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPIKJgjGB-TiLEd8ocCjL9zRnaZQQ4v969PvrBT6oibLVy4JPhKtA0JUXFeQz6hCmcvSF-AUG3ny_v9ciJGtEg7EtvQ6MJit-z4aAB_XNFqy7nPKO0gQcyR3bz0X6tEIa-ZJ-5Kv8NaGw/s320/jr_los_angeles3.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="320" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Eras e eras atrás, numa época cujos mundos maravilhosos já haviam ruído, e cujos poderosos sóis eram menos que sombra, habitava eu uma estrela cujo curso, já sem retorno, em sua decadência vinda dos altos céus do passado, estava cada vez mais aproximando-se de um abismo onde, diziam os astrônomos, seu ciclo imemorial encontraria um fim sombrio e desastroso.<br /><br /> Ah, era estranha aquela estrela esquecida em seu golfo – quão mais estranha que qualquer sonho dos sonhadores nas esferas do hoje, ou que qualquer visão que já assomou os visionários, em sua retrospectiva do passado sideral! Ali, através de ciclos de história cujos registros empilhados, escritos em bronze, não podiam mais ser enumerados, os mortos vieram a superar, em definitivo, os vivos. E, construídas de uma pedra indestrutível, salvo na fornalha dos sóis, suas cidades cresciam ao lado das dos vivos, como as metrópoles prodigiosas dos Titãs, com muralhas que conjuravam sombras sobre as vilas próximas. E sobre tudo aquilo, havia a cripta fúnebre e sombria dos enigmáticos céus – um domo de sombras infinitas, onde o triste sol, suspenso como uma lâmpada enorme e solitária, não conseguia iluminar, e extinguindo suas chamas em face do inevitável, enviava um raio confuso e desesperador sobre os remotos e vagos horizontes, e as vistas ocultas eram ilimitadas, naquela terra visionária.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQeTZSROLht8RoGDHZvAiJDp3L6h4gjqJfmXVrcEPij5Svw2xeRVR1JxnzEL4KgwGCwoHLVDByXHjl6RisEHlK54Vbh2Bz5sAe_RfMWg1Dtv04Ki1zaY-3Q2l1tnhu0xaFrAdH_OZ9Sj4/s1600/tokyogen3.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; color: #e4ff00; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-decoration: none;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQeTZSROLht8RoGDHZvAiJDp3L6h4gjqJfmXVrcEPij5Svw2xeRVR1JxnzEL4KgwGCwoHLVDByXHjl6RisEHlK54Vbh2Bz5sAe_RfMWg1Dtv04Ki1zaY-3Q2l1tnhu0xaFrAdH_OZ9Sj4/s320/tokyogen3.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="226" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;">Éramos um povo sombrio, secreto e muito tristonho – nós, que habitávamos sob o céu do crepúsculo eterno, penetrado por altíssimas torres e obeliscos do passado. Em nosso sangue, sentia-se o calafrio da antiga noite do tempo; e nossos pulsos enfraqueciam com a insidiosa presciência do langor do Lethe. Sobre nossas cortes e campos, como vampiros invisíveis e letárgicos, nascidos dos mausoléus, ascendiam e flutuavam as horas negras, com asas que destilavam uma languidez maléfica, nascida do lamento sombrio e do desespero dos ciclos encerrados. Os próprios céus eram carregados de opressão, e respirávamos sobre eles como se num sepulcro, para sempre selado, com todas as estagnações da corrupção e da lenta decomposição, e da escuridão impenetrável, a não ser aos vermes que roem.<br /><br /> Vivíamos de forma vaga, e amávamos como se ama nos sonhos – os tênues e místicos sonhos que flutuam sobre o limiar do sono inescrutável. Sentíamos por nossas mulheres, com sua beleza pálida e espectral, o mesmo desejo que os mortos podiam sentir pelos lírios fantasmagóricos dos campos do Hades. Nossos dias se passavam num vagar por entre as ruínas das cidades solitárias e imemoriais, cujos palácios de cobre corroído, e ruas que corriam entre linhas de obeliscos gravados a ouro, repousavam frágeis e macabros àquela luz mortiça, ou eram afogados para todo o sempre, em meio aos mares da sombra estagnante; cidades cujas igrejas vastas e construídas com o ferro preservavam sua aura de mistério e fascínio primordial, a partir da qual os simulacros de deuses esquecidos há séculos buscavam, com olhos inalteráveis, nos céus desesperançosos, a noite pressagiada, o esquecimento definitivo. Languidamente, cultivávamos nosso jardins, cujos lírios cinzentos ocultavam um perfume necromântico, que tinha o poder de evocar-nos para os sonhos mortos e espectrais do passado. Ou, errando pelos campos cinzas do outono perene, buscávamos as raras e místicas margaridas imortais, cujas folhas sombrias e pétalas pálidas, que floresciam debaixo de salgueiros de folhagem lívida e velada; ou cobertas por um orvalho doce e narcótico, pelo silêncio fluente das águas aquerônticas.<br /><br /> E um por um, morremos, e nos perdemos na poeira do tempo acumulado. Percebemos os anos como um passar de sombras, e conhecemos a própria morte como o render-se do crepúsculo à noite.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigpTFdsikaWJ_AS8fs5Ez0uoxkq3uO0nmw-bM9R8HfYBmvtPp6x8vG_AfB73cCsqyjh-FrvvbyI0laZNvmsHyk1oOGjFTDNEkhyDAIGGQBJaUEZiZti4kf1n3wxfluxobBWBQrVErVvuY/s1600/desetindoors4.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="528" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigpTFdsikaWJ_AS8fs5Ez0uoxkq3uO0nmw-bM9R8HfYBmvtPp6x8vG_AfB73cCsqyjh-FrvvbyI0laZNvmsHyk1oOGjFTDNEkhyDAIGGQBJaUEZiZti4kf1n3wxfluxobBWBQrVErVvuY/s640/desetindoors4.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="640" /></a></div>
<br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />Leia o original em inglês em:<br />http://en.wikisource.org/wiki/From_the_Crypts_of_Memory</span>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-850143092367978732011-09-23T05:27:00.000-07:002012-07-24T12:10:50.258-07:00ALÉM DAS MURALHAS DO SONO<div>
<span style="background-color: white;"><span style="font-size: large;"><b>H.P. LOVECRAFT</b></span></span></div>
<div>
<b>Tradução:</b> Arthur Ferreira Jr.'.</div>
<div>
<b>Titulo Original:</b> <i>Beyond the Wall of Sleep</i></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Tenho muitas vezes imaginado se a maioria da humanidade chega alguma vez a refletir sobre a muitas vezes titânica relevância dos sonhos, e sobre o obscuro mundo onde eles pertencem. Embora a maior parte de nossas visões noturnas talvez não passe de reflexos tênues e fantásticos de nossas experiências despertas – por mais que Freud acene com seu simbolismo pueril – existe ainda uma certa memória, cujo caráter não-mundano e etéreo não permite uma interpretação normal, e cujo efeito vago, excitante e inquietante sugere possíveis vislumbres temporários de uma esfera da existência mental não menos importante que a vida física, embora separada desta por uma barreira quase impassável. A partir de minha experiência, não posso duvidar que o homem, quando perdido para a consciência terrestre, está de fato jornadeando até uma outra vida incorpórea, de uma natureza bastante diferente daquela que conhecemos, e da qual somente as mais frágeis e indistintas lembranças sobrevivem, após o despertar. A partir destas lembranças borradas e fragmentárias, podemos inferir muito, porém nada provar. Podemos adivinhar que, nos sonhos, a vida, a matéria e a vitalidade, como a terra as reconhece, não são necessariamente constantes; e que o tempo e o espaço não existem como nossos egos despertos os compreendem. Às vezes creio que esta vida menos material é nossa vida mais verdadeira, e que nossa vã presença no globo terráqueo é em si um fenômeno secundário, ou apenas virtual.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Foi de uma epifania juvenil, cheia de especulações deste tipo, que emergi uma tarde no inverno de 1900-1901, quando foi trazido para a instituição psiquiátrica estatal na qual eu servia como interno um homem cujo caso até então tem me assombrado sem cessar. Seu nome, conforme dizem os registros, era Joe Slater, ou Slaader, e sua aparência era a de um habitante típico da região das Montanhas Catskill; um dos herdeiros repelentes e estranhos de um extrato camponês colonial e primitivo, cujo isolamento de quase três séculos, acastelados nas colinas de um interior pouco frequentado, os fez cair numa espécie de degeneração barbárica, ao invés de avançar junto a seus parentes mais em posição mais afortunada nos distritos mais densamente colonizados. Entre este povo estranho, que correspondia exatamente ao elemento decadente do “lixo branco” do Sul, a lei e a moral eram não-existentes; e seu estado mental geral está provavelmente abaixo de qualquer outra seção do povo americano.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Joe Slater, que veio à instituição sob a custódia vigilante de quatro policiais estaduais, e que foi descrito como uma figura bastante perigosa, certamente não apresentava evidência alguma de dita disposição quando o observei pela primeira vez. Embora muito acima da estatura média, e de composição um tanto grosseira, ele passava uma impressão absurda de estupidez inofensiva, através do azul sonolento e pálido de seus olhos pequenos e molhados, o desleixo de sua barba amarelada, negligenciada e nunca aparada, e derrubar apático de seu lábio inferior. Sua idade era desconhecida, já que entre o seus, não haviam registros familiares, nem laços familiares permanentes; mas baseado na calvície da frente de sua cabeça, e da condição decaída de seus dentes, o cirurgião cerebral escreveu que tratava-se de um homem de mais ou menos quarenta anos.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A partir dos documentos médicos e legais, aprendemos tudo que podia ser coletado quanto a seu caso: este homem, um vagabundo, caçador de carnes e peles, sempre foi um estranho aos olhos de seus primitivos associados. Ele tinha hábito de dormir à noite por muito além do tempo normal, e ao acordar falava de coisas desconhecidas, de um modo tão bizarro que inspirava medo nos corações do populacho sem imaginação. Não que sua forma de linguagem fosse de fato incomum, pois ele nunca falava em outra língua que não o patuá degenerado de seu ambiente; mas o tom e teor de seus pronunciamentos eram de tal selvageria misteriosa, que ninguém conseguia ouvir sem apreensão. Ele próprio geralmente ficava tão aterrorizado e confuso quanto seus ouvintes, e depois de uma hora após o despertar, esquecia tudo que havia dito, ou pelo menos tudo que o havia feito dizer o que havia dito; voltando a uma normalidade bovina e quase amistosa como a de outros moradores das colinas.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Conforme Slater envelhecia, parecia que suas aberrações matutinas gradualmente aumentavam em frequência e agressividade; até que mais ou menos um mês antes de sua chegada na instituição, ocorreu a chocante tragédia que causou sua prisão pelas autoridades. Uma ocasião, perto do meio-dia, depois de um profundo sono começado numa farra de uísque mais ou menos às cinco horas da tarde anterior, o homem despertou muito subitamente, com ululações tão terríveis e alienígenas, que vários vizinhos vieram à sua cabina – uma pocilga nojenta onde ele vivia com uma família tão indescritível quanto ele mesmo. Investindo pela neve, ele abria os braços e começava uma série de saltos diretamente para cima, no ar; enquanto gritava sua determinação em alcançar alguma “cabana enorme, imensa, de telhado e paredes e chão reluzentes, e a estranha e alta música lá longe”. Assim que dois homens de tamanho moderado buscaram contê-lo, ele lutou com força e fúria maníaca, gritando de seu desejo e necessidade de encontrar e matar uma certa “coisa que brilha e tremula e ri”. Após ter temporariamente derrubado um de seus captores com um golpe repentino, jogou-se sobre o outro num êxtase demoníaco de sede de sangue, berrando de modo atroz, que ele “pularia alto no ar e queimaria sua trilha através de qualquer um que o tentasse parar”.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Família e vizinhos agora fugiam em pânico, e quando o mais corajoso deles retornou, Slater havia sumido, deixando para trás uma mingau irreconhecível que antes havia sido um homem vivo, um hora antes. Nenhum dos montanhistas ousou persegui-lo, e é provável que eles receberiam bem sua morte por hipotermia; mas quando várias manhãs depois, ouviram seus gritos vindos de uma distante ravina, perceberam que ele de alguma forma conseguira sobreviver, e que sua remoção, de um modo ou de outro, seria necessária. Então foi formada um grupo de busca armado, cujo propósito (qualquer que tenha sido a princípio) tornou-se o mesmo de uma equipe do xerife, após um dos pouco populares policiais militares estaduais ter, por acidente, observado e então questionado, e finalmente se juntado aos perseguidores.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>No terceiro dia, Slater foi encontrado inconsciente no oco de uma árvore, e levado à cadeia mais próxima, onde os alienistas de Albany o examinaram tão logo da volta de seus sentidos. Para eles, Slater contou uma história simples. Ele havia, disse, ido dormir numa tarde, por volta do pôr do sol, após beber muito. Ele despertou, achando-se de pé, com as mãos sangrentas, na neve atrás de sua cabina, tendo o cadáver mutilado de seu vizinho Peter aos seus pés. Horrorizado, adentrou os bosques, num vago esforço de escapar da cena daquilo que deveria ter sido seu crime. Além destas coisas, ele não parecia saber mais nada, nem o questionamento perito de seus interrogadores trouxe mais um único fato sequer.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Naquela noite, Slater dormiu quieto, e na manhã seguinte, acordou sem anormalidades, salvo uma certa alteração da expressão. O doutor Barnard, que havia observado o paciente, pensou que notara nos olhos azul-pálido um certo brilho de qualidade peculiar, e nos lábios flácidos, um endurecimento quase imperceptível, como se numa determinação inteligente. Porém quando questionado, Slater caiu na vaguidade habitual de montanhista, e limitou-se a reiterar o que disse no dia anterior.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Na terceira manhã, ocorreu o primeiro dos ataques mentais do homem. Após alguma mostra de inquietude durante o sono, ele explodiu num frenesi tão poderoso que os esforços combinados de quatro homens foram necessários para prendê-lo a uma camisa de força. Os alienistas escutaram com atenção fervorosa suas palavras, já que sua curiosidade havia sido levada a um alto grau, pelas histórias sugestivas, embora bastante conflitantes, de sua família e vizinhos. Slater algaraviou por mais de quinze minutos, balbuciando em seu dialeto florestal, falando de edifícios verdes de luz, oceanos de espaço, música estranha, e montanhas e vales sombrios. Porém na maior parte do tempo, ele se detinha em alguma entidade misteriosa e flamejante que tremulava e ria e zombava dele. Esta personalidade vasta e vaga parecia ter feito a ele um terrível mal, e matá-la numa vingança triunfante era seu desejo principal. Para alcançá-la, dizia Slater, ele voaria pelos abismos do vazio, queimando cada obstáculo em seu caminho. Assim correu seu discurso, até que muito de repente, parou. O fogo da loucura morreu em seus olhos, e em fascínio embrutecido, ele perguntou a seus questionadores por que estava preso. O dr. Barnard desfez as presilhas de couro e não as restaurou até a noite, quando conseguiu persuadir Slater a vesti-las por vontade própria, para seu próprio bem. O homem agora já admitia que às vezes falava estranho, embora não soubesse o porquê.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Dentro de uma semana, mais dois ataques se sucederam, mas deles, os médicos pouco aprenderam. Quanto à fonte das visões de Slater, muito foi especulado, já que ele não podia nem ler nem escrever, e aparentemente jamais ouvira uma única lenda ou conto de fadas, fazendo com que sua imagética extravagante fosse muito pouco explicável. O fato de que não vinha de qualquer mito ou romance conhecido, tornava-se demasiado claro pelo fato do infeliz lunático expressar-se apenas de sua própria maneira simples. Ele algaraviava sobre coisas que não compreendia e nem podia interpretar; coisas que ele clamava ter experimentado, mas que ele não poderia ter aprendido através de nenhuma narração normal ou conexa. Os alienistas logo concordaram que sonhos anormais eram a fundação do problema: sonhos cuja vividez poderia por um tempo dominar de todo a mente desperta deste homem basicamente inferior. Com a devida formalidade, Slater foi julgado por assassinato, inocentado pela alegação de insanidade, e enviado à instituição onde eu mantinha uma posição bastante humilde.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Já disse que sou um especulador constante quanto à vida onírica, e a partir disto, vocês podem julgar a avidez com que eu me aplicava ao estudo do novo paciente, tão logo avaliara de todo os fatos de seu caso. Ele parecia sentir uma certa amizade em mim, nascida sem dúvida do interesse que eu não conseguia ocultar, e da maneira gentil com que eu o questionava. Não que ele jamais me reconhecesse durante seus ataques, quando eu ficava sem fôlego com seus retratos verbais cósmicos tão caóticos; mas ele me reconhecia em suas horas quietas, quando ele sentava ao lado de sua janela com grades, fiando cestos de palha e salgueiro, e talvez com nostalgia da liberdade montanhista que jamais poderia de novo desfrutar. Sua família jamais buscou vê-lo; provavelmente ela descobriu outro chefe de família temporário, à maneira do povo decadente das montanhas.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Com o passar do tempo, comecei a sentir um enorme fascínio pelas concepções loucas e fantásticas de Joe Slater. O próprio homem era tristemente inferior, tanto em mentalidade quanto em linguagem; mas suas visões brilhantes e titânicas, embora descritas num jargão bárbaro e desconexo, certamente falavam de coisas que somente um cérebro superior, ou mesmo excepcional, poderia descrever. Como poderia, muitas vezes me perguntava, a imaginação imperturbável de um degenerado das Catskill conjurar tais vislumbres cuja própria posse demonstrava uma centelha de gênio à espreita? Como algum estúpido da floresta poderia ter conseguido alguma ideia assim dos reinos brilhantes de radiância e espaço supernos dos quais algaraviava Slater em seu delírio furioso? Cada vez mais, inclinava-me à crença de que sob a lamentável personalidade que se encolhia perante mim, estava o núcleo desordenado de alguém além da minha compreensão; algo infinitamente além da compreensão dos meus colegas médicos e científicos mais experientes, embora menos imaginativos.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>E ainda assim, não conseguira extrair nada definitivo do homem. A soma de toda a minha investigação foi de que, num tipo de vida onírica semicorpórea, Slater vagava ou flutuava por vales, prados, jardins, cidades e palácios de luz resplandecentes e prodigiosos, numa região sem limites, desconhecida do homem; que ele não era nenhum camponês ou degenerado, mas uma criatura de importância e vividez, movendo-se orgulhosa e dominantemente, detida apenas por um certo inimigo mortal, que parecia um ser de estrutura visível, embora etérea, e que não parecia ter forma humana, já que Slater jamais referia-se a ele como um homem, mas apenas como uma coisa. A tal coisa causara a Slater algum horrendo mal sem nome, que o maníaco (se é que era um maníaco) buscava vingar.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Pela maneira com que Slater aludia a estes encontros, julguei que ele e a coisa luminosa encontravam-se em termos iguais; que em sua existência onírica, o homem era ele mesmo uma coisa luminosa da mesma raça de seu inimigo. Esta impressão foi sustentada por suas frequentes referências a voar pelo espaço e queimar tudo que impedia seu progresso. Ainda assim, estas concepções eram formuladas em palavras rústicas, totalmente inadequadas à sua transmissão, uma circunstância que me levou à conclusão de que se de fato existia um mundo onírico, a linguagem oral não era o seu meio de transmissão de pensamento. Poderia ser que a alma onírica que habitava este corpo inferior estava desesperadamente lutando para falar coisas que a língua simples e restrita da estupidez não conseguia pronunciar? Poderia ser o caso que eu estivesse a ponto de encontrar emanações intelectuais que explicariam o mistério, se apenas pudesse conseguir como descobri-las e lê-las? Não contei aos médicos mais velhos sobre estas coisas, já que a meia-idade é cínica, cética e sem inclinações a aceitar novas ideias. Além disso, o chefe da instituição havia há pouco me advertido, à sua maneira paternal, que eu estava trabalhando demais; que minha mente precisava de um descanso.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Há muito tempo, creio que o pensamento humano consiste basicamente de movimento atômico ou molecular, convertível em ondas ou energia radiante, como o calor, a luz e a eletricidade. Esta crença desde já me havia levado a contemplar a possibilidade da telepatia ou da comunicação mental, através de um aparato adequado, e em meus dias de faculdade preparei um conjunto de instrumentos de transmissão e recepção de certo modo similares aos aparelhos complicados empregados na telegrafia sem fio, naquele período rudimentar anterior ao rádio. Testei aqueles aparelhos com um colega estudante, mas sem alcançar resultado algum, logo os empacotei junto com outros obstáculos e finalidades científicas para possível uso futuro.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Agora, em meu intenso desejo de sondar a vida onírica de Joe Slater, busquei mais uma vez esses instrumentos, e passei vários dias reparando-os para a ação. Quando estiveram mais uma vez completos, não perdi a oportunidade de testes. A cada surto de violência de Slater, ajustaria o transmissor à sua testa e o receptor à minha, constantemente fazendo arranjos para vários comprimentos de onda hipotéticos de energia intelectual. Tinha uma parca noção de como as impressões de pensamento, caso transmitidas com sucesso, despertariam uma reação inteligente em meu cérebro, mas tinha certeza de que poderia as detectar e interpretar. Portanto, continuei meus experimentos, embora sem informar a ninguém sobre sua natureza.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Foi no dia 21 de fevereiro de 1901 que a coisa aconteceu. Quando olho para trás, com o passar dos anos, percebo o quão irreal a coisa parece, e às vezes imagino se o velho doutor Fenton não estava certo quando creditou tudo à minha imaginação empolgada. Lembro que ele ouviu com grande gentileza e paciência ao que eu lhe dizia, mas depois me receitou uma medicação para os nervos e fez os preparativos para férias de um semestre, as quais comecei a gozar a partir da semana seguinte.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Naquela noite fatídica, eu estava altamente agitado e perturbado, porque apesar do excelente cuidado que recebia, Joe Slater sem dúvida estava morrendo. Talvez porque tinha saudade de sua liberdade de montanhista, ou talvez o tumulto em seu cérebro houvesse chegado a um ponto prejudicial em seu físico um tanto inerte; mas em todo caso, a chama da vitalidade começava a diminuir naquela corpo decadente. Ele sentia-se sonolento perto do fim, e conforme a escuridão caía, ele entrava num sono conturbado.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Eu não afixei a camisa de força, como era costume quando ele dormia, já que via que o paciente estava muito frágil para ser perigoso, mesmo que acordasse em desordem mental mais uma vez, antes de falecer. Porém pus em sua cabeça e na minha as duas extremidades de meu “rádio” cósmico, esperando, contra todas as probabilidades, que a primeira e última mensagem do mundo onírico viesse, no breve tempo que restava. Conosco na cela estava uma enfermeira, companheira medíocre que não compreendia o propósito do aparato, ou sequer pensava em perguntar do que se tratava. Conforme as horas escoavam, eu via sua cabeça escorregar pateticamente no sono, mas não o perturbei. Eu mesmo, embalado pela respiração rítmica do homem saudável embora moribundo, devo ter cabeceado um pouco depois.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Foi o som da bizarra melodia lírica que me despertou. Coros, vibrações e êxtases harmônicos ecoavam passionais, a todo momento, enquanto em minha visão fascinada explodia o estupendo espetáculo da beleza definitiva. Muralhas, colunas, e arquitraves de fogo vivo ardiam refulgentes ao redor do ponto onde eu parecia flutuar no ar, estendendo-se para cima até um domo abobadado infinitamente alto, de esplendor indescritível. Misturando-se a esta demonstração de magnificência palaciana, ou na verdade às vezes suplantando-o na rotação caleidoscópica, mostravam-se vislumbres de planícies amplas e vales graciosos, montanhas altas e grutas convidativos, cobertas de cada atributo amável do cenário que meus olhos deslumbrados poderiam conceber, embora formados totalmente de alguma entidade plástica, etérea e brilhante, que compartilhava da consistência tanto do espírito quanto da matéria. Conforme eu me transfixava, percebia que meu próprio cérebro tinha a chave para estas metamorfoses encantadoras; pois que cada visão que aparecia perante mim era aquela que minha mente mutável mais queria contemplar. Em meio a este reino elísio, eu não vagava como estranho, pois cada visão e som eram a mim familiares; da mesma forma que havia sido por incontáveis éons de eternidade antes, haveria de ser pelas eternidades por vir.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Então a aura resplandecente de meu irmão de luz se aproximou e começou o colóquio comigo, de alma para alma, num intercâmbio silencioso e perfeito de pensamentos. Era a hora do triunfo se aproximando, pois meu ser companheiro não estava escapando por fim de uma prisão periódica; estava escapando para sempre, e preparando-se para seguir o opressor amaldiçoado até os mais longínquos campos de éter, onde sobre ele seria imposta uma vingança cósmica flamejante, capaz de estremecer as esferas? Flutuamos assim por pouco tempo, quando percebi uma leve distorção e desvanecimento dos objetos ao nosso redor, como se alguma força me estivesse chamando da terra – onde eu menos desejava ir. A forma próximo de mim pareceu também sentir uma mudança, e ela mesmo preparou-se para encerrar a cena, sumindo de meu campo de visão numa rapidez um tanto maior que a dos outros objetos. Conforme mais uns poucos pensamentos foram trocados, soube que o ser luminoso e eu estávamos sendo chamados à prisão, embora para meu irmão de luz fosse a última vez. A lamentável casca planetária estaria em breve desgastada de uma vez todas, e em menos de uma hora, meu companheiro estaria livre para perseguir seu opressor pela Via Láctea e além das mais distantes estrelas, até os últimos confins do infinito.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Um choque bem definido separa minha impressão final da cena de luz fugaz de meu súbito e um tanto envergonhado despertar, e me ajeitei na cadeira quando vi que a figura moribunda no sofá movia-se com hesitação. Joe Slater estava de fato despertando, embora provavelmente pela última vez. Conforme o observava mais de perto, enxerguei em seu rosto macilento o brilho de pontos de cor que jamais havia estado presentes anteriormente. Também os lábios pareciam incomuns, comprimidos com força, como se por força de um caráter mais forte do que o normal de Slater. Toda a face finalmente começava a ficar tensa, e a cabeça virava-se inquieta, com os olhos fechados.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Não acordei a enfermeira adormecida, mas reajustei a faixa um tanto desarranjada de meu “rádio” telepático, tentando capturar qualquer mensagem de adeus que o sonhador estava querendo transmitir. E de súbito a cabeça voltou-se direto para mim e os olhos se abriram, fazendo-me fitar em fascínio vazio ao que presenciava. O homem que havia sido Joe Slater, o decadente das Catskill, estava me observava com um par de olhos luminosos e expandidos, cujo azul parecia ter se aprofundado sutilmente. Nem a mania, nem a degeneração eram visíveis neste olhar, e senti, além de toda dúvida, que estava contemplando um rosto sob o qual estava uma mente ativa da mais alta ordem.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Nesta junção, meu cérebro ficou ciente de uma influência externa operando sobre ele. Fechei meus olhos para concentrar meus pensamentos com mais profundidade, e fui recompensado com o conhecimento positivo de que minha mensagem mental, há muito buscada, finalmente havia chegado. Cada ideia transmitida era formada com rapidez na mente, e embora nenhuma linguagem atual fosse empregada, minha associação habitual de concepção e hábito era tão grande que parecia receber a mensagem em inglês normal.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Joe Slater está morto,” veio a voz, capaz de petrificar a alma, de alguém além das muralhas do sono. Meus olhos abertos buscaram o tom da dor, em curioso horror, porém os olhos azuis ainda estavam observando com calma, o semblante ainda estava animado por inteligência. “É melhor que ele esteja morto, pois não era adequado para suportar o intelecto ativo da entidade cósmica. Seu corpo grosseiro não podia aguentar os ajustes necessários entre a vida etérea e a vida planetária. Ele era demasiado animal, e pouco homem; ainda assim, através da deficiência dele, você veio a me descobrir, pois as almas cósmicas e planetárias na verdade jamais deveriam se encontrar. Ele foi meu tormento e prisão diurna por quarenta e dois de seus anos terrestres.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Eu sou uma entidade como aquela que você mesmo se torna na liberdade do sono sem sonhos. Sou seu irmão de luz, e já flutuei contigo em vales refulgentes. Não me é permitido falar a seu eu desperto da terra sobre seu eu real, mas somos todos errantes dos vastos espaços e viajantes em muitas eras. No ano seguinte, posso estar habitando o Egito que você chama antigo, ou no império cruel de Tsan Chan, que deverá vir daqui a três mil anos. Você e eu já vagamos pelos mundos que rolam ao redor da Arcturus vermelha, e habitamos os corpos de insetos filósofos que rastejam orgulhosos sobre a quarta lua de Júpiter. Quão pouco este eu terráqueo conhece a vida e sua extensão! Quão pouco, de fato, embora seja para sua própria tranquilidade!</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Quanto ao opressor, não posso dizer nada. Vocês na terra, com certeza, já sentiram sua presença distante – vocês que, sem saber, deram merecidamente ao facho pulsante o nome de Algol, a Estrela Demônio. É para encontrar e conquistar o opressor que tenho lutado em vão por éons, aprisionado pelos fardos corpóreos. Hoje, irei como nêmesis, impondo a justa, ardente e cataclísmica vingança. Observe-me no céu próximo à Estrela Demônio.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Não posso mais falar, pois o corpo de Joe Slater fica cada vez mais frio e rígido, e o cérebro rude cessa de vibrar como eu gostaria. Você foi meu único amigo neste planeta – a única alma que pôde sentir e buscar por mim dentro da forma repelente que jaz neste sofá. Nos encontraremos novamente – talvez nas brumas brilhantes da Espada de Orion, talvez num platô macabro da Ásia pré-histórica, talvez em sonhos desta noite que você não conseguirá lembrar, talvez em outra forma daqui a um éon, quando o sistema solar já terá sido varrido para longe.”</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Neste ponto as ondas de pensamento cessaram abruptamente, os olhos pálidos do sonhador – ou devo dizer do cadáver? – começaram a ficar vítreos, aquosos. Em meio a um quase estupor, fui até o sofá e avaliei o pulso, mas o achei frio, rígido, sem ritmo. O rosto macilento ficava mais pálido, e os lábios grossos caíam abertos, mostrando as presas repulsivamente podres do degenerado Joe Slater. Senti um calafrio, puxei um cobertor sobre a face horrenda, e acordei a enfermeira. Então deixei a cela e fui em silêncio até minha sala. Senti um ímpeto instantâneo e inexplicável de dormir, num sono cujos sonhos não conseguiria lembrar.</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O clímax? Que história plana da ciência pode exibir tal efeito retórico? Eu apenas registrei certas coisas que me pareceram fatos, permitindo a vocês construí-los como desejar. Como já admiti, meu superior, o velho doutor Fenton, nega a realidade de tudo que relatei. Ele jura que eu fui alquebrado pelo estresse nervoso, e que estava muito necessitado de férias longas, totalmente remuneradas, que ele, generoso, me concedeu. Ele me assegura, por sua honra profissional, que Joe Slater não passava de um paranoico de baixo grau, cujas noções fantásticas deviam provir de histórias folclóricas rudimentares e hereditárias, que circulam até nas mais decadentes das comunidades. Tudo isto ele me disse – embora eu não possa esquecer o que vi na noite depois da morte de Slater. Antes que pensem que sou uma testemunha tendenciosa, outra caneta deve terminar este testemunho final, talvez proporcionando o clímax que esperam. Citarei o seguinte registro da estrela Nova Persei, exatamente como está nas páginas daquela eminente autoridade astronômica, o professor Garrett P. Serviss:</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Em 22 de fevereiro de 1901, uma nova e maravilhosa estrela foi descoberta pelo doutor Anderson, de Edinburgo, não muito longe de Algol. Nenhuma estrela era visível ali, até aquele dia. Dentro de vinte e quatro horas, a estrela estranha brilhou tão forte que superou Capela. Numa semana ou duas, havia visivelmente diminuído, e no decorrer de uns poucos meses mal era discernível a olho nu.”</span></div>
<div>
<br /></div>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-3977624882609306013.post-48903541798317922512011-09-23T04:25:00.000-07:002011-10-14T04:20:33.873-07:00A FLOR-DEMÔNIO<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><b><a href="http://en.wikisource.org/wiki/Author:Clark_Ashton_Smith">CLARK ASHTON SMITH</a></b></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><b>Título Original:</b> <i><a href="http://en.wikisource.org/wiki/The_Flower-Devil">The Flower-Devil</a></i></span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Tradução: Arthur Ferreira Jr.'.</span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitlO_ROql6atkVgVRqSy1Zl89i8aSgQrFeRUxdmtix-1GcqCvnf1EKLrz4wD8nnsMT5eMVIiJUUDx7CBsUzkp-twq_fMEdgIuChPvHy3Jwdz4oenrpTdicXqYk7NKHaWM38i9PK_jgj68/s1600/thomasjor12.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="313" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitlO_ROql6atkVgVRqSy1Zl89i8aSgQrFeRUxdmtix-1GcqCvnf1EKLrz4wD8nnsMT5eMVIiJUUDx7CBsUzkp-twq_fMEdgIuChPvHy3Jwdz4oenrpTdicXqYk7NKHaWM38i9PK_jgj68/s400/thomasjor12.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="400" /></a></div>
<br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"> Numa pia de alabastro, no alto de um pilar de serpentina, a coisa existe desde um templo primevo, no jardim dos reis que governam um reino equatorial no planeta Saturno. Com folhagem negra, fina e intricada como a teia de alguma enorme aranha; com pétalas de um rosa lívido, e púrpuras como o púrpura de carne putrefata; e um caule ascendente, como o pulso peludo e escuro de um bulbo tão antigo, tão incrustrado com o crescimento dos séculos, que lembra uma urna de pedra, a flor monstruosa mantém domínio sobre todo o jardim. Nesta flor, desde os anos das mais antigas lendas, um demônio maligno habita -- um demônio cujo nome e natividade são conhecidos pelos magistas superiores, e pelos misteriarcas do reino, embora uma icógnita a todos os outros. Sobre as flores quase-animadas, as orquídeas ofídeas que se enroscam e ferroam, os lírios quirópteros que à noite abrem suas pétalas arcadas como costelas, e com minúsculos dentes amarelados, banqueteiam-se com os corpos das libélulas adormecidas; os cactos carnívoros que bocejam com lábios esverdeados, abaixo de suas barbas de espinhos amarelados e venenosos; as plantas que palpitam como corações, os brotos que suspiram com um hálito de perfume peçonhento -- acima de todas essas plantas, a Flor-Diabo reina suprema, em sua imortalidade maligna, e inteligência maldosa e perversa -- incitando-as a uma estranha maleficência, a um capricho fantástico, até mesmo a atos de rebelião contra os jardineiros, que continuam com suas tarefas com cautela e tremor, já que mais de um deles já fora mordido, sendo mesmo levado à morte, por alguma flor raivosa e envenenada. Em alguns pontos, o jardim tornou-se selvagem, devido à falta de cuidados dos jardineiros temerosos, e tornou-se um emaranhado monstruoso de rastejantes serpentinos, e de plantas com cabeças de hidra, convoluto e retorcido em si mesmo de tanto ódio letal ou amor venenoso, e tão horrível como uma multidão de víboras e pítons ocupados em lutar.<br /><br /><br /> E, como fizeram seus inúmeros ancestrais, antes dele, o rei não ousa destruir a Flor, por medo de que o diabo, expulso de seu refúgio, possa buscar uma nova residência, e entrar no cérebro ou corpo de um dos súditos do rei -- ou mesmo no coração de sua tão bela, gentil e amada rainha!</span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmO8vIiy6tjeytMHzpIGTUt_rXmxCJp6wHbb_IFtHprTGTZ9CLNuD2iSKa8yjRQMBwyKT2axVis3r4JXydWeGr1qNJX-zh7RJ3sx1PL-MCOSPQ_imKLhG3h_YlvHatxActI2207TCQPZs/s1600/ab%C3%B3bora.jpg" imageanchor="1" style="color: #e4ff00; margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-decoration: none;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmO8vIiy6tjeytMHzpIGTUt_rXmxCJp6wHbb_IFtHprTGTZ9CLNuD2iSKa8yjRQMBwyKT2axVis3r4JXydWeGr1qNJX-zh7RJ3sx1PL-MCOSPQ_imKLhG3h_YlvHatxActI2207TCQPZs/s400/ab%C3%B3bora.jpg" style="border-bottom-style: none; border-color: initial; border-left-style: none; border-right-style: none; border-top-style: none; border-width: initial; position: relative;" width="318" /></a></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;">
<br /><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;">This work is in the </span><b style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a class="extiw" href="http://en.wikipedia.org/wiki/public_domain" style="color: #e4ff00; text-decoration: none;" title="w:public domain">public domain</a></b><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"> in the United States because it was published before January 1, 1923. It may be copyrighted outside the U.S. (see </span><a href="http://en.wikisource.org/wiki/Help:Public_domain" style="color: #e4ff00; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-decoration: none;" title="Help:Public domain">Help:Public domain</a><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;">).</span></span><br />
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #1c1c1c; color: #cccccc; font-size: 15px; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="color: #cccccc; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: 15px; line-height: 20px;">Sobre CLARK ASHTON SMITH:</span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="color: #cccccc; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: 15px; line-height: 20px;"><a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Clark_Ashton_Smith">http://en.wikipedia.org/wiki/Clark_Ashton_Smith</a></span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="color: #cccccc; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="http://www.eldritchdark.com/">http://www.eldritchdark.com/</a></span></div>Malena Mordekaihttp://www.blogger.com/profile/07138764096334295829noreply@blogger.com3